Com a conclusão oficial da era do segundo disco de estúdio da carreira, intitulado Her Mind (que ainda ganhou uma versão deluxe), Urias deixou a carreira em espera — mas participou de músicas de artistas como Duquesa, Jup do Bairro e Hodari — enquanto preparava os próximos passos, sem pressa e com calma.
Agora, na noite desta terça, 26, a artista mineira começou oficialmente com as novidades da era do terceiro álbum, Carranca (lançamento em 7 de outubro; faça o pré-save aqui), e lançou o single “Deus” (ouça na sua plataforma de preferência aqui), que tem participação de Criolo e produção de Nave Beatz e Rodrigo Gorky.
Em entrevista à Rolling Stone Brasil, Urias garantiu que a nova faixa, na qual mostra um lado que o público e fãs não veem há bastante tempo, é só um pequeno pedaço do que está por vir no novo trabalho, que deve contar com composições autorais em português (Her Mind, por exemplo, tinha muitas letras em inglês e espanhol). Ela ainda brincou que gosta da vibe de mudar a própria personalidade, como o personagem de James McAvoy em Fragmentado (2016).
O disco é muito diverso, no fim das contas. […] Então, é uma nova eu. No fim das contas, é sobre mim [risos].
O tom sonoro de “Deus” remete ao rap e hip hop que Urias investiu em Fúria (2022), primeiro disco da carreira, mais sombrio e raivoso. Na letra, a cantora e Criolo falam sobre o apagamento religioso dos povos africanos e indígenas no Brasil, e como isso afeta os seus descendentes até hoje.
“O álbum é meio que voltado para essa parte. É um disco bastante racial, eu diria”, explicou ela antes de citar que “esse processo de colonização foi também interno para nós. Fomos colonizados internamente, não só no corpo”.
Também à Rolling Stone Brasil, Criolo revelou que o convite de Urias chegou por meio de Nave, que já conhecia. “A força da música se conecta com a força do álbum e, quando me explicaram [o conceito], foi mesmo uma gratidão ainda maior pelo convite”, afirmou o rapper.
Do outro lado, Urias também sente a mesma gratidão, mas de uma fã que pode interagir e trabalhar com o ídolo de perto: “Foi bem mágico, ele me disse lindas palavras no dia que a gente passou junto, foi muito especial para mim. Levarei as palavras dele comigo até o túmulo. Foi muito bom; ele é um cara muito iluminado”.
Você acabou de entrar nesta era de Carranca após grande mistério nas redes sociais e, agora, com o primeiro single, “Deus”. Como está sua preparação para sua nova fase?
Tô muito ansiosa para lançar as coisas e para o público ver. Tem muito tempo que eu tô trabalhando nisso. Decidi fazer com calma, mesmo e decidi não apressar os meus processos. Estou muito feliz de estar começando tudo, de estar me mostrando novamente para o mundo de um jeito diferente, mais uma vez. Eu amo essa vibe! Mudar a minha personalidade, entendeu? Deixar… como chama aquele filme? Fragmentado, uma vibe assim. Então, é uma nova eu. No fim das contas, é sobre mim [risos].
Essa sua nova versão que você traz nessa nova era é algo premeditado? Ou acontece naturalmente?
Eu acho que é com as mudanças da vida, mesmo. Você vai adicionando camadas na sua existência, ao longo das suas experiências, ou o quanto você muda de opinião, quando você achava uma coisa que, na verdade, agora você acha outra. É parte de envelhecer, de passar para o próximo. Todo mundo tem isso de ir se mudando e ir adicionando coisas sem perceber, sem fazer por querer.
Por que escolher “Deus” como a música que apresenta esta nova era para seu público e fãs?
Eu acho que é uma ótima introdução por ser uma música que literalmente introduz esse novo mundo, esse novo tema e essa nova proposta, mas que deixa um espacinho aberto para as novidades do álbum, sabe? É uma canção que a galera que gosta de um certo lado meu, que eu não mostro há muito tempo, que faz tempo que não lanço músicas minhas autorais em português, então é uma música que traz de volta. Mas é só um pequeno pedaço do álbum, um pequeno lado. O disco é muito diverso, no fim das contas.
Senti que ela dialoga muito com seu primeiro álbum, Fúria. Como você trabalhou com essa sonoridade que mistura rap e pop? Podemos esperar mais disso nas outras faixas de Carranca?
Toda parte de todo o meu processo, não só em português, tem muito de rap e hip hop, que foram coisas que eu meio que cresci escutando, e aí meu cérebro meio que já funciona um pouco dessa maneira, tipo de rimas e colocar as coisas no lugar. Mas sempre vai ter nos meus trabalhos, é o caminho que eu consigo achar para compor.
Essa coisa do rap e hip hop sempre vai estar presente, não só nesse trabalho, mas em todos os outros ele esteve presente como base para conseguir começar a fazer uma música, uma canção.
Como foi trabalhar com o Criolo? Como vocês construíram esta faixa?
Trabalhar com ele foi completamente surreal, porque sempre fui uma grande fã, então nunca imaginei. Foi bem mágico, ele me disse lindas palavras no dia que a gente passou junto, foi muito especial para mim. Levarei as palavras dele comigo até o túmulo. Foi muito bom; ele é um cara muito iluminado.
Para fazer a faixa, a gente foi conversando um pouco à distância por conta da agenda dele e da minha, a maioria das vezes não batia de ser um encontro presencial. Agora ele também tá saindo com essa turnê dele de 50 anos.
E aí a gente foi trocando ideias sobre a faixa através dos produtores, que são Gorky e Nave. E eu meio que expliquei para ele como foi a estrutura do álbum e a história que eu quero contar. E aí ele adicionou a parte dele perfeitamente, foi tudo incrível.
Não tinha nada para mudar, sabe? Foi do jeito que foi.
Além disso, “Deus” é produzida por Nave Beatz e Rodrigo Gorky. São produtores que não trabalham com o mesmo tipo de som. Como foi ter essa dualidade, digamos, no estúdio?
Quando a gente começou a produzir, o Gorky meio que foi introduzindo o Nave nas produções. O Gorky queria muito que o Nave participasse. Eles já tinham acordado as coisas entre eles enquanto produtores e preferências e jeitos de produzir. Não posso falar por eles, mas eles pareciam estar bem livres para fazer e jogar a produção um para o outro — as interferências e tudo. É um trabalho que todo mundo se orgulha de ter feito.
Muito da música fala sobre o apagamento da religião africana no Brasil que acontece desde a colonização do país. O que te motivou a falar sobre isso?
O álbum é meio que voltado para essa parte. É um disco bastante racial, eu diria. E o tópico da música introduz esse peso no álbum da influência da colonização nas nossas histórias, [de] pessoas negras brasileiras, no fim das contas. A música “Deus” fala sobre a colonização e a evangelização tirarem os deuses das pessoas negras e indígenas. Tiraram a nossa história, os nossos nomes. Esse processo de colonização foi também interno para nós. Fomos colonizados internamente, não só no corpo. Eu sentia que eu tinha que falar disso, não tem um porquê. [A canção] complementa muito tudo que eu falo no álbum e como tudo isso me influencia pessoalmente. Não só a mim, mas como essas coisas e partes da história mundial acabam refletindo na gente. Não temos como fugir disso.
E você é uma pessoa religiosa?
Eu sou uma pessoa religiosa.
Para você, exatamente, o que ou quem é Deus?
Acho que o Ifá, no fim das contas. Eu sou do Candomblé, e nosso Ifá é o que rege as coisas, nosso destino. A minha religião é muita conexão com a natureza, não existe um elemento “esse é o grande, todo-poderoso e misericordioso”. A gente entende que nós somos da natureza, e aí nós temos como nos comunicar com essas grandes entidades, que são representações da natureza. Não é uma religião hierárquica. Acho até… decolonial.
O que podemos esperar da Urias nessa nova fase da carreira?
Vamos comunicar de uma maneira diferente com o público, soltando coisinhas para saciar e instigar curiosidades. Então vai ter coisas daqui pro lançamento do álbum. As pessoas vão poder se aproximar mais do álbum com os nossos planejamentos de marketing.
O marketing é importante, né?
O marketing é importante.
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Fonte: rollingstone.com.br