O perito Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), revelou a existência de um grupo informal de Whatsapp que reunia servidores do TSE e membros da Polícia Federal (PF) com o objetivo de identificar participantes das manifestações de 8 de janeiro.
Segundo o ex-assessor, o grupo, chamado “Atos Antidemocráticos”, teria sido criado para facilitar a troca de informações e identificação de suspeitos investigados. Na prática, a Polícia Federal pedia ajuda para verificar imagens de suspeitos usando os registros biométricos do banco de eleitores do TSE, que cruza dados como foto, nome e número de documentos de eleitores. A ideia era confirmar nomes e endereços de suspeitos a partir de imagens de fotos da manifestação na Praça dos Três Poderes e de redes sociais.
A revelação foi feita em uma audiência na Comissão de Segurança Pública do Senado realizada na última semana. Tagliaferro já havia denunciado anteriormente que um juiz assessor de Moraes fazia pedidos informais a ele por meio de Whatsapp, quando ele chefiava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, entre agosto de 2022 a maio de 2023. A nova denúncia avança na medida em que inclui a participação da Polícia Federal no grupo de execução de tarefas fora dos ritos da Justiça.
A Gazeta do Povo procurou a Direção Geral da PF e o TSE solicitando que se manifestassem sobre o caso, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno.
Ao denunciar o grupo de Whatsapp “Atos Antidemocráticos” no Senado, Tagliaferro afirmou que, em algumas situações, o TSE tentava usar seu banco de dados de eleitores para conferir imagens de difícil detecção facial – como pessoas usando óculos escuros e bonés – por solicitação da Polícia Federal quando esta não conseguia fazer a identificação pelo seu próprio banco de informações.
O banco de dados de eleitores é atualizado a cada dois anos, por causa das eleições e, em tese, tem as fotos mais atuais dos cidadãos. Tagliaferro destacou que não se tratava de um sistema automatizado de monitoramento, mas de envio pontual de informações com o objetivo de auxiliar nas apurações. Durante a audiência, ele chegou a mostrar brevemente em seu celular o grupo que ainda existia.
Na audiência, que durou mais de oito horas no Senado na semana passada, o perito também relatou fraudes processuais, contatos indevidos entre Moraes e o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, e um conluio de integrantes do Judiciário com ativistas de universidades.
Nesta terça-feira (9), o senador Flávio Bolsonaro aprofundou a denúncia sobre a fraude processual apresentando um laudo de peritos que mostram que Moraes teria inserido um documento com data retroativa para “esquentar” uma operação da Polícia Federal. Também na terça-feira, Tagliaferro divulgou um vídeo nas suas redes sociais em que mostra uma conversa de Whatsapp atribuída a Moraes, na qual o ministro supostamente conduz procedimentos fora dos ritos institucionais estabelecidos.
Tagliaferro participou da sessão no Senado de forma remota, pois mora na Itália em uma situação que classifica como autoexílio por ser “perseguido por Alexandre de Moraes”. O ex-perito é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por ter vazado informações internas do TSE enquanto ainda era assessor no órgão. Ele afirma ter presenciado métodos que classificou como “ilegais e arbitrários” do ministro e pessoas próximas enquanto presidia o TSE no período das eleições de 2022 e no início de 2023.
Tagliaferro responde ainda por violação de sigilo funcional, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, coação no curso do processo e obstrução de investigações relacionadas a atos antidemocráticos, com penas que podem chegar a 22 anos de prisão.
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Ao detalhar sua participação no grupo de WhatsApp “Atos Antidemocráticos”, Tagliaferro disse que não trocava mensagens diretas com policiais federais, mas participava do grupo em que eles faziam pedidos de informações para identificação de suspeitos.
Tagliaferro mencionou que a Polícia Federal nunca pediu nada diretamente à AEED especificamente para as eleições de 2022, apesar de haver no Tribunal Superior Eleitoral um acompanhamento constante de postagens e manifestações de pessoas ligadas à direita, bem como políticos desse espectro. Ele disse que a interação com a PF se iniciou com a criação desse grupo de Whatsapp a partir do 8 de janeiro.
Ele se comprometeu com a Comissão a fornecer os nomes dos policiais federais que faziam parte e de enviar o conteúdo do grupo.
O ex-assessor disse que foi um assessor do TSE que colocou a equipe em contato com a Polícia Federal. “O meu telefone, todo o material [está] guardado e preservado e à disposição não só do Senado, mas da Câmara e a qualquer justiça verdadeira”, disse o ex-assessor e hoje delator de Moraes. Tagliaferro também afirmou que participaria de uma acareação com Alexandre de Moraes para tratar de todos esses temas, caso o magistrado concorde.
Tagliaferro entregou aos senadores uma série de documentos e registros, que foram submetidos ao setor jurídico do Senado. Os peritos que analisaram o material recomendaram aos senadores não divulgá-lo publicamente, pois diversas peças fazem parte de inquéritos sigilosos do STF. Eles recomendaram que os parlamentares arquivem, façam sessões sigilosas ou acionem o próprio Judiciário.
Por receio de serem processados por Moraes, os senadores postergaram para a próxima semana a decisão sobre o que fazer com o material e como seguir com a denúncia.
A revelação do uso do banco de eleitores do TSE pela PF estimulou um debate entre parlamentares sobre os limites de atuação da Justiça Eleitoral e sobre o compartilhamento de informações entre órgãos de diferentes competências. O TSE possui poder de polícia durante o período eleitoral, mas não está claro quais são os limites desses poderes.
Parlamentares levantaram dúvidas sobre a extensão do uso de provas do TSE em investigações criminais, uma vez que, segundo eles, a Justiça Eleitoral possui restrições legais quanto ao uso de suas bases de dados para fins penais. Segundo o deputado Marcel Van Hattem (PL-SC), a participação de membros da Polícia Federal e do TSE em um grupo de troca de mensagens e o compartilhamento de informações devem ser esclarecidos, assim como os limites da cooperação institucional entre os órgãos.
A Comissão do Senado deve solicitar novas informações, tanto ao TSE quanto à Polícia Federal, para esclarecer o alcance das trocas de dados e se houve respaldo jurídico para essas ações. O senador Magno Malta (PL-ES) disse que o ministro Alexandre de Moraes criou em torno de si uma estrutura de “poder paralelo” e a deputada federal Bia Kicis (PL-DF) afirmou que Moraes usa a estrutura da administração pública do Estado para fazer o que quiser, “como se fosse sua casa”.
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Pouco antes de afirmar aos senadores sobre a existência do grupo de WhatsApp para troca de informações, Tagliaferro detalhou o que chamou de “uso político” e para “fins de indiciamentos criminais” do cadastro de eleitores brasileiros coordenado no TSE. O sistema reúne o maior banco de dados cível de eleitores do país, atualizado a cada dois anos.
Ele afirmou que não acessava o sistema diretamente, mas que algumas pessoas de sua equipe tiveram permissão para utilizá-lo, com autorização da corregedoria do TSE.
Inicialmente, a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação, que ele coordenava, não utilizava o sistema, mas passou a utilizá-lo a partir de 8 de janeiro de 2023 para identificação e cruzamento de informações de manifestantes, condição que eventualmente ocorria em parceria com a PF. A ordem, segundo ele, teria vindo da equipe direta de Alexandre de Moraes.
“Teve acesso, não da minha parte, mas de meus servidores, fizeram a comparação biométrica facial para saber se de fato se A era A e B era B […] a gente entendia que não era atribuição do TSE fazer aquilo, nós estávamos sendo pressionados com prazos recordes e impossíveis”, descreveu.
Ele também opinou que o programa, sendo um banco de dados cível eleitoral, não deveria ser usado para fins penais. O TSE argumenta que tem poder de polícia durante o período eleitoral.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que é presidente da Comissão, criticou Moraes dizendo que, “quem se diz defensor da democracia a está destruindo”. “[Alexandre de Moraes] acabou com a democracia usando a caneta que o Estado lhe deu com o poder para que fosse usada para fazer, para promover justiça. Mas promove perseguição a quem ele bem entende”.
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Tagliaferro denunciou direcionamento político de investigações de Alexandre de Moraes
O perito Eduardo Tagliaferro, ex-assessor do ministro Alexandre de Moraes no TSE, fez uma série de denúncias durante audiência da Comissão de Segurança Pública do Senado. Ele afirmou que Moraes direcionava politicamente investigações para perseguir parlamentares, influenciadores e cidadãos ligados à direita, enquanto críticos e militantes da esquerda não eram alvos. Segundo ele, nomes, vídeos e publicações eram enviados pelo ministro à sua equipe para elaboração de relatórios que embasavam ações contra apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), incluindo a própria família do ex-presidente.
O ex-assessor disse ainda que havia monitoramento de redes sociais, com atenção especial a contas com mais de mil visualizações e que demonstravam simpatia a conteúdos críticos ao sistema eleitoral. A estratégia, segundo ele, seria tornar opositores “inelegíveis”. Tagliaferro também acusou Moraes de usar a Polícia Federal como instrumento de interesse pessoal e de montar processos “ao inverso”, criando justificativas após as ações.
O delator disse que Moraes e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, teriam combinado previamente alvos de investigações e atuado juntos na produção de documentos e relatórios com datas retroativas, usados para justificar operações já realizadas. A PGR não se pronunciou sobre as alegações.
Segundo o ex-assessor, listas de investigados, chamadas de “pacotinhos”, com 100 a 200 nomes, eram organizadas, entre o ministro e Gonet, para envio aos Tribunais Regionais Eleitorais, viabilizando denúncias coordenadas. O ex-assessor disse ainda que ordens e pedidos partiam de conversas informais, por WhatsApp e e-mails pessoais, sob a justificativa de “defesa da democracia” e para dar celeridade a procedimentos. Para formalizar esses atos havia um registro dos documentos posteriormente no Sistema Eletrônico de Informações (SEI).
Ele alegou que um suposto “gabinete paralelo”, que contava inclusive com militantes ligados a universidades e organizações de checagem de informações, agia de forma informal e consolidava, na sua visão, um “estado de exceção” em busca de postagens em redes sociais de pessoas ligadas à direita. Entre as denúncias, Tagliaferro destacou que certidões produzidas por sua equipe, sem valor legal, eram usadas para determinar prisões ou solturas de suspeitos dos atos de 8 de janeiro, com base supostamente política e foco em preferências ideológicas e em publicações de redes sociais.
A Comissão do Senado promete levar as denúncias a órgãos como o próprio Supremo Tribunal Federal (STF), ao TSE, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e à OAB. A comissão deverá acionar organismos internacionais, pressionar a pauta dos pedidos de impeachment de Moraes e articula uma CPI denominada preliminarmente como Vaza Toga para apurar a atuação do ministro.
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Fonte: Revista Oeste