FBC se estabeleceu na música brasileira como um rapper afiado, responsável por discos como S.C.A (2018), Padrim (2019) e Best Duo (2020), mas atingiu grande sucesso nacional com o disco de funk oitentista Baile (2021) e, dois anos depois, seguiu na mesma pegada com o filosófico e psicodélico O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão nos Levar para Outro Planeta. Agora, em 2025, Fabricio Soares Teixeira retorna com Assaltos e Batidas, álbum de estúdio de rap clássico que expõe problemas de desigualdade e consumo, tirando a si mesmo dos holofotes.
Ao longo das 11 faixas, o artista mineiro usa samples de faixas de rap de outros artistas, como “Capítulo 4, versículo 3“, dos Racionais MC’s, referencia “Lucro (Descomprimindo)“, do BaianaSystem e até usa trechos dos filmes Os Doze Macacos (1995) e Rede de Intrigas (1976) para contar uma grande história. Ou melhor, uma paralaxe com várias histórias.
Em entrevista à Rolling Stone Brasil, FBC refletiu sobre o surgimento do novo lançamento, o retorno com um álbum completamente focado no rap e na criação de projetos audiovisuais que complementam a essência de Assaltos e Batidas, lançado nesta sexta, 6, aniversário de 36 anos do rapper, nas plataformas digitais via ONErpm.
Quanto ao processo criativo, ele categoriza como acordar e ir para o estúdio, onde as coisas acontecem e você nunca sabe o que vai acontecer. “Diferente dos outros trabalhos, esse eu sabia que ia ser um álbum de rap, mas não sabia qual subgênero do rap seria”, afirmou. “Tanto que, nesse desenvolvimento de criação, separamos umas coisas que fecharam um conceito, que é o antecessor, o EP Feito àMão (2024). Acabou se tornando o Assaltos e Batidas“.
É vir e estar no estúdio. Trabalhar a música como se eu estivesse trabalhando num caixa de supermercado, ou num balcão de padaria, ou varrendo rua, ou qualquer outro emprego, numa multinacional, tipo a Fiat. Tem que ir trabalhar, não tem? Então eu venho. Aí é que as coisas acontecem.
Além disso, FBC destacou que fez algo sem se preocupar se faria sucesso ou não e falou sobre o teor das músicas de gêneros que, historicamente, sempre foram combativos, “de onde saíram vários ativistas e há uma convergência de ideias para mudarmos o mundo da forma como acreditamos que ele deveria ser”.
Segundo o cantor, o rap brasileiro precisa de um disco de estúdio sem a presença de uma love song (música sobre amor): “A gente faz o álbum, mas precisa da love song ali, porque uma tem que pagar as outras. Mas não me preocupei com isso, graças a Deus. Trabalhei minha vida toda com rap. Sempre fiz o que queria fazer, mas dessa vez eu realmente fiz o que queria, sem nenhuma preocupação”.
Para este projeto, FBC contou com a colaboração dos “grandes gênios” Coyote Beatz e Pepito — eles produziram o álbum ao lado de DJ Cost e Nathan Morais. Por exemplo, a dupla deu a segurança necessária para o artista explorar a sonoridade do rap clássico dos anos 1990.
Com Coyote e Pepito, sempre me senti seguro até mesmo para trabalhar o que eu já queria fazer e tinha na mente. Eu me sentia muito seguro de chegar neles pra expor minhas ideias e mostrar as minhas referências, porque chega a ser natural.
Leia a entrevista de FBC com a Rolling Stone Brasil abaixo:
Em Baile e O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão nos Levar para Outro Planeta, você trouxe uma pegada distante do rap. Como foi voltar a fazer um disco 100% rap?
Cara, é muito bom você fazer uma parada sem se preocupar se vai fazer sucesso ou não, se vai se pagar ou não, tá ligado? A coisa mais gostosa de ter feito esse álbum é isso. E eu acho que o momento do país — não estou falando da conjuntura política — e da cultura, com tudo que vem acontecendo, com os retrocessos, com o avanço dessa galera da extrema-direita, esse pessoal com medo da ascensão do favelado… E o teor das músicas de gêneros que, historicamente, sempre foram gêneros musicais combativos, de onde saíram vários ativistas e há uma convergência de ideias para mudarmos o mundo da forma como acreditamos que ele deveria ser.
Eu acho que o rap precisa de um álbum sem love song. A gente faz o álbum, mas precisa da love song ali, porque uma tem que pagar as outras. Mas não me preocupei com isso, graças a Deus. Trabalhei minha vida toda com rap. Sempre fiz o que queria fazer, mas dessa vez eu realmente fiz algo que eu realmente fiz o que queria, sem nenhuma preocupação. Porque, mesmo eu, nos outros álbuns, fazendo as coisas que eu queria fazer, sempre tinha aquela preocupação: “Pô, gastei nisso, será que dá pra recuperar? Será que vai ter show?” Mas o meu público sempre lotou as casas, e isso sempre me deixou tranquilo.
Adorei muito que você resgata a sonoridade do rap clássico dos anos 1990. Lembrei muito do N.W.A ouvindo o disco. Qual foi sua intenção? Por que isso aconteceu?
Porque acho que não tem ninguém fazendo. Não tem, né? Não sei… Até nos últimos lançamentos internacionais, dá para colocar dentro da coisa do boom bap, tipo a Doechii. Qual outra pessoa no mundo que está fazendo isso? Agora, eu não sei quem está fazendo, né? E eu queria ouvir. Quando eu faço a música é porque eu quero ouvir a música, tá ligado? Não é porque eu quero vender a música, é porque eu quero ouvir aquilo. Então, se ninguém faz, eu faço.
Pô, eu cresci ouvindo isso: Public Enemy, N.W.A… até os Racionais é uma parada bem Holocausto Urbano, entendeu? E eu queria ouvir isso. Eu acho que essa geração nunca experienciou uma sonoridade assim, essa textura.
Te deu certa insegurança explorar esse estilo específico do rap?
Os produtores me deram essa segurança. Pepito e Coyote são grandes gênios, pessoas que vivem e respiram música. Nesse lugar onde poderia surgir dúvidas, eu sempre tive o apoio deles como pessoas que traziam referências e conseguiam também entender as minhas — e trabalhar isso com as deles. E a gente queria fazer a mesma coisa: esse boom bap, essa coisa do bate-cabeça e break beat, música acelerada pra b-boy, entendeu? E uma coisa que soasse final dos anos 1980, começo dos anos 1990… Aqueles timbres daquela MPC específica, aquele kick específico, aquele jeito do timbal se comportar. Aquele jeito!
Com Coyote e Pepito, sempre me senti seguro até mesmo para trabalhar o que eu já queria fazer e tinha na mente. Eu me sentia muito seguro de chegar neles pra expor minhas ideias e mostrar as minhas referências, porque chega a ser natural.
Esse resgate de um som específico deu muito certo com o funk de Baile e O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão nos Levar para Outro Planeta, né? Isso teve algum impacto em Assaltos e Batidas?
Eu olho pro meu catálogo, os álbuns que lancei: 2018, S.C.A.; 2019, Padrim; 2020, Best Duo; 2021, Baile; 2023, O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão nos Levar para Outro Planeta. Essa sonoridade [de Assaltos e Batidas] encaixa nesse momento, depois de todos esses trampos que lancei. Eu acho que tira também um pouco… Acaba com um pouco da esperança, traz essa quebra de expectativa das pessoas de ouvir um Miami [Bass, subgênero do hip hop] ou alguma coisa mais pop, housezinha e dançante. Aqueles temas, musiquinhas de amor, baladinhas… Aí vem agora com uma coisa meio Rage Against the Machine, Planet Hemp, sabe? Baixo, bateria. Você imagina que o show vai ser aquela loucura. Eu acho que esse é o momento.
Acho que acertei, porque eu sei que, daqui 20 anos, uma pessoa que não conhece FBC vai lá escutar o primeiro álbum, até chegar nesse, e eu acho que vai ser uma experiência muito de não saber o que vai acontecer. “Porra, uma hora é isso, outra hora é aquilo… Esse cara é maluco!”
Enquanto a sonoridade faz referência ao passado, as letras são bem atuais e apontam diversas críticas sociais. Que tipo de mensagem você quis passar com Assaltos e Batidas?
São muitas mensagens.Uma das mais importantes é entender que as mulheres no Brasil carregam um alvo nas costas. A nossa motivação para entrar nessa coisa desse consumo desenfreado é o que muitas vezes nos faz não enxergar o outro do lado, não ser empático com o outro.
Quando eu trato o meu território como um campo de concentração, um gueto, onde o bem não consegue entrar, e o bem também não consegue sair. Eu quis me dizer muitas coisas. As pessoas me perguntam, eu falo assim: “Mano, eu não sei nem por onde começar”.
A maior mensagem é que tanto os que lutam para que o sistema continue quanto os que lutam para que o sistema acabe são manipulados por uma força maior. Essa gravidade é o dinheiro. O sistema internacional de câmbio é a extinção das nações, a extinção dos povos. Hoje não fazemos mais parte de países, nações, e sim de corporações: “o meu país é a Honda, o meu país é a Coca-Cola, a minha nação é a Nike, a minha nação é a Tesla, a minha nação é a Apple”.
Quis questionar: o que a gente representa? O que a gente traz no peito? O que a gente tá vendendo? A gente serve pra quê? A gente tá sendo apenas consumidores que promovem a coisa, que até o sair da miséria, dar a volta por cima, é uma forma de manter o sistema do jeito que… É muita coisa, uma loucura. Eu só consigo explicar direito depois que eu vejo o que as pessoas acharam. Eu acabo psicografando a letra. Eu penso no tema e no que eu quero dizer e vou escrevendo. Então, muitas vezes, até pra mim, é difícil digerir isso e explicar.
Eu já consegui ter trabalhos mais fechados, de conseguir explicar o conceito, como quis fazer com Baile, mas foi proposital. Com esse álbum, eu quis criar uma paralaxe com várias histórias. Talvez elas não tenham nenhuma relação entre si, talvez nem estejam acontecendo na mesma linha do tempo, mas todas são causadas por uma coisa, como se fosse um sistema solar, com cada planeta em sua órbita, mas todos em volta do Sol e regidos por aquela gravidade. O Sol é o dinheiro? O poder? O controle? Confusão é controle? De onde eu vim? Como é o meu território? Nesse álbum, consegui fazer o que sempre quis: um álbum em que você só vai conseguir entender 100% do que eu tô falando quem mora no [bairro] Cabana ou quem é de Belo Horizonte e conhece o Cabana.
Então eu me ferrei, já caí [risos].
Não, mas a galera fala e vai comentando, não tem jeito. BH precisa — a minha região, Zona Oeste — se entender mais como cultura original e expoente de arte, originalidade, conceito, proposta e entrega. Desde a técnica até a coisa mais sensível, a coisa que foge à primeira vista. Um olhar mais apurado de quem consegue enxergar mais a fundo. BH precisa de algo que trabalhe essa subjetividade.
Aconteceu e a gente tá aqui, sabe? Eu queria ter mais tempo, mas tem muitos contratos, né? Os contratos acabam.
Mas quem sabe uma parte dois, não é mesmo?
Ô, irmão, Felipe! Quem ouve o álbum e é cinéfilo vê um “continua” ali no final. Quando você ouve o álbum no repeat, tem aquela última coisa, com aquelas falas, e aí quando começa a primeira música, eu falo assim: “Ah, velho, é isso mesmo, né?” A gente acaba sendo pastor dessa porra. Os maiores promotores do sistema somos nós que consumimos ele. Não tem como abdicar.
E você continua morando em BH, né? Muitos artistas acabam se mudando pra SP ou RJ. Qual a importância de você se manter aí também?
Para a minha comunidade, é ter um exemplo de vitória além do tráfico.
Algo bem legal no seu novo álbum são as referências a Racionais MC’s, Facção Central e BaianaSystem. Queria entender como foi escolher esses nomes para referenciar. Eles chegaram a ver as respectivas faixas?
Primeiro eu mandei pro Vandal, que passou o contato do Russo [Passapusso]. Aí eu mostrei pro Russo, e todo mundo do BaianaSystem gostou, eles aprovaram. Só teve um problema com o nome, que seria “Máquina de Louco”, mas ficou “Você Pra Mim É Lucro” porque eles têm uma marca. Eu pensei assim: “Beleza, não é uma música que eu vou trabalhar como carro-chefe do álbum, mas vai que seja a música que estoura e eu queira fazer uma camisa ‘Máquina de Louco’? Não dá”. Esse foi o acordo verbal e de camarada que eu tive com eles. Deu tudo certo, a galera curtiu muito, velho.
E a questão dos samples é assim: só sampleei rap de música. Pô, alguém do rap processar outro rapper por samplear um rap? Aí acabou… e você pode entregar pro Nikolas Ferreira [deputado federal] e pro Cleitinho [Azevedo, Senador da República Federativa do Brasil, por Minas Gerais] a chave do Brasil. O rap sempre teve a cultura de samplear o próprio rap também. Trouxemos essa coisa [para Assaltos e Batidas], nem que seja um pontinho. Quem curte, entende e consome rap vai [falar]: “Caralho, que álbum foda, velho. Saudade de ouvir um álbum de rap”. Sem ouvir aquele tanto de mimimi no começo pra, na segunda música, ser uma love song.
“Ah, porque o rap é a briga do ego, né?” Aí eu tento fugir disso e ser uma terceira pessoa, um narrador. Não falar de mim. FBC não importa aqui. Foda-se o FBC. Aqui, FBC não existe, não é a vida dele. Queria que as pessoas ouvissem e vissem. Ouvissem!
Em “Máquina de Louco” você colocou falas de Os Doze Macacos (1995) e, em “A Cosmologia Corporativista do Senhor Arthur Jansen”, inseriu trechos de Rede de Intrigas (1976). Como elas te ajudam a contar essa história que você quis trazer?
Felipe, é porque o rap é a cultura do sample. Desde os álbuns clássicos do rap, a galera sampleou filmes, peças e programas de TV. E eu tava na busca de falas em filmes porque eu não queria escrever frases de efeito. O efeito é temporário. Um álbum no qual a pessoa precisa digerir e procurar as referências vai perpetuar mais.
Também quis buscar falas que sintetizassem a minha ideia de atacar essa coisa de que você só presta enquanto consumidor. Se você não consome, automaticamente você é execrado, considerado um retardado, louco e maluco, que não serve pra estar vivendo em sociedade, que só se aceita enquanto consumidor e promotor do sistema.
Por falar em produções audiovisuais, Assaltos e Batidas é acompanhado de um curta-metragem que, pelo que entendi, também foi pensado para o público das redes sociais. Como foi a criação deste curta? O que você pretende com ele?
Essa foi a primeira vez, Felipe, que a questão do vídeo foi independente. O meu produtor, que também é videomaker e designer — essas pessoas que fazem tudo —, fez. Eu não quis ver, confiei pra ver só no lançamento. Não gosto muito de vídeo porque não dá dinheiro, já foi o tempo que dava. Mas, por eu tratar o álbum como filme (a história, o enredo e a narrativa), o curta encaixou. E Renan 1RG tá fazendo isso.
Hoje eu trabalho pra Xeque Mate, sou diretor criativo do estúdio Xeque Mate, onde estou. Esse é o primeiro trabalho da Xeque Mate Produções. São três coisas diferentes: o álbum, o curta e o show, que fazem parte do mesmo universo do disco.

Você praticamente lançou um álbum inédito por ano desde S.C.A. (2018). Como você consegue ser tão produtivo? Quanto isso te ajuda e também pode te prejudicar enquanto artista?
Foi por isso que eu mudei, porque eu tava lançando um álbum por ano até Baile, em 2021, quando teve aquele estouro. Em 2022, a gente ficou só 115 dias em casa, o resto foi tudo viajando. Pensa no esgotamento físico e mental. Tenho família, três filhos, mulher, sabe? Mesmo com você trabalhando e tudo, essa distância é tipo uma ruptura do jeito que a gente levava a vida.
E aí eu fui lá… Demorei dois anos pra lançar O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão nos Levar para Outro Planeta. Agora demorei mais dois anos porque eu precisava ler um livro, ouvir um disco, ver um filme, viver, bater o dedão na quina do guarda-roupa, me machucar, brigar com alguém, discutir, perder a razão, ter a razão… eu tinha que viver! A arte é resultado da vida, da vivência e experiências que a gente tem ao decorrer do tempo.
Então, se você não tem uma estrutura bilionária e 25 escritores trabalhando pra você… Temos que valorizar muito os MCs do Brasil, todos e todas que se propõem a escrever no Brasil hoje, porque nós somos MCs que cantam as letras que escrevem, diferente da lógica mercadológica estadunidense ou europeia, onde um artista apenas é intérprete — não que isso seja ruim, eu queria ser um grande intérprete e cantar igual à Elis Regina e à Clara Nunes, mas não deu.
Mas é muito louvável a gente escrever e cantar o que vive. Eu tô tentando aproveitar a oportunidade que eu tenho de aprender, conhecer e me aprimorar, seja enquanto músico e instrumentista, poeta, escritor, pai, empresário e dono de um negócio.
Não pode achar que acertou e “opa! Você tá solteira? Vamo ficar de casal? Não… mas agora vai ter: se tá solteira, vamo ficar de trisal. Depois vai ter o: se tá solteira, conheça o poliamor. Aí, do poliamor, vai pro… Não é uma franquia” [risos].
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Fonte: rollingstone.com.br