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‘Queremos que as pessoas se conectem com nossas ideias’


Quando três jovens de Feira de Santana se juntaram em 2016 para criar música, talvez não imaginassem que anos depois estariam rodando o interior paulista em um circuito que os colocaria frente a frente com realidades musicais completamente diferentes da sua. O IorigunIuri (vocal e guitarra), Moysés (baixo) e Leonel (bateria) e Diego (guitarra) — representa uma nova geração de bandas baianas que busca expandir os horizontes do rock regional, enfrentando os desafios de uma cena que, apesar de rica, ainda luta por visibilidade.

Os primeiros acordes de uma amizade musical

A história do Iorigun começou de forma quase casual. Iuri frequentava um estúdio para gravar com outra banda quando conheceu Moysés. “Esse meu amigo me ligou e falou: ‘Velho, tem um moleque aqui que você tem que conhecer, que ele é bom pra caralho, ele gosta das coisas que você gosta'”, conta Moysés. “Pouca gente ouvia Kings of Leon em Feira de Santana na época”.

O que começou com uma carona ao som de Kings of Leon logo se transformou em parceria musical. “No outro dia de noite a gente pegou uma música do Homeshake, aí eu mandei o baixo pra ele, ele fez as guitarras, e aí a gente ficou gravando”, relembra Moysés sobre os primeiros momentos da dupla.

As primeiras demos eram produzidas de forma precária, mas cheia de criatividade. “Ele gravava os violões no celular, pegava o áudio, jogava no computador, metia efeito de distorção e fazia as guitarras com isso”, diverte-se Moysés ao lembrar do processo inicial. “E gravava o microfone com o microfone do notebook”.

Leo completou a formação em 2017, trazendo sua bagagem técnica e transformando o duo em trio. “Quando foi que virou uma música do Iorigun? Quando a gente chega lá sexta-feira de noite, sábado e domingo, senta e bora fazer tal música”, explica Iuri sobre o processo colaborativo que define a identidade da banda. Atualmente Diego, guitarrista, completa o grupo.

Rock baiano: tradição e desafios contemporâneos

Fazer rock na Bahia carrega suas particularidades. “Tem esse estigma de ser a terra do axé”, pontua Moysés, e Diego completa “mas o rock baiano é contemporâneo aos outros movimentos do Brasil. A gente teve Raul Seixas, Camisa de Vênus, Cascadura“.

O desafio, segundo eles, não é a falta de tradição, mas questões estruturais. “Salvador não é uma capital que normalmente esperaríamos que fosse um polo de rock no Nordeste”, analisa Leonel. “É uma cidade que fica muito distante das outras capitais. Os custos para fazer uma turnê são inviáveis para bandas que estão no começo”.

Para Iuri, o público também é um fator: “Enquanto ouvinte de música, eu sentia muita falta de rolês na cidade. De rolês alternativos, de bandas”. A região consome mais sertanejo, forró, piseiro, arrocha… o que dificulta ter esse “público alternativo”.

A revolução digital: entre a necessidade e a resistência

A conversa inevitavelmente chegou às redes sociais, território obrigatório, mas nem sempre confortável para músicos. “Para além de músico, tem que ser artista também”, filosofa Samara, produtora da banda. “A pessoa precisa se conectar para além da música”.

Iuri admite a dificuldade inicial: “Eu não uso rede social na minha vida pessoal. Então eu não tenho uma relação… Mas se a gente não fizer, não espalha da forma que hoje todo mundo está no TikTok, no Instagram“.

A solução encontrada foi a colaboração. Com a ajuda de um amigo jornalista, conseguiram desenvolver uma estratégia mais orgânica. “Vocês são carismáticos, são engraçados, são divertidos. Tem que mostrar isso”, aconselha Samara. “Não adianta para a pessoa ver vídeo de show tocando. Ela quer ver vocês falando besteira, quer ver foto pendurada na árvore”, brinca.

Evolução sonora: liberdade criativa e experimentação

O Iorigun passou por uma evolução sonora significativa ao longo dos anos. No início, as referências eram mais rígidas. “No primeiro EP inteiro, eram só riffs”, lembra Leonel. “Tem música que a gente já gravava e falava: ‘Não, não vamos gravar porque tem acordes'”.

A maturidade musical trouxe liberdade criativa. “Fazemos o que a gente quiser”, celebra Iuri. “Tem coisa puxada para o eletrônico, tem coisa que tem orquestra, tem várias coisas que já estão na gaveta e que vão trazer uma nova paleta”.

Cada integrante traz suas influências distintas: uns no pop e indie, outro com raízes no reggae e afrobeat e também classic rock e punk hardcore, mas também existe a admiração por gigantes do pop como Michael Jackson e Lady Gaga.

Sonhos e aspirações: do Caldeirão do Huck aos covers de piseiro

Quando perguntados sobre como gostariam de ser reconhecidos, as respostas revelam tanto ambição quanto humildade poética. “A maior banda do Brasil”, responde Leo sem hesitar, arrancando risos.

Iuri tem uma visão mais introspectiva: “Quero que enxerguem minha parte criativa, as ideias que eu desenvolvo dentro da minha cabeça, que tem milhares de vozes gritando. Que as pessoas se conectem com elas da forma que acharem melhor, porque a arte é mais de todos do que de quem faz”.

Moyses expressa o desejo de qualidade técnica: “Quero ouvir o disco do Iorigun e gostar tanto quanto eu gosto dos discos do Radiohead. Que o som da gente chegue lá”.

Um sonho inusitado da banda é ver suas músicas ganharem versões em outros gêneros. “O sonho é um cantor de piseiro fazer uma versão”, confessa um deles. “A gente fica imaginando uma parceria com João Gomes. Eu fico imitando ele cantando música nossa”. E claro, tem que sonhe com os grandes programas de TV e por que não o mundo?

A experiência do circuito: crescimento e conexões

A participação no Circuito Nova Música representa um marco para a banda. “É a primeira vez que a gente está fazendo. A primeira vez de qualquer coisa que a gente faz é sempre importante”, reflete Diego.

A experiência de tocar para públicos que não conhecem suas músicas trouxe aprendizados. “A gente tem ali um público fiel que sabe as músicas, que canta e pula”, explica Iuri sobre os shows em sua região. “Aqui é completamente diferente. Ninguém conhece teu som, a galera está querendo descobrir o que é aquilo ali”.

O futuro: sonhos tangíveis e intangíveis

O Iorigun segue navegando entre o sonho e a realidade prática. “O que mais desafia para a gente é porque não vivemos disso ainda”, admite Samara. “Quando não vive disso, tem que dar conta de outras coisas. O tempo que tem ali para se dedicar à banda é o que mais pega”.

Iuri trabalha como psicólogo, Moysés com design na segurança pública da Bahia, Leo com informática e Diego na parte técnica de áudio – profissões que, segundo eles, enriquecem o processo criativo da banda.

Para o futuro, carregam tanto ambições concretas quanto sonhos abstratos. “Eu quero fazer mais shows com as bandas que conhecemos aqui”, diz Diego sobre as conexões criadas no circuito. “Tem muito desse lado que não é tangível, do que a gente sente ainda”.

O Iorigun representa uma geração de artistas que, mesmo enfrentando as dificuldades estruturais de fazer música autoral no interior do Brasil, persiste com criatividade, colaboração e, principalmente, com a certeza de que suas “milhares de vozes gritando” merecem ser ouvidas muito além das fronteiras de Feira de Santana.


O Iorigun está disponível nas principais plataformas digitais e acabou de lançar o single “toda garota como eu =(=)”em parceria com Duquesa. A banda mantém agenda de shows atualizada em suas redes sociais.

+++LEIA MAIS: A viagem que uniu Dora Morelenbaum, Iorigun e Vera Fischer Era Clubber pelo interior de SP



Fonte: rollingstone.com.br

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