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PL do Licenciamento ambiental: devastação ou solução?


A aprovação do novo marco legal do licenciamento ambiental reforça a divisão em torno de temas ligados ao meio ambiente e ao desenvolvimento econômico no Brasil. Ambientalistas apelidaram a proposta de “PL da devastação” e afirmam que a aprovação representa o “maior retrocesso ambiental dos últimos 40 anos”. Para defensores da proposta, no entanto, a reação contrária à nova lei tem sido marcada por “generalizações, alarmismo e pouca substância técnica”.

O projeto de lei foi aprovado na Câmara dos Deputados, na madrugada de quinta-feira (17) após ter sido analisado pelo Senado. Agora, a proposta segue para sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O texto passou mais de duas décadas em debate no Congresso Nacional e fixa um marco legal que equilibra o desenvolvimento sustentável com previsibilidade e segurança jurídica nos processos de licenciamento ambiental.

Desde o início de sua tramitação, o projeto enfrentou críticas de ambientalistas. No começo de julho, o governo Lula, por meio de representantes dos órgãos ambientais da União, estados e municípios, emitiu posicionamento sobre a proposta destacando possíveis “riscos à estrutura federativa, instrumentos de controle ambiental e efetividade do licenciamento”.

Apesar do posicionamento, durante a sessão, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que o relator da proposta, deputado Zé Vitor (PL-MG), atendeu a cerca de 70% das demandas do governo. Segundo ele, houve negociação até o último momento e buscou-se construir uma convergência de um projeto bom para o país. O Ministério do Meio Ambiente não se manifestou sobre essa declaração ao ser procurado pela Gazeta do Povo.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), uma das principais articuladoras da aprovação da proposta, destacou que o projeto define com mais clareza as etapas do licenciamento, os tipos de licença, os estudos ambientais exigidos, os mecanismos de participação pública e os critérios para tomada de decisão.

“O licenciamento ambiental é um instrumento de gestão de risco. Quanto maior o potencial de impacto, mais rigorosos são os estudos exigidos. O que fizemos foi racionalizar esse regramento e torná-lo mais eficiente”, destacou o deputado Zé Vitor, integrante da FPA.

Apesar da aprovação, parlamentares ambientalistas já manifestaram que devem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reverter o resultado. As deputadas Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Duda Salabert (PDT-MG) sinalizaram que devem judicializar a questão. “Entrarei com uma ação judicial contra o PL da devastação! o texto aprovado no Congresso possui diversas inconstitucionalidades”, escreveu Duda Salabert em publicação no X.

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Principais pontos da proposta aprovada visam licenciamento eficiente e célere 

Entre as mudanças centrais previstas no novo marco legal sobre o licenciamento ambiental está a adoção de critérios proporcionais ao risco ambiental. A proposta estabelece que empreendimentos com alto potencial de impacto continuarão sujeitos a instrumentos rigorosos de avaliação, como o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). Já as atividades de baixo risco ambiental poderão ser submetidas a procedimentos simplificados, com menos exigências burocráticas e maior celeridade no licenciamento. 

Outro ponto relevante é a formalização, em âmbito nacional, da Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Essa modalidade permite que, nos casos previamente definidos em regulamentos, o empreendedor obtenha a licença mediante autodeclaração e cumprimento de requisitos técnicos e legais, sem necessidade de análise individual prévia pelo órgão ambiental. A LAC já é aplicada com sucesso em alguns estados e passa a ter previsão expressa na legislação federal. 

O projeto de lei também estabelece prazos máximos para que os órgãos ambientais se manifestem sobre os pedidos de licenciamento, medida que visa combater a morosidade nos processos e evitar paralisações indefinidas de empreendimentos por falta de decisão administrativa.

Além disso, o texto busca resolver um problema crônico do atual sistema: a disputa de competências entre União, estados e municípios. Com regras mais objetivas, a proposta pretende reduzir a judicialização e os conflitos sobre quem deve conduzir o licenciamento em cada caso. 

Por fim, o projeto mantém a exigência de manifestação técnica em casos que envolvam áreas ambientalmente e culturalmente sensíveis, como terras indígenas, comunidades quilombolas, unidades de conservação e patrimônios históricos e culturais. A intenção, segundo os defensores da proposição, é garantir que essas regiões continuem protegidas sob critérios técnicos, sem flexibilizações indevidas.

Analistas afirmam que alegações de “retrocesso ambiental” não têm base técnica 

Um manifesto contrário à proposta foi divulgado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. No texto, a entidade afirma que o projeto ignora “solenemente o estado de emergência climática em que a humanidade se encontra”. “Este PL representa o mais grave retrocesso ao sistema de proteção ambiental do país. Ele fragiliza as regras e mecanismos de análise, controle e fiscalização de empreendimentos e atividades potencialmente degradadoras”, diz um trecho do documento. 

Os signatários do manifesto consideram que a atual legislação garante proteção constitucional e não pode ser desestruturada. Para eles, o novo projeto ameaça desmontar o principal instrumento de controle ambiental no país. A legislação mencionada no manifesto é a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), que está em vigor desde 1981.

Nesse cenário, uma das críticas dos especialistas ouvidos pela reportagem aos que se opõem ao projeto é de que, além de vaga, a legislação vigente ignora o caos normativo atual, responsável por entraves, sobreposição de competências e judicializações que não só travam as obras, como também prejudicam o próprio meio ambiente ao impedir a regularização e o monitoramento adequado de atividades econômicas.

O pós-doutor em Direito Georges Humbert, que é presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades), pondera que a lei destacada no manifesto não é uma lei geral de licenciamento, e tem um único artigo sobre o tema. Para ele, os procedimentos atuais regulados por resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), sem respaldo direto do Congresso Nacional, comprometem sua legitimidade jurídica e democrática. “Assim, de logo, denota-se o caráter ideológico e negacionista desta sociedade que se diz pelo progresso da ciência”, criticou Humbert ao se referir à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

Atualmente, segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), aproximadamente 27 mil normas federais e estaduais regem o licenciamento ambiental no país, criando insegurança jurídica, paralisando projetos e afastando investidores.

Humbert destaca ainda que a nova lei vai legalizar o licenciamento. Para ele, o procedimento hoje é feito sem base legal, e está sujeito às subjetividades de cada gestor.

Na mesma linha defendida por Humbert, o deputado Marcel van Hatten (Novo-RS) defendeu que a legislação vigente está ultrapassada. “Lei que não se moderniza, degrada o meio ambiente”, disse. 

Em nota, o Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades) também rebateu as críticas ao projeto. “As pessoas que atacam o projeto e falam em retrocesso não conseguem dizer contra o que elas são. Falam que vai aumentar desmatamento, quando nada muda na autorização de supressão. Falam que todos vão se autolicenciar e mentir em relação aos impactos, quando isso não será possível, pois a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) tem diversos pré-requisitos. Enfim, uma gritaria sensacionalista sem qualquer fundamento”, diz a nota subscrita pela vice-presidente da entidade Samanta Pineda, advogada especialista em Direito Socioambiental.

PSOL cita tragédias para criticar marco do licenciamento ambiental; especialista vê avanços na nova lei

Em publicação nas redes sociais, a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) destacou que o projeto pode “normalizar crimes ambientais como os de Brumadinho e Mariana e agravar ainda mais a crise climática”. O argumento também foi utilizado por outros parlamentares, como a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).

Para Sâmia, a aprovação fará com que as tragédias se repitam em todo o país. “Estamos falando em rasgar qualquer análise técnica de estudo e impacto sobre o meio ambiente, sobre a saúde das pessoas e sobre a possibilidade de vida e futuro”, disse a deputada em plenário.

Para Humbert, no entanto, o atual modelo de licenciamento ambiental é frágil juridicamente e ineficaz para prevenir tragédias ambientais como Brumadinho e Mariana. “Lembremos que essas tragédias ocorreram sob a vigência das atuais normas, isto é, as famigeradas, ilegais, inconstitucionais e antidemocráticas resoluções Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente]”, opinou o presidente Ibrades.

Ele vê no novo marco um avanço frente à ausência de uma legislação federal consolidada, que até hoje foi suprida por resoluções infralegais do Conama e decisões esparsas do Judiciário.

Licença por Adesão e Compromisso: solução ou brecha? 

Um dos dispositivos do projeto de lei que gerou discussão é a criação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que permite a liberação de licenças com base em autodeclaração para atividades de médio impacto. De acordo com o texto aprovado, cada ente federativo definirá quais atividades de pequeno ou médio porte e baixo ou médio potencial poluidor poderão usar a LAC, cuja vigência será de 5 a 10 anos.

No manifesto formulado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, esse tipo de licença é visto como uma ameaça, uma vez que o procedimento não exigiria análise técnica prévia.

Por outro lado, Humbert destaca que modelos semelhantes já são utilizados com sucesso em estados como Bahia e Ceará. “Há legislações da Bahia e do Ceará, de brilhante autoria de governos do PT e alinhados, que criaram este procedimento com sucesso há mais de uma década, inclusive com reconhecimento de constitucionalidade e validade científica pelo STF”, aponta.



Fonte: Revista Oeste

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