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‘Paris, Texas’ é poesia da solidão melancólica e um dos mais belos filmes já feitos


Poucos filmes conseguem traduzir em imagens aquilo que muitas vezes escapa às palavras. Paris, Texas, de Wim Wenders (Asas do Desejo), é um desses raros casos. A história de Travis (Harry Dean Stanton, Lucky), um homem que ressurge do deserto em estado quase espectral, vai muito além de reencontros familiares: é um mergulho profundo no vazio, nas feridas e nos silêncios que moldam nossas vidas.

Wenders transforma a paisagem árida dos Estados Unidos em um espelho da alma de seu protagonista. Cada estrada interminável, cada motel esquecido e cada horizonte tingido pelo pôr do sol sugere não apenas deslocamento físico, mas uma travessia emocional. A solidão não é tratada como ausência, mas como presença constante — uma força que organiza a narrativa e dá sentido às pausas, aos olhares e aos espaços entre as palavras.

A relação entre Travis e seu filho, Hunter (Hunter Carson), funciona como um fio delicado que costura a narrativa. Nesse reencontro hesitante, marcado por gestos mínimos e conversas fragmentadas, o filme revela sua ternura escondida. Mais do que um drama familiar, Paris, Texas é uma reflexão sobre o que resta depois do desgaste dos afetos, sobre a dificuldade de habitar o silêncio sem se perder nele.

O ápice chega no célebre diálogo entre Travis e Jane (Nastassja Kinski, Tess), separados por um vidro, unidos por uma verdade tardia. Ali, a melancolia encontra sua forma mais pura: não há redenção completa, mas há beleza na confissão, no reconhecimento do fracasso e na possibilidade de deixar o outro seguir em paz.

Paris, Texas é cinema que respira devagar, que exige entrega ao tempo, ao vazio e à contemplação. Wim Wenders nos entrega um dos mais belos filmes já feitos e também nos lembra que há grandeza nos instantes em que aparentemente nada acontece, porque é ali que a vida pulsa de forma mais verdadeira. No fim, o filme prova, mais do que nunca — ainda mais com a nova versão remasterizada em 4K —, que existe poesia e beleza na solidão melancólica.

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Angelo Cordeiro é repórter do núcleo de cinema da Editora Perfil, que inclui CineBuzz, Rolling Stone Brasil e Contigo. Formado em Jornalismo pela Universidade São Judas, escreve sobre filmes desde 2014. Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Pisciano, mas não acredita em astrologia. São-paulino, pai de pet e cinéfilo obcecado por listas e rankings.



Fonte: rollingstone.com.br

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