Há quase um ano, venho dedicando uma quantidade incomum de espaço mental a duas figuras que, para ser honesto, antes mal ocupavam algum: Blake Lively e Justin Baldoni.
Como alguém que usa a internet e lê notícias (sou um unicórnio raro, eu sei), os detalhes da rixa em andamento entre os dois atores têm sido praticamente impossíveis de evitar. Desde que surgiram boatos de desentendimento entre eles, durante o lançamento do filme É Assim Que Acaba, pessoas no TikTok, tabloides e até no New York Times têm documentado obsessivamente cada novo detalhe do que agora se tornou uma disputa judicial extremamente confusa. Até Taylor Swift acabou envolvida no drama.
A reviravolta mais chocante aconteceu na segunda, 9, quando um juiz rejeitou um processo de US$ 400 milhões movido por Baldoni contra Lively e seu marido, Ryan Reynolds. Mas, em meio a tantas acusações e contra-acusações, é difícil acompanhar o que realmente está acontecendo — ou entender por que isso está ocupando tanto espaço na mídia.
Apesar da complexidade da saga, ela revela muito sobre os bastidores de Hollywood e a influência central que publicitários e advogados exercem na indústria. Talvez o mais interessante seja que ela nos faz refletir sobre como a imagem das celebridades é construída aos olhos do público — e também onde estamos quase oito anos após a explosão do movimento #MeToo.
Mas, para entender tudo isso, precisamos primeiro falar sobre Blake Lively…
É justo dizer que o fascínio do público por esse caso não seria o mesmo se não envolvesse Lively, de 37 anos, que há muito tempo ocupa um espaço importante na vida de mulheres Millennials (e de homens gays, como eu) graças aos seus papéis nos filmes Quatro Amigas e um Jeans Viajante e, claro, Gossip Girl. Por seu papel glamoroso e escandaloso na série da CW, Lively rapidamente virou alvo dos tabloides, que acompanharam avidamente seus relacionamentos com Penn Badgley e depois com Ryan Reynolds, com quem se casou (infamemente, em uma plantação) em 2012.
Mas seus projetos seguintes deixaram a desejar. Lively se tornou famosa principalmente por ser… Blake Lively: alta, magra, bonita e suspeitamente perfeita — uma espécie de santa padroeira da era do Instagram. Influenciada pela estética da Goop, lançou produtos e sites, mas seus projetos criativos pareciam banais e sem inspiração. Por volta de 2016, era mais conhecida por fazer parte do “Squad” de Taylor Swift, frequentar o Met Gala e pelas formas “relatáveis” como ela e Reynolds brincavam um com o outro nas redes sociais do que por qualquer filme ou série recente. (Eu diria que a única coisa realmente interessante que ela fez na última década foi Um Pequeno Favor, de 2018, quando parodiou ativamente sua imagem pública de “perfeita”).
Ou seja, boa parte da fama de Lively se construiu em torno de uma imagem pública cuidadosamente arquitetada — o que, ao que parece, é uma maneira perigosa de construir uma carreira em Hollywood, pois a deixa vulnerável a um público ávido por ver o que há por trás da fachada.
E isso nos leva a Justin Baldoni…
Antes de gesticula intensamente tudo isso, Baldoni, 41 anos, era mais conhecido por interpretar o galã em Jane the Virgin, série inspirada em novelas latinas da CW. Depois que a série acabou em 2019, ele passou a dirigir filmes melodramáticos — A Cinco Passos de Você (2019) e Clouds (2020), ambos com personagens lidando com o amor e doenças graves. Sua imagem pública começou a se moldar ao redor do discurso contra a masculinidade tóxica.
Em 2017, ele lançou um talk show online com esse tema, The Men’s Room, que depois virou livro e podcast. Mesmo assim, Baldoni sempre passou a impressão de estar tentando “um pouco demais” ser um #Aliado, como se fosse Nev Schulman declarando: “Este elevador é livre de abusos.” Assim como com Lively, as pessoas queriam saber se era tudo uma encenação.
E agora, a última peça do quebra-cabeça: É Assim Que Acaba…
Em 2019, a produtora de Baldoni, Wayfarer Studios, adquiriu os direitos de adaptação do best-seller de 2016 de Colleen Hoover. O livro já tinha vendido mais de um milhão de cópias e sido traduzido para 20 idiomas. Em 2021, ele viralizou no TikTok com vídeos emocionados de leitores chorando, o que o impulsionou para o topo da lista de mais vendidos do New York Times. Ou seja, era querido por muitos — e uma adaptação cinematográfica inevitavelmente atrairia atenção.
O filme conta a história da florista Lily Bloom (interpretada por Lively), seu relacionamento abusivo com o neurocirurgião Ryle Kincaid (Baldoni, que também dirigiu o filme) e sua reconexão com Atlas Corrigan (Brandon Sklenar), um ex-namorado da adolescência.
A produção só começou em 2023 e foi interrompida por meses por causa das greves do WGA e da SAG-AFTRA. O filme foi lançado em agosto de 2024, mas…
…os problemas começaram antes mesmo do filme estrear nos cinemas
A divulgação do filme foi, cientificamente falando, um desastre. No TikTok, usuários analisavam obsessivamente cada detalhe da turnê promocional, como se fossem o Charlie do meme de conspiração de It’s Always Sunny in Philadelphia. Por que Lively e Baldoni nunca apareciam juntos? Por que Baldoni seguia todos os colegas no Instagram, mas nenhum o seguia de volta? Por que Baldoni promovia o filme como um drama sobre violência doméstica, enquanto Lively parecia preferir focar na parte romântica e estética? E por que ela divulgava sua linha de bebidas alcoólicas e produtos de cabelo ao mesmo tempo?
No fim de semana de estreia, o drama era impossível de ignorar. Segundo fontes ouvidas pelo Hollywood Reporter, o conflito girava em torno de uma divisão na pós-produção, com dois cortes diferentes do filme surgindo.
Outro momento decisivo: no dia seguinte à estreia, a jornalista norueguesa Kjersti Flaa postou no YouTube um vídeo antigo intitulado “A entrevista com Blake Lively que me fez querer largar o jornalismo.” A entrevista de 2016, para divulgar Café Society, de Woody Allen, mostrava uma Lively grávida visivelmente incomodada com perguntas sobre sua “barriguinha” e os figurinos do filme. Flaa disse ao New York Times que a postagem foi coincidência, mas o vídeo alimentou a percepção de que Lively seria, secretamente, uma “Mean Girl” — bem quando sua rivalidade com Baldoni ganhava força.
Ainda assim, o filme foi um sucesso, arrecadando quase US$ 350 milhões — 14 vezes mais que seu orçamento de US$ 25 milhões.
A verdade é que tudo isso provavelmente teria sumido, se não fosse o que aconteceu a seguir
Tudo poderia ter terminado como o caos promocional de Não Se Preocupe, Querida (2022), se não fosse por uma reportagem bombástica do New York Times, publicada em dezembro. O jornal revelou que Baldoni havia contratado uma especialista em crise de imagem no verão, que prometeu “enterrar” a reputação de Lively, enquanto Lively entrou com uma queixa no Departamento de Direitos Civis da Califórnia, alegando assédio durante e após a produção. No processo — e depois em uma ação judicial —, Lively acusou Baldoni e o CEO da Wayfarer, James Heath, de assédio sexual e de conduzirem uma campanha difamatória contra ela, causando-lhe “profundo sofrimento emocional.”
Ela revelou que, antes da retomada das filmagens, forçou uma reunião em janeiro de 2024 para exigir medidas contra o “ambiente de trabalho hostil.” Reynolds também estava presente. As exigências sugeriam que os homens haviam feito comentários sexuais, mostrado pornografia, improvisado beijos, entrado em seu camarim enquanto ela estava sem roupa e conversado secretamente com seu personal trainer para fazê-la emagrecer. (Baldoni negou tudo, disse estar “em choque” e que só aceitou as exigências para que o filme pudesse continuar.)
Lively também afirmou que Baldoni usou publicitários e perfis falsos em redes sociais para manchar sua reputação. A repercussão das denúncias gerou apoio público a Lively. As colegas de Quatro Amigas — America Ferrera, Amber Tamblyn e Alexis Bledel — publicaram uma declaração em sua defesa. Colleen Hoover também apoiou Lively, dizendo que ela era “honesta, gentil, solidária e paciente.” Baldoni sofreu consequências: perdeu um prêmio de um grupo de empoderamento feminino e sua coapresentadora de podcast, Liz Plank, saiu do projeto.
De repente, a batalha passou da imprensa para o tribunal…
Assim que Lively iniciou sua ação, Baldoni respondeu com processos. Foram meses de acusações, contraprocessos e um processo de difamação contra o Times. Em janeiro, ele processou Lively, Reynolds e a publicista do casal por US$ 250 milhões, alegando que o jornal distorceu mensagens de texto para enganar os leitores.
“É ironia dolorosa que Blake Lively acuse Justin Baldoni de manipular a mídia quando sua própria equipe orquestrou esse ataque, enviando ao Times documentos grosseiramente editados antes mesmo de registrar a denúncia,” disse o advogado de Baldoni.
Segundo ele, Lively usou publicitários para encontrar um bode expiatório após a “catástrofe de imagem” na divulgação do filme. Baldoni chegou a criar um site para divulgar provas do caso, incluindo mensagens de texto e cenas brutas do filme.
Na versão de Baldoni, Lively é quem teria sido abusiva no set
Ele a acusou de tomar controle do filme, exigindo mudanças no figurino, roteiro e edição. Lively teria até criado sua própria versão do filme, que Baldoni nunca viu, mas que foi a lançada. Ela teria forçado o estúdio a lhe dar crédito como produtora, removido Baldoni dos pôsteres, convencido colegas e a autora a “isolá-lo.” Ele afirmou que só pôde ir à estreia com a condição de não cruzar com Lively.
Reynolds também saiu mal na história. Teria xingado Baldoni, tentado convencê-lo a ser abandonado por seus agentes e criado uma paródia do ator em Deadpool & Wolverine, morta por uma personagem dublada por Lively.
E então… Taylor Swift entrou na jogada
Baldoni alegou que Lively usou sua amizade com Swift para pressioná-lo a aceitar mudanças no roteiro. Em uma mensagem, Lively comparou Swift e Reynolds a seus “dragões,” chamando-se de Daenerys Targaryen. A equipe de Baldoni tentou intimar Swift para saber o que ela sabia, mas o juiz rejeitou o pedido.
Então, veio uma decisão chocante do juiz
Na segunda-feira, o juiz Lewis J. Liman rejeitou os processos de Baldoni contra Lively, Reynolds e o Times. Ele disse que Baldoni não conseguiu provar extorsão ou difamação. No entanto, o juiz permitiu que Baldoni reentrasse com uma ação por quebra de contrato.
Os advogados de Lively chamaram a decisão de “vitória total.” “Desde o início dissemos que esse processo de ‘US$ 400 milhões’ era uma farsa, e o tribunal viu isso com clareza,” disseram.
E agora estamos em um impasse curioso
O julgamento está previsto apenas para março de 2026, então ainda teremos meses de acusações de ambos os lados. Reynolds e Lively parecem cientes do escrutínio. No especial de 50 anos do Saturday Night Live, Reynolds brincou sobre os rumores: “Tudo ótimo. Por quê? O que você ouviu?!”
No fim das contas, em quem acreditar é uma questão de perspectiva
Há quem veja Baldoni como vítima. Outros defendem Lively e comparam sua situação à de Amber Heard, criticando a necessidade do público de uma “vítima perfeita.” Afinal, muitas das informações nos processos parecem escritas tanto para o juiz quanto para o público. “Predominantemente, são campanhas de relações públicas disfarçadas de ações judiciais,” disse o advogado Gregory Doll à Variety. “Mas os processos têm dentes.”
Acima de tudo, o caso mostra como a imagem das celebridades é falsificada
Se você já sentiu antipatia por uma celebridade sem saber por quê, essa disputa mostra o quanto nossa percepção é moldada por assessores. Às vezes, tentam nos fazer gostar do cliente. Outras vezes, desviam a atenção com ataques a terceiros — como Baldoni teria feito aqui com contas falsas.
E também serve como um termômetro para o #MeToo
Com Trump e Cuomo buscando reabilitação, o legado do #MeToo parece enfraquecido. O julgamento Depp-Heard abriu espaço para se duvidar de mulheres publicamente. E agora, vídeos no TikTok questionam o “narrativo” de Lively. “Não estamos mais na era do #MeToo. A ideia de ‘acreditar nas mulheres’ nunca se consolidou,” escreveu Doreen St. Félix no New Yorker. “O que importa é qual versão da história se encaixa melhor na política atual.”
No fim, todos nós somos como aquele meme do The Onion: “Yes… HA HA HA… YES!”
O público sempre vai amar uma treta suculenta entre celebridades. É tradição desde Bette Davis e Joan Crawford. Mas, como as imagens de ambos os lados eram tão cuidadosamente construídas, assistir a tudo ruir gerou uma boa dose de schadenfreude.
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Fonte: rollingstone.com.br