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O perigo de transformar Léo Lins em criminoso


Nunca estive entre aqueles que defendem a liberdade de expressão irrestrita. Ao contrário do que muitos imaginam, ela se consolida na democracia brasileira regulamentada para coexistir com outros direitos fundamentais. Do contrário, não existiriam os crimes de difamação, de calúnia e de injúria. Tampouco a incitação. Qualquer um poderia pregar o nazismo em praça pública. Em todos os esses casos, se estabelecem precedentes legais para “limitar” ou “restringir” o que muitos poderiam supor ser liberdade de expressão. Há quem deseje tomá-la como um conceito tão amplo e abrangente que sirva até para tornar criminosos inimputáveis. E é aqui que entra a pergunta: Léo Lins cometeu um crime ao fazer piadas num show de humor?

Ele foi condenado a 8 anos e 3 meses de prisão e a pagar uma multa de R$ 1,4 milhão por praticar o que uma juíza de São Paulo entendeu ser “racismo recreativo”. Segundo a magistrada, os conteúdos promovidos por Léo Lins “incentivam a propagação da violência vergal” e a “intolerância. Ela também escreveu que “a liberdade expressão não é um pretexto para o proferimento de comentários odiosos, preconceituosos e discriminatórios”.

Imaginar que uma piada induz a violência é tão estúpido quanto imaginar que um vilão de novela é propagador de comportamentos imorais ou que um jogo de videogame de tiro é ambiente de treino para ataques terroristas

Por trás de toda essa sinalização de virtude, dessa preocupação social, desse aceno aos sentimentos mais elevados, está uma visão deturpada e perigosa de mundo. Se opinião e crime são coisas distintas, é possível também dizer que uma piada não é, de forma alguma, uma opinião. O humor não é baseado nas crenças individuais de quem o pratica, e sim na incorporação dos estereótipos populares. Quando Léo Lins pisa no palco ou faz seu trabalho humorístico, ele não está dizendo o que pensa, e sim interpretando uma crença preconcebida pelo senso comum.

O que um ator faz numa peça teatral não difere do que um humorista faz num stand-up. A única diferença é que enquanto o primeiro adota um nome alternativo para exteriorizar o que seria um comportamento fictício, o humorista adota uma persona alheia, um conjunto de características exageradas exatamente para expressar percepções e maneirismos que estão presentes na sociedade. Se a interpretação de um humorista pode ser considerada crime, porque não a de um ator que eventualmente interpreta um criminoso?

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Imaginar que uma piada induz a violência é tão estúpido quanto imaginar que um vilão de novela é propagador de comportamentos imorais ou que um jogo de videogame de tiro é ambiente de treino para ataques terroristas. A decisão da juíza contra Léo Lins não combate o preconceito, apenas asfixia a sociedade em nome de um idealismo autoritário. Se Léo Lins pode ir preso por fazer piada com nordestinos, por que não pode o mesmo ocorrer com o elenco do Porta dos Fundos por debochar de cristãos?

Se a personificação de estereótipo é preconceito recreativo, então o humor se acabou. Em O nome da Rosa, Umberto Eco narra a história de um mosteiro em que livros proibidos eram envenenados para não serem lidos. De certa forma é o que ocorre aqui. Com a diferença de que, ao invés de veneno, o que temos são sentenças judiciais buscando impedir que as pessoas assistam interpretações artísticas.



Fonte: Revista Oeste

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