O Mr. Bungle realiza três shows no Brasil no próximo mês: em Curitiba (02/10 – Pedreira Paulo Leminski), São Paulo (04/10 – Allianz Parque) e Rio de Janeiro (05/10 – Circo Voador). Os dois primeiros serão como atração de abertura do Avenged Sevenfold. Os próprios membros do grupo introdutório reconhecem: a gigantesca maioria do público sequer os conhece.
E daí? Ao menos para os guitarristas Trey Spruance, membro original, e Scott Ian, famoso por ser membro fundador do Anthrax, isso faz parte da graça. “Sempre adorei o desafio de subir no palco e tocar para pessoas que não te conhecem, pois no fim do show, geralmente, ficam muito animados e vão atrás de te conhecer melhor”, conta Ian à Rolling Stone Brasil.
Além de Trey e Scott, compõem a formação os também originais Mike Patton (voz; consagrado pelo trabalho com o Faith No More) e Trevor Dunn (baixo), além de Dave Lombardo (bateria; popular mundialmente pelos anos com o Slayer). Ian e Lombardo se juntaram em 2019 ao grupo fundado em 1985, numa reunião que permanece surpreendentemente ativa desde então.
Iniciado como um projeto de death metal, o Mr. Bungle logo enveredou para o que se chama de “metal experimental”. Enfia todo tipo de som em seu caldeirão: de jazz a ska, de funk a hip hop e por aí vai. Só conseguiram contrato com gravadora após Patton ganhar notoriedade com o Faith No More. Lançaram três álbuns de estúdio, Mr. Bungle (1991), Disco Volante (1995) e California (1999), além da regravação da demo The Raging Wrath of the Easter Bunny (1986; 2020). Aliás, no formato demo, há mais três trabalhos: Bowel of Chiley (1987), Goddammit I Love America!!!$ɫ!! (1988) e OU818 (1989).
O sucesso comercial nunca veio, mas o legado é forte, pois o grupo influenciou praticamente toda a cena do chamado “metal alternativo” da década de 1990 — incluindo o nu metal. Nomes como Korn, System of a Down, Slipknot e… o próprio Avenged Sevenfold, que até regravou uma de suas canções, “Retrovertigo”. “Temos fãs hardcore que gostam de criticar tudo e eles acharam a versão ridícula, mas Trevor e eu ouvimos e pensamos: ‘este não é o pior cover que já ouvi’ — ficou bom, pois respeitaram a composição”, destaca Spruance.
Por isso, a expectativa é de que o público do A7X aprecie ou ao menos respeite o trabalho do Mr. Bungle em Curitiba e São Paulo. “Acho que os fãs do Avenged estão prontos e têm a mente aberta”, prevê Spruance. Já no Rio, a festa é só deles. Mas quando Scott e Trey são convidados a refletir sobre suas lembranças de Brasil, elas recaem sempre na capital paulista. Ian, primeiramente, chega a citar um show com o Anthrax, abrindo para o Iron Maiden, em 2016.
“Tocamos antes com o Mr. Bungle em São Paulo [no Knotfest Brasil 2022] e foi ótimo. Agora, com o Avenged, tocaremos no mesmo estádio [Allianz Parque] onde o Anthrax tocou com o Iron Maiden em 2016 — e aquele show foi um dos melhores que já fiz na vida.”
Scott, diga-se, chega a dar spoiler de uma possível participação especial em modo repeteco. No Knotfest, membros do Sepultura subiram ao palco para tocar, junto deles, uma versão de “Territory”. Ao menos o guitarrista Andreas Kisser, grande amigo do guitarrista do Anthrax, pode surgir novamente.
“Conversei com o Andreas há alguns dias e ele estará no Brasil quando tocamos lá. E ele está disponível.”
A reação de Spruance é curiosa:
“Oh, cara. Talvez devêssemos aprender uma música nova do Sepultura!”
O influente Mr. Bungle
Entrevistados separadamente para matéria de capa da já lançada edição de outubro/2025 da revista Rolling Stone Brasil, os cinco integrantes do Avenged Sevenfold fizeram elogios ao Mr. Bungle. “Eu deveria dizer que é tudo sobre ver os fãs, mas não posso mentir: ter os meus ídolos de infância do Mr. Bungle dividindo o palco conosco é o meu ponto alto desta viagem”, admite o guitarrista Synyster Gates. “É um sonho que se tornou realidade — e queremos apresentá-los para o nosso público”, complementa o vocalista M. Shadows.
Trey Spruance admite não fazer ideia de onde está a influência de sua banda no som do A7X e de vários outros grupos. “Parece um universo paralelo para mim. Talvez tenha sido interessante para algumas dessas bandas o fato de estarmos buscando algo completamente fora do metal, mas ainda não enxergamos essa influência toda”, pontua o integrante original. Scott Ian, que fez história com o Anthrax antes de se juntar ao Bungle, tira o corpo fora: “Sou fã do Mr. Bungle desde o início, mas nunca falei que era uma influência”.
Talvez o grande barato dessa inspiração seja a coragem. Se o álbum de estreia homônimo já era experimental, seu sucessor, Disco Volante, se aprofundou ainda mais nisso. E saiu por uma grande gravadora: a Warner. “É o álbum mais bizarro de todos os tempos e eu adoraria entregar um disco como esse para uma gravadora, para que reagissem tipo: ‘o que vamos fazer com isso, é uma piada?’”, explica Shadows.
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Quando é apresentado a esta possibilidade, Scott Ian vê sentido — e elogia a coragem do próprio Avenged, que também tem feito trabalhos mais experimentais e ousados.
“Eles são uma banda disposta a correr riscos. Bandas que estão em um certo nível têm medo de arriscar e fazer algo diferente, que esteja em seu coração, mas que não seja o mesmo de antes. Se uma parte de seus fãs não gostaram, quem se importa? Isso nunca deve ditar o que você faz como artista. O Anthrax perdeu muitos fãs quando lançou ‘Bring the Noise’ com o Public Enemy. Sabíamos que isso ia acontecer, mas não nos importamos, porque tínhamos que fazer.”
A reunião e a situação atual de Mike Patton
O senso de que o Mr. Bungle realmente exerceu alguma influência na história da música fez com que o grupo retomasse suas atividades em 2019, após um hiato de 19 anos? “Um pouco”, admite Trey Spruance, que elabora:
“Quando Lombardo, Trevor, Patton e eu estávamos todos na mesma sala e a ideia surgiu, demorou um pouco para criar raízes, como uma semente sendo plantada. Quando nos demos conta de que seria legal, pensamos em ter Scott Ian. Nos inspiramos na ideia do que poderíamos fazer com essas músicas antigas. Acho que não estávamos pensando muito sobre o nosso lugar no universo. Mas se você está convidando Dave Lombardo e Scott Ian para sua banda, você tem uma ideia muito boa de si.”
Desde seu retorno materializado no início de 2020 — e interrompido em função da pandemia —, o Bungle tem se mantido surpreendentemente ativo. Foram 20 shows em 2023 e outros 32 no ano passado. A agenda será mais curta em 2025, mas certamente está mais intensa que a do Faith No More. A banda principal de Mike Patton subiu num palco pela última vez em 2016. Sua turnê mais recente teve de ser cancelada após o cantor revelar um diagnóstico de agorafobia (medo ou ansiedade de estar em locais de difícil saída, geralmente grandes multidões).
Com o Mr. Bungle excursionando, ainda que em ritmo mais lento, está evidente que o transtorno de Patton não é mais o principal impeditivo. Ao ser perguntado a respeito da saúde do colega, Trey Spruance afirma:
“Mike está bem. Como você pode ver, temos feito shows o tempo todo aqui. Ele está melhorando, está saindo do buraco em que estava. Acho que ele está voltando. Não acho que isso vá, necessariamente, se traduzir em qualquer coisa. Temos que deixar a cargo dele o que ele vai fazer com sua visão musical. Ele tem muitas ideias, sabe? Faith No More é apenas uma pequena parte do seu grande mundo musical. É o mesmo com Mr. Bungle, sabe? Deixe a cargo dele.”
Disco Volante, 30 anos
Para o momento final da entrevista, Trey Spruance e Scott Ian relembraram o já mencionado Disco Volante, segundo — e provavelmente mais experimental — álbum de estúdio do Mr. Bungle que, em 1995, celebra 30 anos de lançamento. Ian, como destacado anteriormente, não participa do disco, mas pôde ouvi-lo (e muito) desde 1995.
Trey Spruance: “Foi o nosso primeiro projeto realmente experimental. Eu tinha um pequeno estúdio em casa e era o que tínhamos, com o orçamento da Warner Bros. Ainda assim, pensamos: ‘o céu é o limite’. Tentamos e conseguimos. Contratamos o engenheiro de gravação certo: Billy Anderson, que estava disposto a fazer qualquer loucura que quiséssemos. Superamos muitos obstáculos técnicos, foi uma loucura. Quando foi lançado, só pensei: ‘meu Deus, o que fizemos?’. Tipo: ‘isso vai sair por uma grande gravadora?’ Só pensamos nisso depois de entregar para a Warner.”
Scott Ian: “Lembro de ficar muito animado com o lançamento de um novo disco do Mr. Bungle. Era tão diferente do que veio antes. Esse é o disco dos anos 1990 ao qual eu mais recorro. Ainda o ouço uma ou duas vezes por mês até hoje. Quando pego para ouvir agora, até hoje descubro coisas que não ouvi em 1995. Há influências ali que não faço ideia de onde vieram. Completamente original. ‘Carry Stress in the Jaw’ é uma obra-prima do nível de qualquer coisa de Beethoven ou Mozart. ‘Desert Search for Techno Allah’ é a coisa mais pesada.”
Trey Spruance: “Importar-se com a opinião do público é como o fim de tudo em termos criativos. Nos anos 1990, na época de Disco Volante, estávamos em uma situação muito incerta com a gravadora. Tentávamos sair da situação com a Warner, que era boa, mas por algum motivo tentávamos sair. A incerteza gerou a ideia de: ‘não temos nada a perder’. Ganhamos muitos fãs com nosso primeiro álbum. Com Disco Volante, sabíamos que iríamos perder muitos. Mas apenas nos concentramos em quem realmente estava conosco: os fanáticos, os mais dedicados. Se você garantir que está seguindo sua inspiração, seus fãs sempre irão te acompanhar. Se você se preocupa com eles, aí você perde a inspiração. E acabou.”
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Fonte: rollingstone.com.br