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‘Metal Gear Solid Delta’ é um prato de videogame servido com sobras requentadas


Há um momento, várias horas depois de começar Metal Gear Solid Delta, em que, dependendo do seu nível de familiaridade e reverência pela franquia, você pode acabar se perguntando: “Qual é o objetivo disso?”

O remake da Konami do clássico de PS2 de Hideo Kojima, Metal Gear Solid 3: Snake Eater (2004), está certamente muito mais bonito, com um brilho gráfico que o coloca no padrão atual e com algumas melhorias no sistema que tornam a experiência mais fluida. Mas, no geral, é literalmente o mesmo jogo de duas décadas atrás — com todos os seus acertos e também todos os seus defeitos. E sim, mesmo que muita gente coloque o jogo em um pedestal, ele definitivamente tem suas falhas.

Num momento em que remakes de videogames são lançados em uma frequência vertiginosa, será que um revival quase 1:1 de Metal Gear Solid 3 era realmente necessário? Sim e não. Para a Konami — uma empresa que esteve praticamente sumida desde o suposto “canto do cisne” da franquia em 2015 —, o projeto representa uma chance de reintroduzir a marca após um hiato de dez anos desde Metal Gear Solid V. Afinal, há toda uma nova geração de jogadores que sequer conhece a série. Mas, ao contrário do remake de Silent Hill 2 de 2024 (também da Konami), Delta não muda fundamentalmente o jogo nem o faz parecer algo novo. Na verdade, ele soa especialmente datado — para o bem e para o mal.

O valor de Metal Gear Solid Delta depende muito de quanto você já ama o original (como muitos fãs) ou se há um certo prazer em entrar numa cápsula do tempo bizarra dos jogos dos anos 2000.

O que é Metal Gear Solid Delta: Snake Eater?

Basicamente, é um remake completo do jogo de 2004, criado originalmente por Hideo Kojima antes de sua saída da Konami para lançar sua própria franquia, Death Stranding. Fiel à visão original, Delta é um jogo de ação furtiva no qual os jogadores controlam o agente da FOX, Snake, em uma missão cinematográfica que combina pastiche de filmes de ação, novela dramática e até algo que lembra uma palestra filosófica no TED.

Ambientado em 1964, o enredo é cronologicamente o primeiro da série, acompanhando a ascensão de Snake ao status de lendário soldado/espião, antes de sua virada mais sombria e vilanesca no primeiro Metal Gear (1987). Nesse jogo mais antigo, ele passa a ser conhecido como Big Boss — nome que conquista aqui — e acaba enfrentando o protagonista original, Solid Snake, que mais tarde é revelado como seu clone. É uma longa novela, digamos assim.

Por se passar antes de a história da franquia se tornar extremamente complexa, Delta funciona como um bom ponto de entrada para novatos, ainda que parte do peso dramático de alguns personagens e reviravoltas só seja percebida por quem já conhece os eventos futuros. Pense nele como os prequels de Star Wars: até dá para criar apego ao Anakin Skywalker sem saber que ele se tornará Darth Vader, mas a história funciona muito melhor se você já souber.

Quando foi lançado, Metal Gear Solid 3 já era, por si só, um retorno às raízes da franquia, com foco em infiltração e sobrevivência na selva, remetendo ao primeiro jogo de 1987 e se inspirando fortemente em clássicos da cultura pop, como First Blood. Enquanto Metal Gear Solid (1998) e MGS2 (2001) apostavam mais em espionagem urbana e ficção científica influenciadas por cult movies como Fuga de Nova York, MGS3 mergulhou de cabeça na Guerra Fria com um tom propositalmente exagerado, evocando os filmes de James Bond — incluindo, claro, uma canção-tema de abertura.

O jogo é um Kojima total: um caos controlado que alterna entre conversas seríssimas sobre guerra e patriotismo e vilões caricatos capazes de atirar raios com as mãos ou se transformar em um enxame de abelhas. Essa mistura de sutilezas filosóficas com absurdos exagerados é parte do DNA da franquia e acompanha o trabalho de Kojima até hoje, inclusive em Death Stranding.

No entanto, tanto no original quanto em Delta, esse tom errático pode soar estranho para alguns. Um Snake nada carismático tenta seduzir uma agente dupla seminu, e, na cena seguinte, atravessa um rio etéreo cheio de almas. Ou você ama ou odeia essa abordagem — mas, para muitos, essa estética única e o gameplay tornam MGS3 possivelmente o melhor da série.

O que Delta traz de novo?

Pouca coisa! Quer dizer, não é bem assim: além do salto gráfico, que coloca os visuais na era do hi-def, há diversos ajustes sutis que tornam a experiência mais prática e menos engessada que a original. A maior novidade é um novo sistema de câmera que permite explorar os ambientes em tempo real e movimentar Snake com muito mais fluidez, agora com perspectiva por cima do ombro, ao contrário dos ângulos fixos antigos.

Outros detalhes incluem a adição de uma bússola para ajudar os jogadores a se orientarem na densa selva, cujas áreas são divididas em zonas menores, mas interligadas por diferentes caminhos e saídas. Além disso, tarefas que antes exigiam mergulhar em menus complexos — como trocar a camuflagem, curar ferimentos ou comer rações — agora podem ser feitas com atalhos rápidos, deixando o fluxo do jogo mais ágil.

O grande diferencial da proposta de sobrevivência de MGS3 era que tudo o que o jogador precisava fazer para enfrentar os perigos da selva tinha que ser feito dentro do jogo. Isso significava caçar comida (que pode caçar você de volta!), comê-la para recuperar a estamina e realizar atendimentos médicos no Snake — usando a combinação certa de ferramentas para remover balas, limpar e suturar ferimentos e aplicar curativos. Tudo isso está presente em Metal Gear Solid Delta, mas agora essas ações são mais rápidas de executar, o que é positivo, considerando que a estamina cai com frequência e pequenos ferimentos podem atrapalhar a ação.

Embora esses detalhes sejam novos, é fácil para todos, exceto os jogadores mais dedicados que revisitam MGS3 repetidamente, esquecer que o título original não oferecia essas conveniências. Ao entrar em Delta, a sensação inicial é de estar jogando exatamente o mesmo jogo — ou, pelo menos, como você se lembrava dele. Só quando o jogador ativa o “modo legado” — que reproduz fielmente a jogabilidade antiga — é que as melhorias realmente ficam claras. Para novatos, porém, as mudanças sutis podem passar despercebidas, especialmente porque a maior parte dos controles ainda parece arcaica e pouco intuitiva.

Metal Gear Solid Delta funciona?

Apesar dos retoques modernos, Delta sofre por se prender demais ao núcleo de jogabilidade de seu antecessor de 2004. Isso pode ser polêmico, mas, durante um evento de prévia da Konami no início do mês, repleto de jornalistas e criadores de conteúdo fãs do MGS3 original, a empolgação de jogar praticamente o mesmo jogo com pequenos ajustes era palpável. Alguns, em poucas horas, avançaram dois terços da campanha graças à memória muscular. Para outros, porém, isso gerou frustração.

Como muitos, amei MGS3 na época do lançamento, e ver várias das cenas, efeitos sonoros e detalhes de volta ativa uma nostalgia poderosa. Mas, depois das múltiplas cutscenes iniciais e das longas sequências de diálogos via Codec, fica difícil resistir à tentação de apertar o botão de “pular”. Apesar de muitas pessoas criticarem os jogos atuais por parecerem “filmes jogáveis”, é raro encontrar lançamentos recentes que interrompam tanto e por tanto tempo a ação.

Se você não conhece a história ou realmente quer revisitar horas de narrativa passiva, as cenas e os diálogos podem ser envolventes. A trama é um novelão exagerado e cartunesco, com direito a momentos de introspecção filosófica que não resistem bem à análise — mas ainda assim é divertido para uma primeira vez. No entanto, chega um ponto em que você só quer jogar, e Delta não facilita isso.

Estruturas, ambientes e limitações

Visualmente, os cenários são lindos, mas raramente parecem profundamente interconectados. Por conta das limitações técnicas da época, MGS3 e seus antecessores construíam mundos extensos que podiam ser revisitados, mas quebrados em blocos por telas de transição. Explorar áreas em busca de equipamentos, segredos ou um bom ponto de camuflagem muitas vezes acaba levando o jogador para fora dos limites, transportando-o para outra zona.

Depois de anos jogando títulos de mundo aberto com mapas gigantes, as restrições de exploração de Delta podem soar claustrofóbicas. Algumas áreas são literalmente corredores estreitos que ligam salas principais sem nada para descobrir, enquanto outras são segmentos de floresta que poderiam ser conectados organicamente se o jogo não insistisse em se comportar como um título de PS2.

Combate, chefes e frustrações

O combate também se mostra limitado. A franquia Metal Gear nunca foi referência em tiroteios ou lutas corpo a corpo, mas as restrições nos movimentos tornam a ação, por vezes, desgastante — mesmo com melhorias na mira em primeira e terceira pessoa. Para eliminar inimigos furtivamente, o jogador precisa engajar no CQC (close quarters combat), o sistema que permite estrangular, interrogar ou derrubar o oponente.

Ainda assim, o sistema continua truncado e pouco intuitivo. Uma vez que o jogador alerta um grupo de inimigos, alguns tiros ou socos já derrubam Snake no chão, colocando-o em uma luta constante para se levantar, enquanto continua sendo atingido. Muitas vezes, é mais rápido reiniciar do que tentar reagir ou encontrar cobertura.

As lutas contra chefes, tradicionalmente um dos pontos altos da série, também sofrem com problemas. Um dos aspectos mais elogiados de Metal Gear sempre foi sua criatividade em permitir que o jogador “quebre” o sistema. No primeiro Metal Gear Solid (1998), por exemplo, uma batalha icônica obrigava o jogador a trocar o controle para a porta 2 para enganar um inimigo que lia mentes. Em Delta, há elementos assim, mas nem sempre funcionam tão bem.

Um exemplo clássico é o sniper idoso que pode ser eliminado antes da luta principal em pontos específicos ou morto de causas naturais ao adiantar o relógio interno do jogo. São ideias criativas e divertidas, mas facilmente anuladas quando a solução mais eficiente é encher o inimigo de balas.

Apesar da inventividade, muitos desses confrontos quebram o ritmo da narrativa. A batalha contra o sniper, que deveria ser uma tensa experiência de sobrevivência, acaba se tornando um cansativo jogo de esconde-esconde entre múltiplas zonas. Outro exemplo é o encontro com um soldado espectral, que enche um rio com as almas dos inimigos mortos — uma ideia visualmente incrível, mas cuja execução se resume a uma lenta caminhada até o fim, deixando a experiência exaustiva.

Dando um passo atrás, pode-se dizer que o jogo é subversivo. Mas a subversão, quando ocorre às custas da agência do jogador ou da diversão, cria o tipo errado de atrito para uma experiência como essa. E, enquanto os veteranos sabem exatamente como “meta-jogar” e manipular os sistemas de Delta a seu favor, outros podem simplesmente concluir que não vale o tempo investido.

E é aí que está a verdadeira linha divisória. Para uma boa parte do público, Metal Gear Solid Delta vai acertar em cheio, servindo como uma agradável viagem pela memória para uma época em que essas ideias e mecânicas eram inovadoras, e não irritantes. Para novatos, pode ser fascinante ver um “globo de neve jogável” de como os games eram antes — ou então só vai fazê-los apreciar o quanto o meio evoluiu.

Para todo o resto, Delta levanta uma questão maior: como seria um novo jogo de Metal Gear feito do zero? Por enquanto, o que temos para degustar são sobras requentadas.

Metal Gear Solid Delta: Snake Eater será lançado em 28 de agosto para PS5, Xbox Series X|S e PC.

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Fonte: rollingstone.com.br

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