O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca consolidar uma coalizão de países progressistas, em articulação com o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez. Sob o pretexto de ser um esforço conjunto em defesa da democracia, o grupo atualmente formado por cinco países – Brasil, Chile, Uruguai, Colômbia e Espanha – deve receber pelo menos outros sete países a partir de setembro.
A união dos progressistas ocorre em meio ao anúncio de tarifaços do presidente americano Donald Trump e visa especialmente criar narrativas voltadas ao público interno dos países envolvidos, segundo analistas ouvidos pela reportagem.
O grupo se reuniu na segunda-feira (21), em Santiago no Chile. Sem se referir diretamente aos Estados Unidos ou a Trump, Lula criticou a “extrema direita” e a acusou de promover uma guerra cultural nas redes sociais e instrumentalizar o comércio internacional “como instrumento de coerção e chantagem”.
Também participaram da cúpula os líderes esquerdistas Gabriel Boric, presidente do Chile, Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha, Gustavo Petro, presidente da Colômbia e Yamandú Orsi, presidente do Uruguai.
O documento conjunto divulgado ao final do encontro no Chile lista entre as iniciativas acordadas pelo grupo uma “tributação progressiva e justa, bem como fortalecer a cooperação tributária internacional com base nos princípios de transparência, equidade e soberania”.
Segundo o cientista político e professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Elton Gomes, o movimento tem mais valor retórico e político-eleitoral do que efetivo peso diplomático. “Não é uma frente contra os Estados Unidos. Esses países não dispõem de recursos de poder em larga escala”, afirma Gomes. Segundo ele, a iniciativa visa essencialmente consolidar apoio interno para governos que enfrentam crises de popularidade, instabilidade institucional ou tensões diplomáticas com Washington.
O encontro no Chile é parte de uma estratégia de coordenação internacional, iniciada em 2024, por Lula e Sánchez com o objetivo de criar uma plataforma discursiva contra o que seus líderes consideram um avanço da “extrema-direita”.
As declarações de Lula, Boric, Petro e Orsi reforçaram a articulação de regulação das redes sociais, combate ao que chamam de extremismo e ações concretas para restaurar a confiança nas instituições. O primeiro encontro do grupo ocorreu em uma reunião paralela à ONU, em setembro de 2024. O grupo de líderes progressistas deve ser ampliado em setembro.
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Líder espanhol quer ofensiva contra a “internacional do ódio” da “ultradireita”
Em seu discurso, o espanhol Pedro Sánchez disse que “forças da ultradireita” estão se espalhando, destruindo direitos, promovendo desinformação e alimentando o autoritarismo. “Não podemos continuar só resistindo. É hora de ir à ofensiva”, afirmou o presidente da Espanha, que é do Partido Socialista Operário Espanhol.
Sánchez ressaltou ainda que, assim como existe uma “internacional do ódio” global, os países progressistas também devem se unir em um esforço internacional coordenado.
Diante das afirmações do presidente da Espanha, o professor e diplomata Paulo Roberto de Almeida ponderou não ser “conveniente que numa reunião em defesa da democracia distinga entre direita e esquerda”. “Tanto na esquerda quanto na direita você pode ter defensores da democracia e inimigos da democracia. Não é uma questão de direita ou esquerda. A democracia tem princípios, regras impessoais estabelecidas constitucionalmente em leis, em tratados internacionais”, afirmou o diplomata.
Líderes progressistas tentam emplacar discursos movidos por motivação doméstica e eleitoral
Na avaliação do cientista político e professor Elton Gomes, os discursos dos líderes progressistas são voltados para questões específicas de seus países, com ênfase para pleitos eleitorais. No caso do Brasil, o presidente Lula tenta reagir à deterioração das relações com os Estados Unidos, agravada desde a operação da Polícia Federal que envolveu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e impôs a ele, entre outras sanções, o uso de tornozeleira eletrônica. “Lula tenta manter sua base mobilizada, criando o que chamamos de um cercamento do eleitorado que garanta apoio mínimo para sua sobrevivência política”, explica o cientista político.
A estratégia é semelhante à adotada pelo presidente chileno Gabriel Boric, que também enfrenta um cenário adverso: sua sucessora não decola nas pesquisas, enquanto o candidato da direita lidera a disputa.
Na Espanha, o primeiro-ministro Pedro Sánchez, ameaçado por denúncias de corrupção e pela perda de sustentação parlamentar, enxergou na ofensiva diplomática um caminho para reverter o desgaste. “A Espanha não tem meios de exercer pressão sobre os EUA. A manobra serve para reforçar sua base em um sistema parlamentarista em que a governabilidade depende diretamente da maioria legislativa”, pontua Gomes.
Ampliação do grupo progressista não deve aumentar poder de negociação
Apesar da expectativa de ampliação da coalizão, o grupo não deve conseguir aumentar seu poder de negociação, já que há limites de articulação nos países que devem passar a integrá-lo. O cientista político Elton Gomes afirma que países como México e Canadá, ainda que sob governos progressistas, mantêm laços profundamente enraizados com a economia norte-americana. “O México está integrado ao mercado dos Estados Unidos e precisa manter boas relações, especialmente no tema da imigração. Já o Canadá, mesmo sob críticas de Trump, reforçou sua cooperação em temas sensíveis como o combate ao fentanil [droga sintética]”, avalia.
Na Europa, a entrada da Dinamarca no grupo levanta dúvidas. “É um país que, mesmo após ser alvo de ameaças dos EUA durante o governo Trump, como a ideia de anexar a Groenlândia, preferiu negociar. Isso mostra que mesmo em conflitos simbólicos, o pragmatismo prevalece”, destaca o professor.
Para Gomes, o fator comum entre os países efetivamente engajados na iniciativa é a busca por ganhos simbólicos e políticos em nível doméstico. “A coalizão é uma plataforma para projeção de imagem e alinhamento ideológico, mas não representa uma ameaça geopolítica real. Os grandes atores internacionais, como China, Rússia e Índia, mantêm prudência e preferem negociar com os EUA — por reconhecerem sua centralidade militar, econômica e tecnológica”, disse.
A ausência de apoio do bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Indonésia e Irã) à postura brasileira reforça essa percepção. “Nenhum país do bloco veio em socorro ao Brasil nessa crise. Mesmo a China, com todo seu poder, está revendo sua política comercial para reaproximar-se dos Estados Unidos”, lembra Gomes.
“A reunião no Chile rendeu boas fotos e manchetes, mas está longe de alterar o equilíbrio global. Trata-se, sobretudo, de uma ação voltada à política interna de seus signatários”, afirmou o analista.
Fonte: Revista Oeste