PUBLICIDADE

Fresno fala à RS sobre I Wanna Be Tour, movimento emo e nostalgia só até certo ponto


Nem mesmo no período de auge do movimento emo/hardcore melódico, nos anos 2000, havia um evento com porte de estádio totalmente focado nesse tipo de som no Brasil. Antes tarde do que nunca: a I Wanna Be Tour, uma turnê em formato de festival, chega à sua segunda edição em 2025, com uma data na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba, realizada no último fim de semana, e outra no Allianz Parque, em São Paulo, marcada para este sábado, 30. E apenas uma banda tocou nos dois anos: Fresno, talvez o nome mais representativo desse segmento em âmbito nacional. Quase um sinônimo de “emo”, palavra que há tempos deixou de soar pejorativa.

O grupo formado por Lucas Silveira (voz e guitarra), Gustavo Mantovani (guitarra) e Thiago Guerra (bateria) reconhece estar ficando mal acostumado com “showzões”. Em Curitiba, tocaram para cerca de 20 mil pessoas em posição favorecida no lineup, mais à noite, diferentemente de 2024, quando abriram a programação. À Rolling Stone Brasil, Lucas reflete:

“Em Curitiba pude sentir a diferença do que é um público de 7 a 10 mil — que já é maluco, ensurdecedor — para um público de 20 mil. Lá, parecia que o número de pessoas não tinha fim, não apenas assistindo como participando. […] E o que vamos viver neste sábado [em São Paulo, para um público estimado entre 40 mil e 50 mil pessoas], nós nunca vivemos.”

Na Pedreira, a Fresno tocou pouco mais de 10 músicas em um set de uma hora, antes apenas das atrações principais Fall Out Boy, Good Charlotte e Yellowcard. Hits de outros momentos como “Quebre as Correntes” e “Desde Quando Você se Foi” marcaram presença, mas canções mais recentes a exemplo de “Casa Assombrada” e “Eu Nunca Fui Embora” — faixa-título do álbum mais recente, de 2024 — também foram tocadas. Na visão de Lucas, era necessário equilibrar passado e presente na montagem do repertório — que, sim, pode mudar para o show no Allianz:

“Pensamos no tamanho do público da I Wanna Be Tour e na expectativa dessas pessoas. Muitos ali não ficaram indo a shows da Fresno nos últimos 10 anos e esperam algo saudosista. Ainda assim, também trazemos coisas atuais e que dialogam com isso. Temos a particularidade de nossos fãs realmente ouvirem nossos trabalhos recentes. O álbum Eu Nunca Fui Embora deve estar próximo de 20 milhões de streams.”

Empolgado com a “fome” da plateia da Fresno por novidades para além da nostalgia, Vavo complementa:

“Não vejo isso em outra banda: os fãs da Fresno querem que a banda lance novos álbuns e toque todas as músicas do disco novo na turnê de lançamento. Ficam furiosos se pular uma música.”

Fresno na I Wanna Be Tour – Curitiba – Foto: Henrique Augusto / @bmaisca

Para o trio, diga-se, é interessante observar como as demais atrações do lineup também não pararam no tempo. A maioria das bandas escaladas para a I Wanna Be Tour 2025 continuou a trabalhar mesmo na década passada, período em que o movimento emo “esfriou” em termos de popularidade. Silveira comenta, citando o grande headliner da turnê:

“Fall Out Boy, por exemplo, nunca parou e continuou lançando discos quando as pessoas não estavam mais falando de emo nem de Fall Out Boy. Tocar músicas desse período serve para brindar os fãs que se mantiveram ali todo esse tempo.”

Emo em grandes palcos: só nostalgia?

Por que, no fim das contas, uma iniciativa como a I Wanna Be Tour não existia no apogeu do movimento emo? É apenas fruto de um comportamento nostálgico do público? Não há resposta certa para esta pergunta, mas a Fresno, com conhecimento de causa, apresenta suas teorias.

Lucas Silveira reconhece que “o emo era visto com certa descrença” no período de sua maior popularidade. Ele pontua:

“Havia uma avalanche de bandas surgidas à revelia de grandes gravadoras. Nenhuma delas nasceu numa grande gravadora: todas elas, em algum momento, haviam estourado no underground e viraram algo muito grande por força do próprio trabalho. Porém, na época, por ter sido a primeira geração de bandas que surgiu para quem não estava acompanhando, foi ‘do nada’ e foi visto com muita descrença — a ponto de, na época, não terem tido eventos desse tamanho quando era ainda mais favorável. Com o dólar a R$ 1,70 em 2011, traríamos cinquenta bandas internacionais dessas aí e não dez. [Risos]”

Por outro lado, a onda nostálgica de agora ocorre porque, também de acordo com o vocalista e guitarrista, “o emo envelheceu muito bem e se mostrou longevo”. Façanhas como ocupar um estádio do porte do Allianz Parque ocorreram até com shows individuais fora do contexto de festival, a exemplo de NX Zero (duas datas em 2023) e Forfun (em 2024 — grupo também escalado para a I Wanna Be Tour).

“Não é qualquer coisa de muito sucesso em 2004 que vai encher o Allianz. Há algo muito forte ali. Enxergamos isso de outra forma porque atravessamos todo o momento em que esse revival não estava acontecendo. Atravessamos toda a fase da ‘ressaca’ da exposição e dos sucessos. Para nós é ainda mais valioso.”

Ao mesmo tempo, a Fresno não quer se apoiar somente na nostalgia — pois sabe que, uma hora, isso acaba. Daqui a pouco outro revival pode tomar os holofotes. Lucas crava que “uma hora as pessoas vão se cansar de ficar só comemorando aniversário de discos”. Entra, aí, uma observação de Thiago Guerra: “foi muito legal o revival acontecer no momento em que a Fresno está”, vindo de álbuns elogiados como Sua Alegria Foi Cancelada (2019) e Vou Ter Que Me Virar (2021). Silveira elabora:

“Um amigo disse: quando ocorrem esses momentos de exposição que não são causados por você, mas que fazem as pessoas olharem para você… a única coisa ao seu controle é fazer com que você esteja bem no momento em que as pessoas te olham. Nesse momento do revival, uma pessoa em casa pesquisa: ‘que fim teve aquela banda tal?’. Se essa pessoa vê que a banda não lança disco há 8 anos, está com fotos péssimas, etc, é um sinal de que a banda não está cuidando bem da carreira. Então, fazemos o nosso. Temos nosso público, mas sabemos que às vezes somos levados a mais pessoas. Quando isso acontece, temos que estar com nossa agenda de shows, lançando álbum.”

A banda Fresno
A banda Fresno – Foto: Camila Cornelsen

A força do emo BR

O movimento emo foi uma febre global, mas poucos países abraçaram tanto o subgênero como o Brasil. Não à toa, houve e ainda há enorme oferta de artistas e bandas praticantes ou influenciadas pelo estilo por aqui. Tanto na I Wanna Be Tour deste ano quanto na anterior, “os gringos até assustaram” quando viram os grupos nacionais e a adesão do público local a eles, segundo Thiago Guerra.

A explicação para tamanha força em território nacional, segundo Lucas Silveira, está em algo que pode parecer trivial, mas não é: letras em português. Ele diz:

“O emo brasileiro canta em português. As poucas bandas de metal ou de hard rock que se atreveram a cantar em português foram muito execradas por conta de um pensamento da época. Se pegar a geração imediatamente antes da Fresno, que é a do Hateen do ‘velho testamento’, Dance of Days, entre outras bandas, era em inglês. O pensamento era: ‘faço parte de uma cena mundial de bandas que cantam em inglês’. Já nós pegamos esse momento em que a internet estava mais disponível e havia bandas meio parecidas em português, como o CPM 22. Já havia para onde olhar. Para nós foi muito óbvio.”

O vocalista e guitarrista admite ter feito até uma pesquisa curiosa: como era a cena de outros países no período do “boom” do movimento emo nos Estados Unidos, principal mercado fonográfico mundial? A resposta encontrada vai ao encontro de sua reflexão.

“Quando você fala o idioma das pessoas, há uma identificação até mais profunda. Quando o emo estourou no Brasil, em outros países como México, Portugal e Argentina as bandas ainda cantavam em inglês. Havia pouco dessa identificação local. Só de cantarmos em português, abre um leque muito grande, até de sonoridade.”


+++ LEIA MAIS: Esteban Tavares revisita ‘Saca la Muerte de tu Vida’ com show forte em SP; veja como foi
+++ LEIA MAIS: Deftones fala à RS sobre ‘Private Music’, momento atual, Brasil e ‘Eros’
+++ LEIA MAIS: P.O.D.: Sonny Sandoval fala à RS sobre single com argentino, Brasil e carreira
+++ LEIA MAIS: Outras entrevistas conduzidas pelo jornalista Igor Miranda para a Rolling Stone Brasil

+++ Siga a Rolling Stone Brasil @rollingstonebrasil no Instagram
+++ Siga o jornalista Igor Miranda @igormirandasite no Instagram

Veja também:





Fonte: rollingstone.com.br

Leia mais

PUBLICIDADE