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Eros propõe estudo antropológico na maior instituição de sexo do país


Ir ao motel é uma experiência que grande parte dos brasileiros já teve ou pensa em ter. Parte da estética das grandes e pequenas cidades, os motéis, com suas placas em neon e luzes piscantes, são lugares quase místicos. Para alguns, são proibidos ou, até mesmo, profano. Eles também são tema de estudo do documentário Eros, que chega aos cinemas a partir desta quinta-feira, dia 12 de junho, quando também é comemorado o Dia dos Namorados. Simbólico, não é mesmo?

No filme, a diretora Rachel Daisy Ellis transforma esse ícone do cotidiano urbano em um dispositivo de análise social, cultural e emocional, revelando o motel não apenas como cenário de sexo, mas como espaço de encontros e, sobretudo, de discursos. Nas palavras da própria diretora, o motel é “a maior instituição de sexo do país”, um local com forte carga simbólica e social. A ideia de que ele seja uma “instituição de massa”, com diversas camadas, é o ponto de partida para esse experimento documental, que se ancora na colaboração de diferentes casais — e indivíduos — para documentar, com seus próprios celulares, uma noite nesse ambiente.

O recurso de colocar a câmera nas mãos dos próprios participantes pode até não ser novo, mas Eros se reinventa ao confiar neles a condução de suas próprias narrativas. São os personagens que decidem quando e como se filmar, escolhendo os ângulos, os momentos de intimidade que desejam compartilhar ou preservar. À diretora cabe apenas editar o que estará ou não no corte final, baseada no material recebido pelos casais. Essa autonomia confere ao filme uma camada de autenticidade curiosa, mesmo quando a presença da câmera se mistura ao impulso de performar. O que se vê é um jogo entre espontaneidade e encenação, entre confissão e espetáculo íntimo.

A sensação de que os participantes estão “interpretando eles mesmos” é inevitável. Afinal, todos sabem que estão sendo filmados. Ainda assim, esse jogo entre autenticidade e performance se torna parte do próprio discurso do filme. A artificialidade dos motéis, com suas luzes vermelhas, espelhos no teto, cardápios, banheiras, piscinas e até cascatas — e, em certos quartos, correntes de estética sadomasoquista e até uma persiana divisória com o cômodo vizinho —, encontra eco nos pequenos exageros das falas, nos gestos pensados, nas pausas calculadas. A mise-en-scène do afeto é tão importante quanto sua sinceridade. E é nesse território ambíguo, entre o que é e o que se quer parecer ser, que o documentário se fortalece.

Chama atenção também como até os fetiches, os quais são muitas vezes marginalizados ou reprimidos, encontram espaço legítimo em Eros. Um casal adepto do swing fala abertamente de sua fantasia de interação com o casal da suíte ao lado, afirmando: “A gente vem pro motel pra ver. Se não quiser ser visto, transa em casa.

Há ainda casais que exploram dinâmicas de sadomasoquismo ou até mesmo fantasias eróticas religiosas, tudo com naturalidade, sem filtros ou julgamentos. O motel, nesse sentido, aparece como território de libertação: o que a sociedade rejeita, ali encontra abrigo. E, como espectadores, também não somos chamados a julgar, apenas convidados a olhar.

Importante notar que os casais retratados em Eros contrariam a normatividade tradicional ao exibir suas diversas formas de relação, desejo e expressão afetiva. São casais LGBTQIAPN+, evangélicos, trios, solteiros e muitas outras configurações que rompem com o padrão hegemônico, demonstrando que o motel é espaço plural e multifacetado, capaz de acolher as mais variadas experiências humanas.

Além dessa diversidade de casais, Eros se destaca por fugir de um olhar puramente sexual. O sexo está presente, mas não é o centro. Há refeições, leituras, confissões, conversas atravessadas por angústias, alegrias e até mesmo religiosidade e fé. A montagem favorece essa pluralidade, costurando os recortes como se cada suíte de motel fosse uma janela para um microcosmo afetivo e social. A diretora consegue fazer do lugar-comum um campo de escuta, revelando que o desejo pode ser tanto pulsão quanto pausa.

Afinal, Eros pode ser compreendido como um verdadeiro estudo antropológico sobre a vida íntima e sexual dos brasileiros dentro do motel. Assim como a antropologia investiga culturas, hábitos e comportamentos humanos para compreendê-los em seus contextos sociais, o filme se dedica a observar, escutar e dar voz às diversas formas de desejo, relações e práticas que se desenrolam nesse espaço social único. Essa abordagem amplia a experiência documental para além do mero registro audiovisual, oferecendo uma reflexão profunda sobre normas, tabus e libertações que atravessam a intimidade.

No fim, o documentário de Rachel Daisy Ellis não pretende decifrar o Brasil por meio dos motéis, mas usá-los como chave para entrar em conversas que raramente ganham espaço fora da intimidade. Eros é, sobretudo, um retrato coletivo que, ao contrário do que o título possa sugerir, está menos interessado no erotismo explícito e mais na complexidade humana por trás do desejo. Um filme que propõe menos respostas e mais escutas, fazendo do quarto de motel um confessionário caleidoscópico do afeto brasileiro.

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Fonte: rollingstone.com.br

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