Spike Lee (Infiltrado na Klan) tem uma relação desafiadora com adaptações de clássicos orientais. Sua versão americana de Oldboy (2013) não conseguiu capturar toda a intensidade do thriller sul-coreano de Park Chan-wook. Agora, em Luta de Classes, o diretor reimagina Akira Kurosawa (Ran) e finalmente parece ter encontrado o equilíbrio: ele pega os materiais originais — o longa Céu e Inferno (1963) e o romance King’s Ransom, de Ed McBain — e imprime sua própria visão urbana da história, criando um thriller de gênero que só poderia ter saído de sua mente.
A história acompanha David King (Denzel Washington, Gladiador 2), um magnata da música em Nova York, que enfrenta o dilema moral de pagar um resgate quando o filho de seu motorista é sequestrado por engano. Lee transfere o núcleo do clássico japonês para as ruas da cidade de Nova York, transformando cada esquina, estação de metrô e bairro em parte da narrativa. A tensão não está apenas no resgate, mas também na desigualdade social e na hierarquia que permeia tanto a elite quanto as comunidades unidas que cercam King.
As relações de poder dentro dessas comunidades formam o coração pulsante do filme. Mesmo em ambientes marcados por laços de solidariedade e pertencimento, existem regras que definem quem decide e quem deve obedecer. Spike Lee explora com precisão como desigualdade social, hierarquia e expectativas culturais influenciam cada escolha e cada gesto dos personagens, mostrando que a união aparente não elimina a tensão entre interesses individuais e coletivos. Ao inserir essa análise em um thriller urbano, o diretor reafirma seu olhar atento sobre a vida negra na América, revelando que o poder é sempre relativo e que as estruturas sociais moldam, limitam e até mesmo protegem aqueles que nelas estão inseridos.
Denzel Washington conduz a narrativa com uma presença magnética e inabalável, tornando-se o eixo em torno do qual o filme gira. Diferente de Toshiro Mifune no original, cujo personagem era dilacerado por conflitos morais, seu David King age com convicção e firmeza, movido por fé e segurança em si mesmo, alheio às opiniões ou julgamentos alheios. A interpretação de Denzel combina autoridade natural, gestos intensos e uma energia que só ele poderia trazer, imprimindo ao personagem nuances de sua própria persona. Essa força não apenas sustenta a credibilidade do filme, mesmo em cenas mais exageradas ou cômicas, como também transforma King em um personagem memorável, capaz de equilibrar drama, tensão e carisma em cada cena.
Spike Lee se diverte imprimindo sua marca pessoal na narrativa, americanizando e colorindo o thriller com elementos da cultura de Nova York. O basquete aparece como referência constante — com provocações aos Celtics e menções ao time local —, enquanto a presença de Rosie Perez, sua parceira de Faça a Coisa Certa, e a eletrizante performance de Eddie Palmieri transformam uma cena de resgate em um verdadeiro espetáculo musical. Ao entrelaçar cidade, música e cultura pop, Lee dá à metrópole vida própria, tornando o filme não apenas tenso e envolvente, mas também vibrante, moderno e inconfundivelmente seu.
Tecnicamente, a trilha sonora sustenta o ritmo do filme, mesmo que em alguns momentos se sobreponha a diálogos importantes, reforçando a intensidade das cenas e a urgência das escolhas dos personagens. O clímax emocional chega com a canção final, “Highest 2 Lowest“, que dá nome ao filme no original e ressoa com os temas centrais de poder, ética e família, encerrando o filme com uma sensação de celebração e reflexão.
Em suma, Luta de Classes não é apenas uma releitura de Kurosawa: é um thriller urbano completo, carregado de humor, crítica social e estilo autoral. Spike Lee mostra como é possível respeitar o material original e, ao mesmo tempo, transformá-lo, imprimindo sua visão de cidade e cultura nova-iorquina, criando uma obra contemporânea ao seu estilo.
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Fonte: rollingstone.com.br