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Denúncias contra deputados têm poucas chances de punição


Parlamentares da oposição e especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que as denúncias contra deputados envolvidos na ocupação dos plenários da Câmara e do Senado para obstrução física de votações têm poucas chances de resultar em punições graves e efetivas, mas os processos podem se arrastar por meses.

Apesar da pressão da base governista por “sanções exemplares”, o corregedor da Câmara, Diego Coronel (PSD-BA), tem sinalizado que os processos serão analisados caso a caso em procedimentos que podem se estender, reduzindo o impacto imediato político das medidas.

O corregedor teve um prazo de 48 horas, a partir da comunicação oficial, para emitir um parecer sobre os pedidos de suspensão de mandato por até seis meses. Ele expira nesta quarta-feira (13), mas Coronel pode pedir ampliação de data.

Se aceitar as solicitações, o corregedor deve encaminhar o caso à Mesa Diretora, que por sua vez repassa ao Conselho de Ética para decisão final. A Gazeta do Povo tentou contato com o deputado corregedor, mas até a publicação da reportagem não obteve retorno.

Para o doutor em Direito Constitucional Alessandro Chioratino, a ocupação simbólica da Mesa da Câmara dos Deputados não justifica medidas severas como a suspensão de mandatos por até seis meses. “Certamente é um exagero. Não houve violência. Foi um ato demonstrativo de inconformismo, nada além disso”, avalia.

A mobilização de deputados de oposição ocorreu no último dia 5 após mais uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que o levou à prisão domiciliar. Deputados do PL lideraram o ato e foram denunciados pelo PT, PSB e PSOL.

Sem acordo para retomar as sessões, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),ameaçou aplicar suspensão de mandato com duração de até seis meses para quem mantivesse a obstrução. A Polícia Legislativa reforçou a segurança, mas Motta só conseguiu chegar à cadeira da presidência só duas horas depois de chegar à Câmara.

Ainda na sexta, Motta oficializou as denúncias contra os deputados após analisar imagens da ocupação da Mesa no plenário e decidiu atender pedidos de deputados governistas de mandar o caso para o corregedor. Alessandro Chioratino considera que o episódio pode resultar em advertência ou algum tipo de censura, mas não em penalidades como suspensão de mandatos.

Segundo o especialista, a ação não configura quebra de decoro parlamentar, que, para ser caracterizada, exige conduta de maior gravidade. “Mesmo não sendo a forma usual de manifestação dos deputados, não houve violência e não se trata de algo que justifique a cassação ou suspensão prolongada. Não é quebra de decoro”.

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Denúncia pede punição a 14 deputados: de advertência à suspensão e cassação do mandato

Na sexta-feira (8), a Mesa Diretora da Câmara encaminhou à Corregedoria os pedidos de apuração contra 14 parlamentares. Entre os citados estão: Sóstenes Cavalcante (PL-RJ); Nikolas Ferreira (PL-MG); Zucco (PL-RS); Bia Kicis (PL-DF); Allan Garcês (PP-MA); Pr. Marco Feliciano (PL-SP); Domingos Sávio (PL-MG); Marcel Van Hatten (Novo-RS); Julia Zanatta (PL-SC); Marcos Pollon (PL-MS); Zé Trovão (PL-SC); Carlos Jordy (PL-RJ); Carol De Toni (PL-SC) e Paulo Bilynskyj (PL-SP). Todos são integrantes da oposição.

O deputado Alberto Fraga (PF-DF) defendeu os colegas em discurso no plenário na terça-feira (12) e disse ser injusto que os 14 sejam punidos. Ele disse que também participou do protesto, embora antes da chegada de Motta, e exigiu que seu nome também fosse colocado na lista.

As penalidades previstas no Código de Ética variam de censura verbal ou escrita à perda definitiva do mandato, passando por suspensão temporária do exercício parlamentar por até seis meses.

Chioratino acredita que, passado o momento de tensão, não haverá punições severas e que a situação deve ser resolvida internamente, preservando o direito de manifestação dos parlamentares dentro dos limites regimentais.

Para o doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e comentarista político Luiz Augusto Módolo, a ação dos deputados ao ocupar a Mesa não configura um ato grave a ponto de justificar suspensões prolongadas ou cassações. “Não é o exagero de interromper funcionamento de poderes ou crime grave como se tem dito”, afirmou.

Módolo critica a proposta de Hugo Motta, de suspender mandatos por meses, mas lamentou que parte de líderes da direita tenha utilizado métodos que, segundo ele, são historicamente articulados pela esquerda para obstruir os trabalhos. Ele defende que a obstrução deveria ocorrer dentro das regras regimentais, como o uso extensivo da palavra ou outros mecanismos previstos no Regimento da Casa.

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O que prevê o Regimento Interno

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados não menciona de forma literal a “ocupação física da Mesa Diretora”, apesar de estabelecer regras para manter a ordem e o funcionamento regular das sessões da Câmara. “Quando parlamentares ocupam a Mesa ou impedem fisicamente a condução dos trabalhos, esse tipo de conduta pode ser enquadrado como uma violação e é passível de sanções, mas não punições severas porque não configuram crimes graves”, descreve o doutor em direito penal Márcio Nunes.

O artigo 73 do Regimento Interno prevê que o presidente da Câmara pode interromper a sessão em casos de tumulto grave ou sempre que for necessário para garantir a liberdade e a dignidade da Casa. Já o artigo 75 dá ao presidente o poder de manter a ordem no plenário, inclusive solicitando o uso da força policial legislativa, caso seja necessário para conter desordens. Além disso, o artigo 287 classifica como atos atentatórios ao decoro parlamentar práticas como abuso das prerrogativas constitucionais e irregularidades graves no desempenho do mandato, o que pode incluir a obstrução física ou tumulto proposital entre deputados.

O advogado avalia que foram atos lamentáveis e reforça que há mecanismos para obstruções regimentais como uso de requerimentos, destaques ou pedidos de verificação de quórum. Segundo ele, são mecanismos legítimos de atuação parlamentar. “No entanto, a ocupação física da Mesa Diretora, bloqueio de votações ou tumulto que comprometam a condução da sessão não estão amparados pelas normas da Casa nem pela Constituição, podendo ser considerados afrontas à ordem institucional, mas não vejo a necessidade nem espaço de graves punições porque em situações anteriores isso nunca se aplicou”.

Luiz Augusto Módolo avalia que o episódio expõe a necessidade de amadurecimento político e de mudanças na condução das Casas Legislativas, com presidentes menos centralizadores e maior transparência na definição de pauta em comum acordo com os deputados.

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Punições “exagerada” a parlamentares da direita podem caracterizar perseguição

Módolo avalia que, havendo punições exageradas a deputados de oposição, se caracterize perseguição política, tendo em vista que não há precedentes semelhantes contra parlamentares da esquerda que já se utilizaram de práticas similares.

“Não deveria acontecer nada, mas precisa de um aviso para o futuro e o compromisso de que o Congresso funcionará de forma transparente e democrática”, alerta.

O especialista lembra que embates e exageros podem fazer parte da vida parlamentar e que um representante do povo tem que ter “casca grossa”. “São ossos do ofício. Não é para virar um ringue de vale tudo, mas um esbarrão ou outro pode ocorrer. O que não pode é ter quebra de compostura”, concluiu, prevendo que a crise deve acabar em um acordo político.

O constitucionalista André Marsiglia avalia que é pouco provável que os deputados acusados de participar da ocupação simbólica da Mesa da Câmara sejam efetivamente punidos. Segundo ele, o processo para aplicar sanções é longo e politicamente desgastante.

“Isso vai para a Corregedoria, de lá para a Mesa, da Mesa pode voltar à Corregedoria, depois para o Conselho de Ética, onde precisa haver deliberação. E, para que haja punição, é necessário que a maioria dos parlamentares vote a favor — algo que não deve acontecer”, afirma.

O especialista destaca que há um pedido cautelar para suspensão imediata dos mandatos de deputados, que será analisado pelo corregedor, mas considera improvável que avance. “Se essa suspensão não for aplicada agora, acredito que o caso vai morrer na gaveta de alguém. Politicamente, é muito difícil que prospere”, diz.

Para o constitucionalista, a iniciativa de Hugo Motta tem mais caráter simbólico do que prático. “Me parece que ele quis dar um recado, prestar uma satisfação, mais do que realmente buscar uma punição efetiva”, conclui.

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Veja quais episódios estão descritos nas denúncias

No documento que formaliza a denúncia contra os deputados, apesar de não descrever detalhadamente as ações dos 14 parlamentares, Hugo Motta ressalta que o direito de obstrução parlamentar, embora legítimo, encontra limites claros na Constituição Federal e no Regimento Interno. A ocupação física da Mesa Diretora e a tentativa de interferência no funcionamento regular da Casa, configuram segundo ele, “abuso de direito e grave ofensa ao decoro parlamentar, comprometendo a dignidade do mandato e o funcionamento das instituições democráticas”.

Segundo o documento, precedentes do STF corroboram que “a imunidade parlamentar não serve como salvo-conduto para condutas antidemocráticas ou que violem a independência dos Poderes”. Entre os deputados com ações descritas no documento estão:

  • Zé Trovão (PL-SC) teria bloqueado fisicamente o acesso de Motta à Mesa Diretora, posicionando a perna na escada de acesso.
  • Van Hattem (PL-RS) recusou-se a deixar a cadeira do presidente, obrigando colegas a intervir.
  • Pollon (PL-MS) também permaneceu no local mesmo após pedido para liberar a posição.
  • Coronel Chrisóstomo (PL-RO) e outros deputados reforçaram a presença em volta da Mesa.
  • Caroline de Toni (PL-SC) e outros mantiveram postura de obstrução mesmo após a chegada de Motta.
  • Zanatta (PL-SP) levou a filha de quatro meses ao plenário durante a ação, sendo acusada de usar a criança como “escudo” contra eventual intervenção da segurança — fato que levou o Conselho Tutelar a ser acionado, embora especialistas considerem improvável qualquer punição nesse caso.

Denúncias infundadas e provas incontestáveis, diz oposição

Após tomar conhecimento do processo, o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), afirmou que ser representado ao Conselho de Ética pela esquerda é, no mínimo, “um distintivo de honra”. Segundo ele, a medida é uma “prova incontestável” de que a oposição tem “incomodado muito aqueles que, no passado, não hesitaram em usar das mesmas armas contra nós”.

“Espero uma análise de equilíbrio, serenidade e justiça do nosso Corregedor e apresentaremos nossa defesa com a firme convicção de que o arquivamento imediato é o único desfecho possível. Não há, no Regimento Interno desta Casa, qualquer dispositivo que proíba o ato legítimo que realizamos nesta semana”, disse Sóstenes. 

Em nota, o líder da oposição, Zucco (PL-RS), classificou as denúncias como infundadas e acusou o líder do PT, Lindbergh Farias, de “atuar como verdadeiro agente da ditadura em curso no Brasil”. 

A hipocrisia é evidente: o próprio Lindbergh, ao lado de sua companheira Gleisi Hoffmann, comandou a ocupação da Mesa Diretora do Senado Federal, em episódio semelhante ao ocorrido na semana passada. Naquele momento, não houve indignação seletiva nem discursos inflamados contra ‘atos antidemocráticos’”, declarou Zucco.

Para o líder do Novo, Marcel van Hattem (Novo-RS), a denúncia do PT e dos partidos do governo é um “absurdo”. Ele ressalta que se trata de uma medida para “silenciar a oposição” por uma “manifestação pacífica”. “A Mesa Diretora tomou a única atitude possível ao encaminhar o caso à Corregedoria da Casa, para que ela arquive imediatamente todas essas representações. Continuarei firme no exercício do meu mandato, defendendo meus ideais e o Brasil, como sempre fiz”, reforçou em nota.

O deputado Marcos Pollon (PL-MS) tem alegado em entrevistas e nas redes sociais que sua condição de autista o impediu de compreender a situação no momento da ocupação, e acusou a imprensa de distorcer seu depoimento. Segundo ele, havia um “rito combinado” para desocupar o espaço, que não foi cumprido, e sua permanência estava ligada à cobrança pela pauta da anistia aos presos de 8 de janeiro.

A deputada Bia Kicis (PL-DF) afirmou que “não existem precedentes na Casa para punição de ocupação da Mesa”, classificando o ato como resistência legítima. Ela disse que a oposição mantém obstrução há mais de cinco meses para tentar pautar o projeto da anistia, além de defender o fim do foro privilegiado e o impeachment do ministro Alexandre de Moraes. “Seremos punidos por isso? Então a democracia realmente é só uma palavra na boca daqueles que a prostituíram neste País”, declarou.



Fonte: Revista Oeste

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