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Delator de Bolsonaro tem lealdade questionada por Procuradoria


O procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, adotou uma postura crítica em relação à colaboração premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) no inquérito da suposta tentativa de golpe de Estado. Ele sugeriu em suas alegações finais a redução de apenas um terço da pena do tenente-coronel, não um perdão completo pela sua colaboração. Isso pode fazer com que a sentença de Cid chegue a 25 anos de prisão, segundo juristas.

Bolsonaro pode receber uma pena de 43 anos de prisão, segundo analistas ouvidos pela reportagem. Os ex-ministros Walter Braga Netto, Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, que são os demais integrantes do que o STF chama de Núcleo 1 do processo, podem ser condenados a penas de mais de 40 anos de detenção.

A defesa de Cid disse que vai se manifestar apenas nos autos do processo sobre o posicionamento de Gonet. Ele pode começar a cumprir pena em regime fechado de prisão e depois receber benefícios de progressão de pena.

O processo do golpe tramita de forma acelerada no STF. O procurador-geral entregou suas alegações finais no fim da noite de segunda-feira (14) e pediu a condenação de Bolsonaro, de seus aliados e de Cid pelos crimes como: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

As penas definitivas dos réus só serão estabelecidas na fase final do processo, prevista para ocorrer até outubro deste ano.

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“O texto todo está dentro do esperado: sabia-se que Gonet iria buscar a posição máxima, avalio que as penas serão pesadas, devem superar ou ficar próximas dos 40 anos e para Cid próximo dos 25 anos”, calcula o professor de Direito Constitucional Alessandro Chioratino.

Para o constitucionalista André Marsiglia, o procurador-geral quer punir Mauro Cid pelas múltiplas versões e hesitações apresentadas ao longo da colaboração premiada. “Não há como alguém dar uma dezena de versões e falar a verdade, e não há como alguém mentir e ser beneficiado”, afirmou.

Marsiglia avalia que Cid tentou agradar a Procuradoria-Geral da República, moldando seus depoimentos para se alinhar à narrativa acusatória, mas a estratégia falhou. Diante desse histórico, o procurador-geral afastou a possibilidade de concessão de benefícios mais amplos, como o perdão judicial ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Uma pena restritiva de direitos é uma pena que limita certos direitos do condenado, como usar tornozeleira eletrônica, não poder trabalhar em cargos públicos ou sair em determinados horários, mas não envolve prisão.

Em vez disso, recomendou que a redução da pena de Mauro Cid seja limitada ao mínimo previsto em lei: um terço. Segundo Gonet, a decisão leva em conta o “grau de lealdade” demonstrado durante a colaboração, além da necessidade de preservar a integridade da jurisdição penal.

“A omissão de fatos graves, a adoção de uma narrativa seletiva e a ambiguidade do comportamento prejudicam apenas o próprio réu, sem nada afetar o acervo probatório desta ação penal”, escreveu o procurador-geral. Ele enfatizou que a colaboração deve ser recompensada com proporcionalidade, tendo como base não apenas o conteúdo, mas a forma como o colaborador se comporta ao longo do processo.

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Mauro Cid pode desistir da colaboração premiada?

Segundo André Marsiglia, Mauro Cid não pode simplesmente, neste momento e com a pena prevista, desistir da colaboração premiada, pois ela já foi formalizada e suas declarações foram prestadas. O que ele poderia fazer seria afirmar que mentiu ou que foi coagido a colaborar, o que teria o efeito de invalidar sua delação.

Caso isso ocorra, Cid perderia os benefícios já propostos, como a redução de um terço da pena, e poderia ser julgado pela pena integral. “Isso provocaria um rebuliço enorme, afetando não só a situação de Cid, mas também os demais depoimentos, condenações e pedidos feitos com base na delação”, afirma.

Alessandro Chioratino diz que, no caso de ele invalidar sua colaboração, poderia inclusive ser acusado de litigância de má fé e perderia todos os seus benefícios.

Segundo analistas ouvidos pela reportagem, na fase final do julgamento o STF pode optar por desconsiderar a recomendação de Gonet e não mandar Cid para a prisão. Ele pode receber uma pena mais branda, de restrição de liberdade. Essa seria uma forma de assegurar que o delator não se rebele e diga que mentiu durante toda a colaboração.

Segundo o especialista em Direito Penal Matheus Herren Falivene, a pena no Brasil é aplicada com base em um método trifásico: na primeira fase define-se a pena-base, na segunda consideram-se as circunstâncias agravantes e atenuantes e na terceira aplicam-se as causas de aumento ou diminuição de pena.

Ele explica que as penas são fixadas individualmente para cada crime e, embora seja difícil prever exatamente a quantos anos de prisão cada um será condenado, é possível traçar perspectivas. “Em caso de condenação, a pena-base de Mauro Cid certamente será elevada [em torno de 25 anos] em razão da culpabilidade e das consequências sociais do crime, como tem ocorrido em outros casos semelhantes”, afirma.

Mesmo com o pedido da PGR para que Cid tenha direito à redução de um terço da pena por ter colaborado, Falivene avalia que as punições deverão ficar “consideravelmente acima do mínimo legal”. Sobre os benefícios da colaboração premiada, o especialista ressalta que o acordo previa desde o perdão judicial até a diminuição da pena.

Mas como a colaboração de Cid não foi considerada imprescindível para a elucidação dos fatos, ele deverá ter direito apenas à redução parcial e, possivelmente, a um regime inicial de cumprimento mais brando. “Mesmo assim, as penas devem ser altas”, conclui.

A ideia atualmente exposta pelo procurador-geral de que a colaboração do delator não foi imprescindível diverge de críticas de analistas de que a Procuradoria-Geral e a Polícia Federal teriam baseado a quase totalidade de suas investigações nas afirmações do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

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Procuradoria-Geral diz que Mauro Cid manteve omissões ao longo do processo

O procurador-geral também afirmou em sua manifestação que Mauro Cid manteve “omissões ao longo de toda a persecução penal” e resistiu ao reconhecimento de sua “efetiva participação nos eventos sob investigação”, adotando uma postura “ambígua” e “seletiva” em suas declarações.

O advogado e comentarista político Luiz Augusto Módolo avalia que Mauro Cid é tido como não “muito confiável” para o processo. Ele chegou a dizer ao longo do curso das investigações que havia sido coagido a falar o que o STF queria, porém, seus depoimentos são utilizados conforme a conveniência. “Mas para a PGR [ele se mostra] confiável o suficiente para mandar dezenas de pessoas para a cadeia por décadas”.

O especialista alerta que o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro deveria ter enfrentado seu destino com dignidade, já que sua carreira militar chegou ao fim e a prisão é inevitável, mas não cogitou desfazer sua colaboração, apesar de tantas alterações em suas versões.

“Para Gonet, Cid prestou um ‘serviço incompleto ao país e à verdade’, omitiu fatos graves, adotou uma narrativa seletiva e agiu com ambiguidade. Sua colaboração é tratada como um cardápio à la carte — útil apenas quando favorece a acusação”, completou.

Gonet classificou como “superficiais e pouco elucidativos” os depoimentos de Cid sobre sua própria atuação no caso, sobretudo nos fatos de maior gravidade.

Além disso, pesa sobre o colaborador a suspeita de ter violado medidas cautelares ao manter, de janeiro a março de 2024, contato com investigados por meio do perfil @gabriela702, no Instagram — supostamente criado a partir de e-mail vinculado ao ex-ajudante. A denúncia foi revelada por reportagem da revista Veja em junho deste ano e confirmada pela empresa Meta. A defesa de Cid nega qualquer envolvimento com o perfil.

Bolsonaro pode ser condenado e começar a cumprir pena em regime fechado, avaliam especialistas

A pena do ex-presidente Jair Bolsonaro pode somar 43 anos de reclusão, similar a dos demais réus do Núcleo. Para especialistas que analisaram as alegações finais de Gonet, se Bolsonaro for de fato condenado poderá iniciar o cumprimento da pena em regime fechado.

“Existe a possibilidade de fatores de saúde e idade do ex-presidente levarem ele a cumprir parte da pena em caráter domiciliar. Mas acho que ele começará no regime fechado. Uma espécie de “punição exemplar”, de caráter simbólico”, alerta Chioratino.

Para Marsiglia, a pena de Bolsonaro precisa ser grande o suficiente para justificar a dos demais. “Se a dele for baixa, como justificar que a dos réus do dia 8 de janeiro seja tão ampla? Não tem como”, alerta o especialista que também avalia o início de uma pena do ex-presidente em regime fechado e posteriormente uma prisão domiciliar.

Em suas alegações finais, Gonet voltou a vincular o suposto plano de golpe aos atos de 8 de janeiro de 2023 e chamou Bolsonaro de “líder enaltecido” pelos manifestantes.

“O líder enaltecido pelos manifestantes era Jair Bolsonaro e a pauta defendida era fruto do seu insistente e reiterado discurso de radicalização, embasado em fantasias sobre fraudes do sistema eletrônico de votação e em injustas descrenças na lisura dos poderes constitucionais, exatamente nos mesmos moldes da narrativa construída e propagada pela organização criminosa”, afirmou o procurador-geral.

Para o procurador-geral, “as evidências revelam que o ex-presidente foi o principal coordenador da disseminação de notícias falsas e ataques às instituições, utilizando a estrutura do governo para promover a subversão da ordem. Portanto, cabe a responsabilização do réu pelos crimes descritos na denúncia”.



Fonte: Revista Oeste

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