Logo na primeira pergunta da entrevista, o baterista do Deftones, Abe Cunningham, deixa claro, ainda que em tom amistoso: “temos coisas sobre as quais falar além das músicas antigas”. De fato, poucas bandas conseguiram manter seu som tão atual e preservar sua relevância, mesmo em novos lançamentos, como a dele.
Equivocadamente rotulado como nu metal, o grupo americano formado em 1988 é um dos nomes mais experimentais e inventivos do gênero. Enquanto representantes reais do chamado “nu” ficaram datados, eles resistiram ao teste do tempo. E embora os intervalos entre álbuns tenha ficado maior, Cunningham e seus colegas seguiram produtivos.
Private Music, a ser lançado nesta sexta-feira, 22, pela Reprise/Warner (ouça em deftones.lnk.to/privatemusic), é o décimo e mais novo capítulo desta trajetória. Abe, Chino Moreno (voz), Stephen Carpenter (guitarra) e Frank Delgado (teclados), acompanhados do baixista e membro contratado Fred Sablan, oferecem um disco enxuto, preciso, com 11 faixas distribuídas em 42 minutos e um som que estabelece uma ponte ideal entre passado, presente e futuro. Consegue um resultado que seus dois antecessores, Gore (2016) e Ohms (2020), não obtiveram.
Por isso, Cunningham não tem receio ao citar que o Deftones vive “um bom momento”. Convidado a destacar uma faixa de Private Music, cita logo três:
“Adoro todo o álbum, mas ‘Milk of the Madonna’ está nessa lista [de destaques]. Também tem ‘I Think About You All the Time’, mais calma, como uma balada. ‘Infinite Source’ é legal também.”
Mantendo a experiência prazerosa
Como citado, o intervalo entre lançamento de álbuns do Deftones ficou um pouco maior com o passar do tempo. Entre Private Music e o antecessor direto Ohms, são cinco anos — o maior hiato criativo da banda. Abe Cunningham garante que a demora foi intencional, pois o processo de concepção do novo disco ficou marcado por intervalos.
“Stephen sempre reclamava: ‘Por que vocês sempre estão indo? Por que não tirar um tempo juntos?’. Mas preferimos criar o álbum em períodos e locais diferentes. Separávamos as sessões em pelo menos um mês e deixávamos as composições marinando. Se somar só os dias ativos, gastamos um mês criando tudo, mas espalhamos em muito tempo — e isso tornou o processo divertido.”

Independentemente de hiatos, o material foi criado do mesmo jeito de sempre: os integrantes chegam ao estúdio “sem muitas ideias” e, nas palavras de Abe, “nada realmente acontece até que todos estejam na sala tocando”. Até mesmo Sablan, que não é um integrante oficial — pois ocupa a vaga de Chi Cheng, baixista falecido em 2013 e nunca substituído por completo —, contribuiu para o processo.
“Somos bem ‘old-school’ na nossa composição. As letras chegam por último. A música sempre tem que ser firme e ficar sozinha primeiro. Tudo bem simples. Somos irmãos, então houve um monte de lutas no passado. Hoje, nos comunicamos melhor. A parte mais importante é o jeito em que nos encontramos, a vibração, sabe? E aí a música vem.”
Come to Brazil
Claro que a pergunta sobre futuros shows do Deftones no Brasil surgiu no bate-papo. Avisado de que todo ano tem algum rumor — furado — sobre a banda se apresentar por aqui, Abe Cunningham não titubeou e adiantou:
“[A visita] Acontecerá muito em breve. Será em 2026.”
Talvez isso tranquilize a movimentação de internautas brasileiros. O baterista destacou o comportamento já conhecido dos fãs daqui:
“É engraçado, porque você vê em todos os comentários no Instagram: ‘come to Brazil’ (‘venha ao Brasil’), o que nós amamos. Então, não vai demorar. Faz muito tempo [desde a última visita, em 2015]. Mal podemos esperar para retornar.”
Se não dá para falar de Deftones no Brasil por agora, ao menos é possível relembrar viagens anteriores. Cunningham compartilhou memórias logo da primeira vez, em 2001, quando tocaram na terceira edição do Rock in Rio. Na ocasião, ele e os colegas dividiram palco com Red Hot Chili Peppers, Silverchair, entre outras atrações.
“Foi a nossa primeira vez na América do Sul. Tocamos em Buenos Aires, mas aquele show em particular… sempre tínhamos ouvido falar de Rock in Rio. Este era o original, antes de ele se expandir para outras cidades e ficar tão grande. No primeiro dia, entramos em um hotel enorme e eu estava dividindo quarto com Chino na época, no topo do hotel, que era muito alto, com mais de 20 andares. Estávamos olhando a sacada, em direção à praia de Copacabana. Havia por ali uma cesta enorme de frutas. Chino e eu estávamos sempre zoando. Então, eu estava olhando pelo vidro da sacada quando percebo algo voando em minha direção. Daí eu me abaixei. Era uma fruta, caiu de uma altura de mais de 20 andares. [Risos]”

De acordo com o baterista, a apresentação no festival fluminense foi a maior da carreira do grupo até aquele momento. Ele concluiu:
“Absorvemos tudo daqueles dias no Brasil. O show foi o maior que já havíamos feito. Uma loucura. Daí estávamos no ônibus, o Iron Maiden estava conosco e a imagem da Britney Spears estava no display. Ficamos tipo: ‘cadê a Britney?’. [Risos] Foi uma incrível primeira vez. Aconteceram mais coisas, mas não posso dizer. [Risos]”
E o Eros?
No encerramento da conversa, Abe Cunningham foi convidado a compartilhar planos a respeito de um álbum que nunca foi concluído: Eros. O Deftones trabalhou no disco em questão entre abril e novembro de 2008, quando Chi Cheng sofreu um acidente de carro que o deixou em coma e semicoma até sua morte, em 2013. O projeto acabou engavetado e deu lugar a Diamond Eyes (2010), já sem envolvimento de Cheng.
“O álbum nunca foi concluído porque Chi sofreu o acidente quando estávamos trabalhando nele. Estávamos tentando voltar a ter uma irmandade e amizade após muito tempo de banda. Foi uma época muito catártica.”

Entra, aí, a pergunta que não quer calar: será que algum dia os fãs poderão ouvir esse material? Até hoje, apenas “Smile” foi disponibilizada ao público. Abe responde:
“Tem algumas músicas muito boas, outras nem tanto, então talvez saia em forma de EP com algumas delas, não sei. Sei que as pessoas gostariam de ouvir porque é a última gravação de Chi. Mas não está pronto. Ainda precisa de muito trabalho. Então, quem sabe?”
+++ LEIA MAIS: Angra conta à RS tudo o que você precisa saber sobre hiato, shows finais e ‘Temple of Shadows’
+++ LEIA MAIS: Quando o Ghost pretende vir ao Brasil, segundo Tobias Forge
+++ LEIA MAIS: P.O.D.: Sonny Sandoval fala à RS sobre single com argentino, Brasil e carreira
+++ LEIA MAIS: Outras entrevistas conduzidas pelo jornalista Igor Miranda para a Rolling Stone Brasil
+++ Siga a Rolling Stone Brasil @rollingstonebrasil no Instagram
+++ Siga o jornalista Igor Miranda @igormirandasite no Instagram
Fonte: rollingstone.com.br