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Cooperativas de crédito não escapam da Lei Magnitsky


Dirigentes de bancos públicos e privados teriam aconselhado ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a abrirem contas em cooperativas de crédito, como alternativa a bancos, para se protegerem de consequências da Lei Magnitsky. A orientação, que teria sido descartada, não resolveria o problema de Alexandre de Moraes e de membros da Corte que porventura venham também a ser sancionados. 

O conselho dado pelos banqueiros, revelado pela Folha de S.Paulo, serviria mais como uma proteção às instituições financeiras, mais expostas ao sistema financeiro global. 

A Lei Magnitsky impede que pessoas físicas sancionadas tenham acesso a serviços e bens nos Estados Unidos. Além disso, prevê multas a empresas que se relacionem com os sancionados. 

Diante da inclusão de Moraes na lista de atingidos pela lei, representantes de bancos brasileiros passaram a se preocupar com punições que as instituições possam sofrer por manter contas do ministro abertas. 

Por manterem negócios em território americano ou utilizarem serviços de empresas dos EUA, os bancos poderiam ser multados ou perder acesso a importantes sistemas, como de infraestrutura de cartão de crédito, operações de câmbio e investimentos em ativos estrangeiros. 

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A situação ficou ainda mais complicada para os bancos depois que o ministro Flávio Dino determinou que sanções de leis estrangeiras só podem ser aplicadas no Brasil caso estejam validadas por acordos internacionais ou sejam referendadas pelo Judiciário brasileiro. 

Diante do impasse entre atender à determinação americana, sob risco de ser punido pelo STF, ou de obedecer à determinação de Dino, com a possibilidade de sofrer sanções secundárias da Lei Magnitsky, representantes do sistema bancário nacional fizeram chegar aos magistrados a sugestão de migrar suas contas para cooperativas de crédito. 

Os ministros, no entanto, não teriam gostado da ideia, por considerarem que seria uma capitulação da Corte e do Brasil ao governo americano. 

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Assim como um banco, a cooperativa de crédito está sob supervisão do Banco Central (BC). A principal diferença é a natureza jurídica, uma vez que a segunda é uma sociedade sem fins lucrativos, cujo resultado líquido é distribuído proporcionalmente às operações de cada associado ou reinvestido na própria cooperativa. 

Já os bancos são sociedades anônimas com fins lucrativos – os lucros são distribuídos por meio de dividendos aos acionistas, mas não aos correntistas. 

Por sua natureza societária, as cooperativas não contam com uma estrutura hierárquica tradicional, com controle centralizado e diretoria executiva, mas com uma governança da qual fazem parte todos os cooperados por meio de assembleias em que todos têm direito a voto. 

Também estão isentas de tributos sobre os chamados atos cooperativos (operações entre a cooperativa e cooperados), embora recolham sobre atos não cooperativos (operações com não associados). 

A legislação que rege as cooperativas de crédito é a Lei Complementar 130/2009 (Marco Legal das Cooperativas de Crédito). Apesar de diferenças dependendo do porte e da complexidade da instituição, as cooperativas também cumprem exigências prudenciais do BC. 

Com a mesma finalidade do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), o Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (FGCoop) cobre perdas de até R$ 250 mil por CPF associado, por cooperativa, por exemplo.

Não seguindo uma lógica puramente empresarial, as cooperativas têm foco comunitário e associativo, e, em geral, atuam em escala regional. Mesmo assim, praticamente todas operam com sistemas que em algum momento esbarram no território americano, principalmente cartões de crédito ou débito.

“Cooperativas são instituições financeiras equiparadas, reguladas pelo Banco Central. Se o BC receber ofício da OFAC [Agência de Controle de Ativos Estrangeiros dos EUA], pode aplicar a mesma restrição. Não há blindagem técnica”, disse o José Andrés Lopes da Costa, professor de Direito Tributário Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV) ao InfoMoney

Assim como um banco, caso a cooperativa de crédito descumpra as sanções a um cooperado previstas pela Lei Magnitsky, ainda que com operação exclusiva no Brasil, também pode entrar no radar de sanções secundárias como uma “instituição facilitadora” (facilitating institution) pela OFAC, perdendo acesso às redes internacionais. 

Da mesma forma que um banco, a cooperativa não poderia realizar qualquer transação com uma instituição americana ou mesmo brasileira com operação nos Estados Unidos, utilizar a infraestrutura de cartão de crédito, executar câmbio ou realizar investimentos em companhias norte-americanas.

Brasil tem 774 cooperativas de crédito

De acordo com dados do BC, há 774 cooperativas de crédito em funcionamento no país sob supervisão do órgão. As entidades podem ser do tipo singular, central (formada por cooperativas singulares), confederações (instâncias que reúnem centrais de crédito) e sistemas de cooperativas de crédito (conjunto das demais). 

Entre os principais sistemas que integram cooperativas, Sicoob e Sicredi, por exemplo, estão integrados ao Swift e contam até mesmo com bancos próprios. 

O economista Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, explica que mesmo as cooperativas que porventura utilizem cartões com a bandeira brasileira Elo, administrada por Bradesco, Banco do Brasil e Caixa, podem ter consequências legais.

“Por terem relações com os Estados Unidos, essas instituições têm de encerrar o relacionamento com a pessoa sancionada”, explica. “Isso não acontece de forma automática, mas se não o fizer, a operação americana dos bancos brasileiros pode sofrer multas”, diz. 

“Temos casos recentes, por exemplo, do HSBC e do BNP Paribas, que foram penalizados em bilhões de dólares porque ocultaram do governo americano que estavam transacionando com pessoas que haviam sido sancionadas.” 

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A grande diferença é que, caso uma cooperativa desrespeite as sanções previstas na Lei Magnitsky, as consequências ficariam mais restritas à própria instituição e atingiriam de forma mais reduzida o sistema financeiro nacional como um todo, uma vez que estão menos expostas ao fluxo internacional de valores e são menos dependentes do dólar. 

A reportagem entrou em contato com a Federação das Cooperativas de Crédito (FCC), mas não obteve resposta sobre o assunto até a publicação desta reportagem. 

O Sistema OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) informou, em nota, que “está promovendo estudos internos” sobre a aplicação e o alcance da Lei Magnitsky em território brasileiro “e, neste momento, não se posiciona a respeito”.

“As cooperativas de crédito são instituições financeiras sólidas, reguladas e fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil. Elas fazem parte do Sistema Financeiro Nacional, atuando de forma segura e transparente, para prestar serviços financeiros exclusivamente aos seus associados”, diz trecho da nota.

A entidade acrescenta que as cooperativas não são instrumentos paralelos ou alternativos ao sistema financeiro regulado. “Ao contrário, atuam ampliando o acesso da população a serviços financeiros de qualidade, especialmente em regiões onde bancos comerciais nem sempre estão presentes”, explica.

No comunicado, o Sistema OCB ressalta ainda que as cooperativas de crédito “contam com rigorosos mecanismos de supervisão e transparência, garantindo segurança às operações e a plena rastreabilidade das transações de seus cooperados”.

Sanções da Lei Magnitsky não se restringem ao sistema financeiro

Garbe explica que as sanções previstas na lei não se restringem a um bloqueio no sistema bancário internacional, implicando também um banimento tecnológico. Qualquer empresa que tem representação nos Estados Unidos e ofereça serviços a um sancionado pela Lei Magnitsky tem obrigação de suspender suas contas. 

Isso inclui plataformas de e-mail e armazenamento de dados como Gmail, iCloud, Google Drive e OneDrive; dispositivos vinculados à Apple ID como iPhones, iPads e MacBooks; serviços de streaming como Prime Video, Netflix e Spotify; aplicativos de transporte como Uber, além de marketplaces. 

Além disso, o CPF do indivíduo ou o passaporte entram em um filtro global de segurança, impedindo a renovação de contratos ou a instalação de novos softwares. Até mesmo o WhatsApp pode ser desativado por conexão com contas de e-mail ou de pagamento bloqueadas. 

Para Garbe, a indicação de Dino de que empresas brasileiras que apliquem sanções a Moraes possam ser punidas internamente deixa os bancos e demais instituições nacionais em uma “cilada”.

“Esse tipo de manifestação é inédito no mundo. Não há notícia de nenhum sistema judiciário que interferiu na aplicação da lei defendendo um indivíduo”, afirma. “Nem na Venezuela isso aconteceu.”



Fonte: Gazeta do Povo

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