Zach Cregger está com uma expressão de horror no rosto. Ele acabou de dizer algo que talvez não devesse ter dito.
Quando o roteirista e diretor escreveu o que viria a se tornar NoitesBrutais — seu filme de terror de 2022 ambientado em um Airbnb e que se transformou em um fenômeno boca a boca — ele estava saindo de anos trabalhando como ator contratado e de um período na chamada “prisão de diretores”, após ter feito o que ele mesmo descreveu como “um fracasso total e absoluto” (a comédia Miss Março – A Garota da Capa, de 2009).
“Eu realmente não tinha nada a perder”, diz Cregger, em uma chamada pelo Zoom a partir de um apartamento em Praga, à Rolling Stone. “Era tipo: ‘Eu só vou me divertir.’ E pronto. Escrever NoitesBrutais, para mim, foi como uma criança colorindo com giz de cera. Já A Hora do Mal…”
Ele faz uma pausa. “A Hora do Mal foi como se eu estivesse vomitando.” Outra pausa. É evidente que Cregger sente como se tivesse confessado um pecado grave. Meu Deus, por que ele contou isso a um jornalista? Então, o cineasta por trás de um dos lançamentos mais aguardados do verão sorri, e seus olhos se iluminam. “E quem não quer chamar uma babá, ir ao cinema e gastar 120 dólares para ver alguém vomitar?”
Cregger está brincando — pelo menos sobre o público correr para os cinemas para ver alguém “vomitar” metaforicamente na tela. Mas, considerando a empolgação que o roteiro sucessor de seu sucesso cult gerou quando foi colocado no mercado e a expectativa cada vez mais intensa em torno do lançamento, em 8 de agosto, o comediante de esquetes que virou cineasta entende que agora as apostas são mais altas.
Com uma narrativa múltipla estrelada por Julia Garner, Josh Brolin, Benedict Wong, Amy Madigan e Austin Abrams, A Hora do Mal começa com 17 crianças que acordam no meio da noite, saem correndo de casa e desaparecem misteriosamente sem deixar vestígios. A história se torna cada vez mais perturbadora à medida que os moradores tentam descobrir o que aconteceu. É o tipo de filme de gênero ambicioso, ousado, que sugere que Cregger conquistou de vez o título de “Próxima Grande Promessa” do terror.
O novo filme nasceu de um momento muito baixo na vida de Cregger. “Eu estava trabalhando na pós-produção de NoitesBrutais quando meu melhor amigo morreu de repente, em um acidente terrível”, conta ele. Cregger se refere a Trevor Moore. Os dois se conheceram na School of Visual Arts, em Nova York, depois que Cregger se transferiu da Temple University, onde estudava cinema. Um amigo em comum os apresentou, e Cregger e Moore se tornaram cofundadores do grupo de esquetes The Whitest Kids U’Know. O programa do grupo passou cinco temporadas nos canais Fuse e IFC; Moore, que também co-dirigiu Miss Março, “era o motor do programa e do grupo”.
Para lidar com o luto, Cregger iniciou “uma maratona de escrita, por umas duas semanas… comecei assim, frase um: ‘Isto é uma história real. Metade da minha cidade natal, todas essas crianças fugiram.’ E eu não sabia para onde as crianças tinham ido. Era tipo: ‘OK, vamos lá. Será que consigo resolver isso? O que aconteceu? Quem eram elas? O que ficou para trás? Como é essa sensação?’”
Ele acabou percebendo que estava canalizando um senso palpável de perda, o que lhe permitiu processar tudo da forma mais extrema possível. Mas, ao dizer isso, Cregger novamente se interrompe. “Olha, como o resto do mundo, eu não quero ver mais um filme de terror sobre luto. Esse negócio de terror como metáfora para o luto já está tão batido. Eu nem deveria estar falando disso, mas não consigo me conter. Não me importo se ninguém perceber isso assistindo. Quero que se divirtam. Se a história funcionar, nada disso importa.
“Mas eu queria fazer algo honesto”, continua ele. “E percebi que, quanto mais eu escrevia e me identificava com as pessoas sobre as quais estava escrevendo, mais aquilo virava uma espécie de diário honesto da minha bagunça interna. É engraçado, eu estava conversando com o Ari Aster sobre isso, dizendo: ‘Não sei quanto ao lado pessoal.’ E ele falou: ‘O lado pessoal é o que faz funcionar. Não tenha vergonha disso!’ Ouvir ele dizer isso… é parte do DNA de A Hora do Mal. A cidade está lidando com uma perda. E eu também. Foi o maior golpe direto que já levei.”
Com cerca de 70 páginas escritas e os personagens principais delineados — a professora que tinha todos os 17 desaparecidos em sua turma; o único aluno que não fugiu; um pai em busca do filho desaparecido; um andarilho viciado em drogas que se vê no lugar errado, na hora errada — ele foi para a casa do empresário, no meio de uma floresta na Costa Leste. Já sabia o final e tinha diagramado os pontos-chave da trama. Agora, precisava descobrir como contar a história.
“Ainda havia essa urgência”, diz Cregger, admitindo que a necessidade de um desabafo emocional tirou parte da pressão de fazer um sucessor para um sucesso. “O único ponto positivo desse ano terrível foi que eu estava, de novo, escrevendo de um lugar puro. Pensei: ‘Certo, a melhor versão desse filme é se eu puder contar em capítulos, mantendo a perspectiva forçada’, sabe — ficando hiper-subjetivo.”
Para isso, Cregger separou a narrativa em capítulos que revelam as lacunas aos poucos, cada um do ponto de vista de um personagem. (Ele credita Magnólia — filme de 1999 de Paul Thomas Anderson — como modelo para o que queria em A Hora do Mal.) E começou a perder o medo de se abrir. Ele conta que se identifica fortemente com a personagem de Garner, a professora cuja sala de aula é o único elo entre todas as crianças desaparecidas, e que é alcoólatra; Cregger também enfrentou o alcoolismo e está sóbrio há 10 anos. Ele entende a angústia sentida pelo personagem de Brolin, um pai que tenta compreender como o filho pôde estar ali num momento e desaparecer inexplicavelmente no seguinte.
Ao escrever a parte narrada por Alex, o único aluno da terceira série que não desaparece, Cregger diz que recorreu diretamente ao próprio passado. “Essa parte é exatamente como… eu vivi isso quando criança”, admite. “De novo, não sei se as pessoas precisam saber disso antes de ver o filme, mas… é exatamente como é ter um pai que é viciado, e a criança precisar virar o cuidador quando essa coisa estranha entra, e…” O olhar de horror volta. “Vou parar por aqui.”
“Sim, ele e eu conversamos sobre isso”, confirma Brolin, em entrevista algumas semanas depois. “Nós dois somos sóbrios; ele falou do pai alcoólatra, eu falei da minha mãe alcoólatra. Ele encontrou esses pontos em mim que me inspiraram ainda mais a querer contar essa história. Essa foi uma das coisas que mais me marcaram no Zach: ele foi muito aberto sobre tudo desde o início. Desde a primeira reunião que tivemos, ele estava disposto a falar profundamente sobre muita coisa que está no filme.”
“Mas o que me pegou antes disso, no entanto, foi só o roteiro”, acrescenta Brolin. “Olha, eu não sabia quem era o Zach, nem nada sobre a guerra de lances” — mais sobre isso em um segundo — “ou que ele tinha feito esse outro filme que as pessoas adoravam. Eu não tinha visto Noites Brutais naquela época. Eu nem sabia que esse cara existia. E aí, receber um roteiro tão bem planejado, tão intrincadamente elaborado, tão bonito e inteligentemente construído, e depois ter essa reunião superemocional com o cara que ia fazer o filme… Eu me lembro de ver Matrix na semana em que estreou, sair do cinema balançando a cabeça, tipo: ‘Que porra foi essa?’ — e então virar, comprar outro ingresso e assistir de novo imediatamente. Filmes desse tipo não aparecem muito. E eu me lembro de conhecer ele e pensar: ‘Se isso der certo, pode ser um desses filmes.’”
Assim como fez com o roteiro de Noites Brutais, Cregger começou a montar cada parte de forma livre e pouco linear. Sem dar nenhum spoiler, digamos apenas que o que começa como um mistério elíptico fica extremamente insano no final. Quando terminou o rascunho final, estava pronto para vender o roteiro — e foi aí que a verdadeira loucura começou.
A notícia de que o cara que fez Noites Brutais tinha um novo roteiro igualmente insano e duas vezes mais ambicioso começou a se espalhar. O burburinho só crescia. Várias pessoas fizeram ofertas extravagantes, sem nem ler. Quando os possíveis compradores finalmente puderam ver o que Cregger havia criado, estourou uma guerra de lances no melhor estilo de Hollywood. Ao tentar vender Noites Brutais, Cregger lembra que o filme havia sido rejeitado por todos os estúdios aos quais apresentou. Desta vez, produtores brigavam pela chance de entrar no “negócio Zach Cregger”, com um preço final de US$ 38 milhões.
“Depois que a poeira baixou… foi um dia incrivelmente difícil e estressante, por vários motivos sobre os quais não quero falar”, diz ele, referindo-se ao período de 24 horas entre o envio do roteiro de A Hora do Mal e o fechamento do acordo. “Mas, no fim das contas, foi algo maravilhoso, e levou alguns dias para eu realmente perceber que era real. Foi incrível e avassalador.” Ao ser questionado sobre os rumores de que Jordan Peele teria demitido sua equipe de gestão quando a Universal não conseguiu comprar o roteiro para sua produtora Monkeypaw, Cregger se recusa a comentar: “É, não é uma história minha para contar.” (Os representantes de Peele também não comentaram.)
E embora a produção de A Hora do Mal não tenha sido isenta de problemas — ele perdeu a maior parte do elenco original quando aconteceu a greve de 2023; precisou substituir o jovem ator escolhido para interpretar o aluno remanescente porque o garoto original teve um enorme surto de crescimento — Cregger sente que acabou com exatamente o filme que queria fazer. As exibições-teste foram tão positivas que a Warner Bros. adiantou o lançamento em seis meses. O motivo de Cregger estar no Zoom a partir de Praga é que ele está ocupado preparando o próximo filme de Resident Evil lá, com a ideia de trazer a franquia de volta às suas raízes de videogame. (“Se eu ligasse meu PS5 agora e mostrasse quantas horas fiquei em Resident Evil 4, seria constrangedor”, ele diz.) E ele já tem outro roteiro em andamento, “uma coisa grande e maluca que vou fazer depois desse e que, acho, é o roteiro mais complexo que já escrevi.”
“David Bowie tem uma frase — vou acabar estragando”, diz Cregger. “Mas é basicamente a ideia de que, criativamente, você deve sempre entrar em águas cada vez mais profundas, e nunca ter certeza se vai conseguir nadar. Eu definitivamente fiz isso com A Hora do Mal. Posso estar fazendo isso com o novo também. Mas meu trabalho é ser honesto. E simplesmente continuar nadando.” Cregger solta o ar e então sorri. Agora, sua expressão é só felicidade.
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Fonte: rollingstone.com.br