“Uma casa dividida contra si mesma não pode permanecer”. Essa advertência, proferida por Abraham Lincoln ao aceitar a indicação do Partido Republicano de Illinois para concorrer ao Senado em 1858, parece retratar o Brasil de hoje: polarizado, fragmentado e profundamente desigual. Um país que vive uma crise silenciosa de coesão social, no qual antagonismos políticos e barreiras socioeconômicas corroem a possibilidade de um projeto comum de nação.
As eleições se transformaram em arenas de confronto ideológico extremo, onde o “nós contra eles” pauta o debate público diariamente, adia os assuntos estratégicos de médio e longo prazo para a construção da nação e elimina consensos possíveis.
De um lado e de outro, cresce a intolerância e a desconfiança mútua, alimentadas por bolhas de informação, muitas vezes formadas por fake news, recortes de Instagram que distorcem a intenção original e discursos inflamados. Esse fenômeno vem demonstrando seus resultados.
O espaço para o diálogo e a construção de consensos se estreita, e o pacto democrático, base de qualquer sociedade plural, fragiliza-se.
Mas a polarização política é apenas um dos pilares dessa casa rachada. A desigualdade social e econômica, histórica e persistente, segue como um abismo que separa brasileiros em mundos paralelos.
Enquanto uma parcela minoritária desfruta dos avanços tecnológicos e do acesso pleno à educação e à saúde de qualidade, milhões enfrentam a fome, o desemprego e a precarização das condições de vida.
A promessa constitucional de um país justo e solidário esbarra em números que revelam a concentração de renda, a exclusão e a violência. E, quando o governo da União — sob a gestão de um partido eleito com a promessa de ser o paladino das reformas sociais — é tragado por uma crise, como o escândalo do INSS, mais um prejuízo atinge a casa do povo.
Ainda assim, há características intrínsecas ao povo brasileiro que mantêm viva a esperança de que esse quadro possa ser revertido
A criatividade, a resiliência diante das adversidades e a notável capacidade de convivência entre diferentes culturas e etnias são traços que indicam o potencial de um desenvolvimento social robusto e sustentável.
A solidariedade comunitária, a alegria expressa na cultura popular e a tradição de acolhimento podem ser elementos catalisadores de um projeto nacional que valorize a diversidade, mas caminhe para reduzir as desigualdades e ampliar oportunidades para todos.
No Brasil, a combinação de divisão política e desigualdade estrutural cria um cenário de instabilidade crônica, e o risco já não é apenas o conflito, mas a indiferença: uma sociedade que, fraturada, deixa de se reconhecer como uma unidade, como uma casa comum.
Assim como Lincoln alertava que os Estados Unidos não poderiam continuar permanentemente metade livres e metade escravizados, o Brasil precisa encarar a sua própria encruzilhada: um país permanentemente dividido entre extremos políticos e econômicos não conseguirá sustentar sua democracia, nem garantir dignidade a todos os seus cidadãos.
O diagnóstico é duro, mas necessário: o Brasil, como país, é hoje uma casa dividida. E, como a história ensina, nenhuma casa assim permanece de pé por muito tempo.
É preciso que tenhamos, como nação, a coragem de buscar um futuro compartilhado, no qual a maioria queira viver, no qual se enxergue como brasileira, orgulhosa e otimista de uma sociedade diversa, mas que opta por enfatizar o que temos em comum, não aquilo que nos separa. E que eventuais discordâncias não sejam pretexto para a eliminação do outro.
Diego Nogueira é doutor em políticas públicas (UFPR) e pós-doutorando na Escola Nacional de Administração Pública.
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Fonte: Revista Oeste