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Comando Vermelho aposta na grilagem de terras Brasil afora


Em franca e contínua expansão pelo território brasileiro, o Comando Vermelho tem atuado cada vez mais na diversificação de seus negócios criminosos. Depois do domínio da distribuição do sinal de internet em diversas cidades do Nordeste e da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, o que ficou conhecido como ‘cybercangaço’, agora a facção criminosa investe na invasão e grilagem de grandes áreas públicas e particulares país afora. 

A prática — surgida em regiões dominadas pelo tráfico de drogas na região metropolitana do Rio de Janeiro e depois expandida para vilas ribeirinhas, quilombos e tribos indígenas na região amazônica — agora é colocada em curso pelo Comando Vermelho em outras localidade. A facção também abre, loteia, ergue e domina comunidades pobres em áreas de invasão nos estados de São Paulo e Mato Grosso.

Em Cuiabá, o Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Mato Grosso (MP-MT) realizou oito prisões em flagrante em abril, durante a Operação Incursio Contra Terram.

A operação foi deflagrada para desarticular uma organização criminosa suspeita de planejar e executar a invasão de uma grande área pública localizada entre a fábrica da Ambev e o Haras Twin Brother, na região do bairro Santa Rosa, na capital matogrossense. Além das prisões, foram autorizadas 11 ordens judiciais de busca e apreensão e registrados 60 Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCOs). O esquema contaria ainda com a participação de funcionários públicos.

O Ministério Público começou a investigar o caso após denúncias anônimas encaminhadas à ouvidoria da instituição. Constatou-se que o grupo agia com aval e financiamento do Comando Vermelho, que coordenou a ocupação ilegal da área. O Gaeco identificou os líderes locais da facção, que foram presos durante a operação.

De acordo com as investigações, a área invadida seria dividida em ruas e lotes, cada um sob responsabilidade de um integrante do Comando Vermelho, que administravam canais de comunicação por aplicativos de mensagens para organizar a invasão e repassar datas, locais e valores cobrados dos ocupantes do loteamento ilegal. A reportagem da Gazeta do Povo procurou o MP-MT, por meio de sua assessoria de imprensa, para uma entrevista com um promotor do Gaeco envolvido na operação, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.

Em 2023, um relatório de inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso já mostrava que traficantes ligados ao Comando Vermelho eram os financiadores das construções em outra comunidade carente erguida em uma área de mais de 50 hectares no Residencial Brasil 21, localizado na região do Contorno Leste de Cuiabá, invadida dois anos antes.

A facção financiava os materiais de construção e fazia a distribuição dos 577 lotes, além de controlar o acesso ao local, feito por uma estrada de terra aberta pelos bandidos. O terreno, de propriedade da Ávida Construtora, teve a posse reintegrada pela Justiça ainda em 2023. As construções irregulares foram demolidas e os invasores, expulsos.

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Sem resistência do PCC, facção carioca avança no litoral de São Paulo

De acordo com fontes das polícias de São Paulo e Rio de Janeiro ouvidas pela Gazeta do Povo, o Comando Vermelho tem avançado a partir de Paraty, no litoral sul fluminense, para o domínio do tráfico de drogas em regiões do litoral norte de São Paulo, onde não encontram resistência da facção criminosa PCC, hegemônica no território paulista. Segundo os policiais, a situação pode indicar que o PCC não tem interesse econômico na área, deixando a região livre para a facção carioca.

De acordo com Alexandre Affonso Castilho, promotor do Gaeco do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), a facção do Rio também é suspeita de liderar invasões de terra e grilagem de terrenos na região de Ubatuba e Caraguatatuba. “A ocupação do Comando Vermelho está sendo sorrateira, paulatina”, afirmou o promotor em entrevista ao portal Metrópoles.

“É uma região que geograficamente propicia ocupações irregulares e clandestinas. Não tem fiscalização firme. Em alguns lugares há núcleos congelados, mas não há política pública para impedir a ocupação irregular. A grilagem é um problema grave”, disse o promotor ao Estadão.

Conforme Castilho, territorialmente o Comando Vermelho gosta de ambientes com ocupação de morros e encostas. “O Comando Vermelho se interessou pela temática porque a terra no litoral é cara. Esse sistema de grilagem, além da ocupação em si, gera lucro, porque o valor do metro quadrado no litoral norte é altíssimo”, avalia.

Para o advogado Fernando Capano, doutor pela Universidade de São Paulo (USP) especializado em Direito Militar e Segurança Pública, a invasão, grilagem, loteamento e posterior domínio da comunidade em uma área ilegal é um caminho natural na expansão do domínio sobre o território promovido por facções criminosas como o Comando Vermelho.

“Eles passam a dominar todo o ciclo econômico e de existência do lugar, que não existiria sem a organização criminosa. Uma vez estabelecido o novo ‘bairro’, a quadrilha passa a ter um ponto a mais de estocagem e distribuição de drogas e armas, onde pode cobrar proteção de comerciantes e moradores,e monopolizar os serviços de distribuição de gás, internet e TV a cabo. Essa perda completa de soberania do Estado no local é muito grave e preocupante.”

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Comando Vermelho exportou modelo do Rio para o Amazonas 

Capano lembra que a prática de grilagem por parte de milícias e facções criminosas não é nova no Rio de Janeiro. Desde pelo menos o início de março, uma área de aproximadamente 5 mil metros quadrados na Penha Circular, na zona norte da cidade, pertencente à prefeitura, está sendo invadida a mando de traficantes do Comando Vermelho, sediados no Complexo da Penha.

De acordo com investigações da 22ª DP, a ação seria ordenada por Edgar Alves de Andrade, o Doca ou Urso, um dos líderes da facção. Um vídeo compartilhado pela polícia carioca nas redes sociais mostra que alguns tijolos foram pichados com a sigla “CV”. Além disso, há sinais de obra recente no local, com tijolos e cimento fresco. A suspeita, segundo a 22ª DP, é de que o local seja loteado e comercializado.

Em nota, a Secretaria municipal de Ordem Pública do Rio informa que demoliu duas construções irregulares em fase de alvenaria e 15 em fase de fundação, todas construídas externamente ao terreno. Quarenta lotes foram identificados no local. A investigação da 22ª DP aponta que os lotes seriam vendidos por R$ 10 mil, com aluguel na faixa de R$ 800.

Há seis anos, em outro exemplo, 24 pessoas morreram após um edifício residencial construído ilegalmente em uma área de invasão na comunidade da Muzena, na zona Oeste do Rio, desabar. A área de mata foi aberta e o prédio construído pela milícia, que dominava a região na época. Hoje, a área está nas mãos do Comando Vermelho e continua invadida.

“Essa perda completa de soberania do Estado no local é muito grave e preocupante”

Fernando Capano, especialista em Direito Militar e Segurança Pública

Na Amazônia, em paralelo à consolidação e domínio das rotas de narcotráfico fluvial que trazem cocaína da Bolívia, Colômbia e Peru para o Brasil, a partir de 2017, o Comando Vermelho aplica o mesmo “modus operandi” desde 2022. Por lá, a invasão de terras ainda tem o atrativo econômico adicional da derrubada de madeira da floresta ou a possibilidade de garimpo ilegal, para além do valor da terra em si, em áreas de mata fechada e difícil acesso.

Enquanto o que prevalece é a falta de integração e organização entre estados e governo federal no combate ao crime organizado, as facções criminosas altamente organizadas se espalham e conquistam porções cada vez maiores do território brasileiro.

“Hoje o Comando Vermelho pode tranquilamente ser enxergado como uma grande máfia nos moldes italianos. Estamos chegando em um nível muito perigoso desta metástase das facções criminosas do Brasil, onde elas estão presentes dominando cada vez mais território país afora. Elas estão infiltradas em praticamente todos os ramos da atividade econômica e em instituições do Estado, sem que haja uma resposta à altura dos governantes de plantão”, alerta Capano.



Fonte: Revista Oeste

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