Oito vezes — ou sete, a depender do referencial — em três anos, contando agora com o The Town. Dificilmente um artista de renome global esteve no Brasil tantas vezes quanto Bruce Dickinson no pós-pandemia. Além de três turnês solo (uma delas com um tributo a Jon Lord) e outras duas com o Iron Maiden, o vocalista inglês esteve aqui para dar palestras e participar da CCXP23.
Dickinson sabe que nosso país é o que mais ouve Iron Maiden no mundo. Também é o que mais aprecia sua carreira solo, retomada também no pós-pandemia com o álbum The Mandrake Project (2024), seu primeiro em quase 20 anos. No Spotify, das cinco cidades que mais ouvem seus discos longe do Maiden, quatro são brasileiras: São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. A título de curiosidade, a única “forasteira” é Santiago do Chile, na terceira posição.
Por tudo isso, soou natural a sua volta para se apresentar no palco Skyline do The Town neste domingo, 7, ainda que em um dia de atrações focadas em punk rock e com uma turnê que já havia passado pelo Brasil, promovendo o disco de 2024. Com o Maiden, Bruce esteve por cinco vezes no palco do Rock in Rio (inclusive na edição inaugural em 1985), mas nunca havia tocado no festival paulistano dos mesmos realizadores, agora em sua segunda edição. Embora siga com muita lenha para queimar, o ícone do heavy metal está mais próximo do fim da carreira. Era necessário ter em seu currículo uma visita ao “Rock in Rio da garoa”.
Acompanhado de uma competente formação composta por Philip Naslund (guitarra), Chris Declercq (guitarra), Tanya O’Callaghan (baixo), Dave Moreno (bateria) e Mistheria (teclados), Dickinson ofereceu ao público do Autódromo de Interlagos um bom set praticamente todo focado em sua trajetória solo. A exceção foi o encerramento com “Flash of the Blade”, faixa lançada pelo Maiden no álbum Powerslave (1984), mas nunca tocada ao vivo pelo grupo.
Quatro décadas se passaram e Bruce perdeu praticamente nada daquele ímpeto que cativou o Rio e, consequentemente, o Brasil. Mesmo aos 67 anos e tendo enfrentado um câncer na língua — devidamente curado —, o cantor preservou o seu poderio vocal e, dentro do que é humanamente possível, disposição física. O alcance de seu gogó segue extenso, mas agora encontra timbres ligeiramente mais graves e profundos, que caem muito bem no seu repertório solo, mais pesado e focado nos baixos que o executado pelo Maiden.
Tais características são notadas, em especial, nas canções introdutórias. Algumas delas são as melhores do set: a inaugural “Accident of Birth”, a paulada “Laughing in the Hiding Bush”, ambas logo ao início da performance, e “Book of Thel”, mais ao fim. As duas canções de The Mandrake Project — “Resurrection Men” e “Rain on the Graves” — no geral soaram melhores do que nas gravações em estúdio, mas carecem da inspiração que se sente especialmente nas faixas dos discos Balls to Picasso (1994), Accident of Birth (1997) e The Chemical Wedding (1998).
O único momento de resposta mais notória de uma plateia claramente mais punk que metal veio da mega-balada “Tears of the Dragon”, do álbum de 31 anos atrás, recém-relançado em versão reimaginada. Surpreende que esta canção fique de fora dos setlists a depender do show, pois é o maior hit de Bruce fora do grupo que o consagrou. Caso a cortasse no Brasil, ainda mais de um repertório tão fora do “lugar-comum”, deixaria muita gente desapontada.
Outro curioso ponto divergente em relação ao Maiden é a simplicidade visual do show solo. No sexteto capitaneado pelo baixista Steve Harris — no qual Dickinson é apenas um importantíssimo funcionário —, a estética de palco dialoga de modo direto com a música, seja pelo que é exibido nos panos de fundo/telões, figurinos, aparições do mascote Eddie e por aí vai. Com Bruce e sua banda, vale apenas o que é cantado ou tocado, com nada além do “M” de Mandrake surgindo nas telas e trajes bem básicos, incluindo um curioso gorro responsável por esconder as longas madeixas do agora cabeludíssimo vocalista.
Como destacado, o fim do set trouxe a única música do Iron Maiden: “Flash of the Blade”. É quase uma prévia do que o público brasileiro irá conferir na próxima visita do inglês. Ele mesmo já confirmou: o Maiden estará de volta ao nosso país no ano que vem.
Mas o trabalho “paralelo” de Bruce, que deve ganhar mais um álbum em 2027, passa longe de ser prêmio de consolação. Quem se dispôs a assisti-lo no The Town percebeu que há certa vida própria na carreira solo do vocalista, a ponto de ter valido a pena retomar o projeto a essa altura do campeonato.
Setlist do show de Bruce Dickinson:
1. Accident of Birth
2. Abduction
3. Laughing in the Hiding Bush
4. Road to Hell
5. Chemical Wedding
6. Resurrection Men
7. Rain on the Graves
8. Tears of the Dragon
9. Book of Thel
10. Flash of the Blade (Iron Maiden)
+++LEIA MAIS: Capital Inicial volta a ser punk por um dia no The Town
Fonte: rollingstone.com.br