Não deveria surpreender ninguém que Bad Bunny tenha escolhido seu próprio aniversário de 31 anos para lançar o tão aguardado videoclipe de “LA MuDANZA”. A faixa é uma salsa efervescente que, assim como “BAILE INoLVIDABLE”—outro grande sucesso de “DeBÍ TiRAR MáS FOToS”—se inspira na era da salsa gorda. Mas não é só um tributo musical; a canção é profundamente pessoal. Ela começa com um trecho falado, onde Benito narra a história de como seus pais se conheceram por acaso nos anos 90 e, eventualmente, tiveram o filho que se tornaria uma superestrela global.
O vídeo mergulha na memória, abrindo com fotos vintage das pessoas mencionadas na música: seu pai, Benito; seu avô, Benito (já dá para notar um padrão); e, por fim, sua mãe, Lysaurie, carinhosamente chamada de “Lisy“. Logo depois, a narrativa se transforma em uma recriação estilizada do dia em que o recém-nascido Benito deixou o hospital—com seu irmão mais novo, Bernie Martínez, interpretando o pai. Enquanto os jovens pais se afastam, o bebê Benito já começa a rimar junto com a música.
A partir daí, o vídeo adota uma linguagem mais política e ativista, um fio condutor que atravessa todo DTmF desde o primeiro single, “EL CLúB”. Há ecos de “El Apagón” (2022), do álbum Un Verano Sin Ti, que veio acompanhado de um documentário de 18 minutos, no qual a jornalista Bianca Graulau abordou problemas persistentes em Porto Rico — como a privatização das praias e a gentrificação desenfreada.
Em “LA MuDANZA”, Bad Bunny e seu colaborador de longa data, o diretor criativo Janthony Oliveras, enchem o clipe de referências explícitas aos movimentos de resistência e pró-independência porto-riquenhos, que há décadas lutam contra o status colonial da ilha. Até 2023, o artista evitava tomar uma posição política definitiva, mas no ano passado, rompeu o silêncio e apoiou abertamente Juan Dalmau, candidato pró-independência ao governo de Porto Rico nas eleições de 2024. No entanto, essa não foi a primeira vez que ele insinuou seu alinhamento com o movimento.
A seguir, contextualizamos algumas das imagens do clipe e seu significado dentro da visão política de Bad Bunny sobre Porto Rico.
A Bandeira Azul Claro
Em 1948, o Senado porto-riquenho aprovou a famigerada Ley de la Mordaza (ou “Lei da Mordaça”), que tornava crime a posse ou exibição da bandeira porto-riquenha, a produção de textos pró-independência e até mesmo a associação com simpatizantes do movimento. Revogada apenas nove anos depois, a lei deixou um rastro de repressão, violência e mortes.
Bad Bunny faz referência a esse período na música quando canta:
Aquí mataron gente por sacar la bandera,
Por eso es que ahora yo la llevo donde quiera.(“Aqui mataram pessoas por erguer a bandeira,
Por isso eu a levo comigo para onde for.”)
No clipe, ele segura a bandeira bem alto enquanto corre por um campo, perseguido por figuras que representam as forças da lei.
A bandeira em questão não é a versão oficial aprovada pelo governo em 1995, mas sim a variação azul-clara, historicamente associada ao movimento pró-independência. O tom mais claro remete à bandeira revolucionária da cidade de Lares, usada durante a Revolta do Grito de Lares em 1868 contra o domínio espanhol. Desde então, o dia 23 de setembro, data da revolta, tornou-se um marco simbólico para os defensores da independência porto-riquenha.
Protestos em Vieques
Em determinado momento do clipe, surgem imagens em preto e branco de manifestantes confrontando tropas dos EUA. Algumas dessas fotos, capturadas pelo renomado fotógrafo Ricardo Alcaraz e outros, retratam os protestos contra a ocupação militar da ilha de Vieques, que duraram do final dos anos 1970 até o início dos anos 2000. Durante décadas, a Marinha dos EUA usou Vieques como campo de treinamento, lançando centenas de bombas nas imediações da ilha e expondo seus moradores a substâncias tóxicas. Críticos apontam que Vieques tem uma taxa de câncer 30% maior do que o restante de Porto Rico — ainda que o governo americano nunca tenha assumido responsabilidade pelo impacto ambiental e na saúde da população.
Protegendo as Costas
Bad Bunny fez da preservação das praias de Porto Rico uma de suas bandeiras ao falar sobre o futuro da ilha. Seu mais recente vídeo termina com uma sequência de imagens de diferentes litorais, incluindo o icônico farol de Punta Higüero, em Rincón, na costa oeste — um destino querido por turistas e moradores.
A escolha dessas cenas pode parecer apenas estética à primeira vista, mas carrega um significado mais profundo. Um dos debates mais acalorados no momento envolve o projeto “Esencia”, apoiado pelo Mandarin Oriental Hotel Group e outros investidores estrangeiros. A proposta visa transformar a Baía de Boquerón, em Cabo Rojo, em uma “comunidade costeira cosmopolita”, privatizando mais de 2.000 acres de terra. O plano inclui hotéis de luxo, residências exclusivas, campos de golfe e escolas particulares — um enclave para poucos, à custa do acesso público à costa.
Nos últimos meses, os protestos contra o projeto se intensificaram. Fóruns públicos reúnem ambientalistas, moradores, ativistas e representantes dos investidores para decidir o destino da construção. Para Bad Bunny e muitos porto-riquenhos, Esencia é um prenúncio de um futuro onde a especulação imobiliária toma conta das praias — algo já em curso na cidade de Fajardo, no leste da ilha.
Ao exibir a beleza natural das costas porto-riquenhas, Benito parece enviar uma mensagem clara: “É isso que querem nos tirar”. Um posicionamento que ecoa suas críticas anteriores em “El Apagón” e sua mais recente faixa, “LO QUE LE PASÓ A HAWAII”.
Hostos
Embora não tenha aparecido no corte final do vídeo, o diretor Janthony Oliveras revelou uma imagem dos bastidores mostrando um mural de Eugenio María de Hostos no set da cena musical de encerramento. Na faixa, Benito canta:
Si mañana muero yo espero que nunca olviden mi rostro,
Y pongan un tema mío el día que traigan a Hostos.(“Se eu morrer amanhã, espero que nunca esqueçam meu rosto,
E toquem uma das minhas músicas no dia em que trouxerem Hostos de volta.”)
Eugenio María de Hostos foi advogado, educador, filósofo e uma das figuras centrais do movimento pró-independência porto-riquenho. Morreu em 1903 na República Dominicana, inconformado com o fato de que Porto Rico apenas trocou um colonizador (Espanha) por outro (EUA). Seu desejo final foi categórico: não queria ser enterrado na ilha até que ela fosse, de fato, livre.
Com esse contexto em mente, as palavras de Bad Bunny ganham ainda mais peso. Seu posicionamento não poderia ser mais explícito: como Tego Calderón antes dele, Benito se tornou a voz musical mais popular a apoiar a independência de Porto Rico.
* Matéria publicada na Rolling Stone originalmente no dia 12 de março de 2025. Veja aqui.
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Fonte: rollingstone.com.br