Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco, morreu nesta segunda-feira (21), aos 88 anos, no Vaticano. O primeiro pontífice latino-americano da história da Igreja Católica nos deixou menos de 24 horas após sua última aparição pública, durante a celebração da Páscoa, na Praça de São Pedro, em Roma — um momento que, agora, ganha contornos de despedida cuidadosamente coreografada, entre liturgia, gesto político e uma comovente mensagem de fé.
No Domingo de Páscoa, visivelmente fragilizado, Francisco acenou da varanda da Basílica de São Pedro enquanto milhares de pessoas explodiam em aplausos ao som dos hinos da Santa Sé e da Itália, executados por uma banda militar. Em seguida, percorreu a praça no papamóvel, abençoando a multidão em silêncio. A tradicional Missa de Páscoa foi celebrada por um substituto, o cardeal Angelo Comastri, arcipreste aposentado da Basílica, enquanto um assessor leu a homilia escrita pelo próprio Papa.
O discurso — que agora se torna seu testamento espiritual — foi uma das declarações mais tocantes de Francisco em anos: uma meditação sobre o movimento da fé, a busca incessante pelo Cristo vivo, e uma negação do conformismo espiritual. Foi também uma ode à esperança, ainda que embebida de um certo adeus. “A Páscoa põe-nos em movimento”, escreveu ele.
Corramos ao encontro de Jesus, redescubramos a graça inestimável de ser seus amigos.”
O texto, lido para o mundo enquanto o papa observava da sacada, destacou o gesto dos primeiros seguidores de Jesus no dia da ressurreição — correndo, atônitos, mas cheios de fé. Essa metáfora do “correr” costura toda a homilia, que traz ainda uma citação poética de Adriana Zarri e uma evocação à alegria do recomeço.
Francisco também recebeu, no mesmo dia, uma visita com grande peso político: o vice-presidente dos Estados Unidos, J.D. Vance, que esteve com a família na Casa Santa Marta, residência oficial do Papa. Um vídeo divulgado pelo Vaticano mostra o pontífice sentado em uma cadeira de rodas, sorrindo e oferecendo ovos de Páscoa às crianças, um terço ao político e até uma gravata com o brasão papal — gesto carregado de simbolismo, principalmente em tempos de tensão global.
A trajetória de Francisco sempre foi marcada por sua habilidade em fundir compaixão, firmeza e política em uma só linguagem. Desde que assumiu o pontificado em 2013, o argentino — nascido em Buenos Aires e membro da ordem jesuíta — se notabilizou por discursos sociais incisivos, abertura ao diálogo inter-religioso e críticas contundentes ao capitalismo selvagem, à destruição ambiental e à hipocrisia interna da própria Igreja.
Seu legado inclui ainda a aproximação com populações marginalizadas, os esforços por uma Igreja mais acolhedora e um chamado constante à ação: “sair às periferias”, como dizia, tanto geográficas quanto existenciais.
A homilia lida neste último domingo, mesmo na ausência física de sua voz, representa com fidelidade a essência do seu pontificado: o desejo de uma fé viva, humana e inquieta. “Tudo é novo, Senhor, e nada repetido, nada envelhecido”, conclui o texto. Francisco se despede pedindo movimento, poesia, fé — e olhos maravilhados diante de cada amanhecer.

Leia abaixo, na íntegra, a última homilia de Páscoa escrita por Papa Francisco:
“Maria Madalena, ao ver que a pedra do sepulcro tinha sido removida, começou a correr para ir avisar Pedro e João. Também os dois discípulos, tendo recebido aquela surpreendente notícia, saíram e – diz o Evangelho – «corriam os dois juntos» (Jo 20, 4). Os protagonistas dos relatos pascais correm todos! E este “correr” exprime, por um lado, a preocupação de que tivessem levado o corpo do Senhor; mas, por outro lado, a corrida de Maria Madalena, de Pedro e de João fala do desejo, do impulso do coração, da atitude interior de quem se põe à procura de Jesus. Ele, com efeito, ressuscitou dos mortos e, portanto, já não se encontra no túmulo. É preciso procurá-lo noutro lugar.
Este é o anúncio da Páscoa: é preciso procurá-lo noutro lugar. Cristo ressuscitou, está vivo! Não ficou prisioneiro da morte, já não está envolvido pelo sudário e, por isso, não podemos encerrá-lo numa bonita história para contar, não podemos fazer dele um herói do passado ou pensar nele como uma estátua colocada na sala de um museu! Pelo contrário, temos de O procurar, e, por isso, não podemos ficar parados. Temos de nos pôr em movimento, sair para O procurar: procurá-lo na vida, procurá-lo no rosto dos irmãos, procurá-lo no dia a dia, procurá-lo em todo o lado, exceto naquele túmulo.
Procurá-lo sempre. Porque se Ele ressuscitou, então está presente em toda a parte, habita no meio de nós, esconde-se e revela-se ainda hoje nas irmãs e nos irmãos que encontramos pelo caminho, nas situações mais anónimas e imprevisíveis da nossa vida. Ele está vivo e permanece sempre conosco, chorando as lágrimas de quem sofre e multiplicando a beleza da vida nos pequenos gestos de amor de cada um de nós.
Por isso, a fé pascal, que nos abre ao encontro com o Senhor ressuscitado e nos dispõe a acolhê-lo na nossa vida, é tudo menos uma acomodação estática ou um pacífico conformar-se numa segurança religiosa qualquer. Pelo contrário, a Páscoa põe-nos em movimento, impele-nos a correr como Maria de Magdala e como os discípulos; convida-nos a ter olhos capazes de “ver mais além”, para vislumbrar Jesus, o Vivente, como o Deus que se revela e ainda hoje se torna presente, nos fala, nos precede, nos surpreende. Como Maria Madalena, podemos fazer todos os dias a experiência de perder o Senhor, mas todos os dias podemos correr para O reencontrar, sabendo com certeza que Ele se deixa encontrar e nos ilumina com a luz da sua ressurreição.
Irmãos e irmãs, aqui está a maior esperança da nossa vida: podemos viver esta existência pobre, frágil e ferida agarrados a Cristo, porque Ele venceu a morte, vence a nossa escuridão e vencerá as trevas do mundo, para nos fazer viver com Ele na alegria, para sempre. Em direção a esta meta, como diz o Apóstolo Paulo, também nós corremos, esquecendo o que fica para trás e vivendo orientados para o que está à nossa frente. Apressemo-nos então a ir ao encontro de Cristo, com o passo ligeiro de Maria Madalena, Pedro e João.
O Jubileu convida-nos a renovar em nós mesmos o dom desta esperança, a mergulhar nela os nossos sofrimentos e as nossas inquietações, a contagiar aqueles que encontramos no caminho, a confiar a esta esperança o futuro da nossa vida e o destino da humanidade. Por isso, não podemos estacionar o nosso coração nas ilusões deste mundo, nem fechá-lo na tristeza; temos de correr, cheios de alegria. Corramos ao encontro de Jesus, redescubramos a graça inestimável de ser seus amigos. Deixemos que a sua Palavra de vida e verdade ilumine o nosso caminho. Como dizia o grande teólogo Henri de Lubac, «bastar-nos-á compreender isto: o cristianismo é Cristo. Verdadeiramente, não há nada mais do que isso. Em Cristo temos tudo.
E este “tudo”, que é Cristo ressuscitado, abre a nossa vida à esperança. Ele está vivo e ainda hoje quer renovar a nossa vida. A Ele, vencedor do pecado e da morte, queremos dizer:
‘Senhor, nesta festa, pedimos-vos este dom: que também nós sejamos novos para viver esta perene novidade. Afastai de nós, ó Deus, a poeira triste da rotina, do cansaço e do desencanto; dai-nos a alegria de acordar, a cada manhã, com os olhos maravilhados, para ver as cores inéditas daquele amanhecer, único e diferente de todos os outros. […] Tudo é novo, Senhor, e nada repetido, nada envelhecido’.
Irmãs, irmãos, na maravilha da fé pascal, trazendo no coração todas as expectativas de paz e libertação, podemos dizer: Convosco, Senhor, tudo é novo. Convosco, tudo recomeça”.
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Fonte: rollingstone.com.br