A adolescência brasileira, como aponta a contundente pesquisa do Instituto Papo de Homem com apoio do Pacto Global da ONU, está à deriva. Vítima da ausência de referências, mergulhada em solidão afetiva e contaminada por conteúdos tóxicos, nossa juventude vive uma silenciosa tragédia moral. Um em cada cinco meninos entre 13 e 17 anos se declara viciado em pornografia. Outros tantos admitem dependência de games. E mais de 14% têm em influenciadores digitais as suas principais referências masculinas. Esses dados, mais do que números, são clamores. Clamores por afeto, por autoridade moral e, sobretudo, por presença. Tudo isso fica muito claro em excelente reportagem da jornalista Renata Cafardo.
Vivemos uma profunda crise de identidade masculina. A figura do pai — não no sentido biológico, mas simbólico — está ausente ou fragilizada. Mais de 60% dos jovens entrevistados dizem conviver com poucos ou nenhum homem que considerem um bom exemplo de masculinidade. E talvez o dado mais alarmante: metade dos adolescentes não sabe dizer se é amada por seu pai. O que poderia ser um alicerce tornou-se uma ausência. O que deveria formar, corrige mal. O que foi feito para proteger, já não está.
Não é difícil entender a causa. A desestruturação familiar, somada à omissão educacional e ao avanço das tecnologias digitais como substitutos da convivência, criou uma geração hipersensível e hiper conectada, porém emocionalmente órfã. E uma criança ou adolescente emocionalmente órfão — ainda que viva com seus pais — está muito mais vulnerável às distorções do mundo adulto travestidas de entretenimento.
A série “Adolescência”, da Netflix, que narra a história de um garoto de 13 anos que comete um crime bárbaro na escola, escancarou a urgência de um debate que há muito precisa ser feito: o que estamos formando? Que tipo de homem emerge dessa juventude desprovida de bússolas morais?
A pornografia, nesse contexto, ocupa um papel central. Em artigo anterior, denunciei o poder destrutivo desse vício — que não é apenas um consumo inofensivo, como muitos insistem em afirmar, mas uma escola de desumanização. A pornografia ensina a brutalização das relações, distorce o olhar sobre o outro, mata a ternura e anestesia a capacidade de amar. Um adolescente viciado em pornografia não apenas consome imagens, mas vai sendo, pouco a pouco, deformado por elas.
O vício digital, somado à ausência paterna e à invisibilidade da autoridade moral dentro de casa, tem consequências visíveis: aumento da violência, apatia escolar, impulsividade e uma crescente sensação de vazio. E o que é mais grave: muitos desses meninos não veem saída. O futuro lhes parece um lugar sem sentido. Daí o fascínio por figuras artificiais, como os influenciadores digitais, que oferecem respostas fáceis a perguntas difíceis.
A cultura digital, por sua vez, não tem compromisso com a formação. O algoritmo se alimenta de vício, e o vício é lucrativo. Quanto mais tempo esses meninos passam diante das telas, mais se distanciam da realidade concreta. E quanto mais distantes da realidade, mais frágeis se tornam. E quanto mais frágeis, mais suscetíveis ao consumo de conteúdos destrutivos. Um ciclo perverso que a ausência familiar não apenas permite, mas muitas vezes legitima.
Não é preciso ser um especialista para perceber que há algo profundamente errado na forma como a sociedade contemporânea tem educado os meninos. As escolas hesitam, os pais se omitem e os meios de comunicação se calam. O resultado? Uma geração órfã, ainda que cercada de tecnologia, conforto e acesso à informação.
Mas há caminho. A reconstrução passa, necessariamente, pela família. Em artigos anteriores, defendi com convicção que é na família — e apenas nela — que se estabelece a verdadeira formação do caráter. É na convivência familiar que se molda o coração. O problema é que muitas famílias terceirizaram essa missão. Pais exaustos, mães sobrecarregadas, lares sem tempo. A rotina esmaga o diálogo, e o diálogo é substituído por telas.
Reaprender a conviver, reaprender a estar junto. Esse é o desafio. Os adolescentes não precisam de perfeição, mas de presença. Precisam de pais que digam “eu te amo”, de homens que mostrem, pelo exemplo, o que significa ser forte sem ser violento, decidido sem ser opressor, sensível sem ser frágil.
Precisamos resgatar o valor da autoridade. Autoridade não como autoritarismo, mas como referencial. Toda criança precisa saber que existe um limite. E que esse limite não é uma punição, mas um ato de amor. Num mundo onde tudo é permitido, o jovem se perde. É a ordem que forma. É o “não” que protege.
O futuro dos meninos — e, por extensão, da sociedade — dependerá da nossa coragem de resgatar os valores perenes. Isso significa dizer não ao relativismo moral, enfrentar a normalização da pornografia, romper com a cultura do “deixa estar”. Isso significa, sobretudo, voltar para casa. Reconstruir o lar. Reconstruir a autoridade do pai, o afeto da mãe, o diálogo com os filhos.
A juventude grita por presença. Que não sejamos surdos.
Fonte: Revista Oeste