Na vida de Roberta Campos, a música representa muita coisa: movimento, salvação, oportunidades; e agora a possibilidade de voltar-se a si mesma. Após 17 anos desde o lançamento do primeiro disco, Para Aquelas Perguntas Tortas (2008) — no qual foi responsável por todo o processo, da composição à criação do encarte —, a artista volta ao mundo independente de coração aberto em Coisas de Viver.
Dona de oito álbuns de estúdio e mais de 20 trilhas de novela, ela encara o lançamento não só como uma mudança na carreira, mas também como um momento para se apropriar do próprio trabalho em um processo tão íntimo quanto uma sessão de terapia.
Em conversa com a Rolling Stone Brasil, Roberta Campos explicou como fez para que Coisas de Viver saísse exatamente como gostaria, a volta ao universo independente e mais.
Vontade de falar do íntimo
Com nove faixas, o álbum lançado no início de fevereiro nasceu de uma parceria com Paulo Novaes. Sem grandes combinados ou especificações, Roberta enviou para o músico uma melodia que ela tinha feito. Então, Paulo criou a faixa-título “Coisas de Viver”, que embalou as outras partes do disco.
Ele a devolveu com uma letra tão pessoal que brotou a vontade de falar mais do meu íntimo. Eu sempre falo de mim em minhas composições, mas desta vez é do meu ‘eu’, da minha visão do mundo, dos meus sentimentos mais profundos. Eu me despi de tudo para compor essas canções.”
Os sentimentos mais profundos da artista passam, por exemplo, pelo dia em que ela voltou para São Paulo após a pandemia de Covid-19, uma história que ela conta em “Peito Aberto”.
“Eu me senti como no dia em que pisei aqui pela primeira vez, em 2004. Sou mineira de Caetanópolis e vir para São Paulo foi um choque. Mas, ao mesmo tempo, parece que abriu um portal maravilhoso, é a cidade que eu mais amo, minha casa mesmo. E voltar para cá me encheu de criatividade, de energia e de vontade.”
Em “Gérbera”, a artista fala sobre o prazer de dividir a vida com a esposa Marina Souza Campos. “Amanhã Também” explora o medo que não paralisa Roberta, suas dores, a resiliência e o amor que a preenche. “A Cor do Que eu Quero” fala sobre o tema sensível do abandono, que a fez ter sido criada pelos avós e crescido “cheia de feridas”. Na sequência vem “Atento”, que descreve o seu caminho da cura.
O encerramento é feito com “Escapulário”, a segunda parceria do disco, desta vez com Danilo Oliveira. Curiosamente, a música foi a primeira ser feita — e quase 10 anos antes do álbum, em 2016.
Eu criei ‘Escapulário’ em uma situação que não era exatamente a minha. Sempre gostei muito dela, mas nunca achei o momento de lançar. E aí mexendo nas minhas coisas antigas, eu topei com ela, decidi ouvir de novo e percebi que, na verdade, fiz ela para mim mesma. Então vi que tinha total sentido gravar nesse momento, porque ela tem a ver com essa etapa de mudança. E tem um verso que é muito importante: ‘Mesmo um passo em vão será em direção ao lar’. A gente sempre volta para nós, e foi o que fiz nesse disco. Voltei inteiramente para mim.”
Com tanta intimidade e profundidade, produzir Coisas de Viver foi quase como uma extensão da terapia, que Roberta frequenta há 15 anos. “Um monte de coisa acaba reverberando. É bem como a terapia mesmo, porque a gente vai se conhecendo. Nesse caminho eu fui me entendendo e aprendendo mais sobre o meu lugar no mundo, e também ficando mais segura para falar sobre algumas coisas.”
A artista se define como uma pessoa introspectiva. Por isso, abrir o coração como ela faz no disco teve seus desafios no início. Mas tudo foi superado com a convicção de alguém que se sente livre e à vontade consigo mesma.
Era o momento de falar essas coisas, estou bem tranquila. Fiquei feliz em poder gravar essas músicas e também pela troca com o público. Teve uma pessoa que me falou que uma das músicas tinha transformado ela e isso é muito emocionante. As pessoas estão me abordando de uma forma um pouco diferente. Acho que a intensidade das canções está fazendo com que o público também seja mais intenso.”
De volta à independência
Com o oitavo disco da carreira, Roberta Campos retorna ao mundo da música independente. Ela enxerga a mudança como uma oportunidade de se apropriar e conectar ainda mais com a própria obra. “Foi a primeira vez que construí o disco exatamente como eu gostaria… Essa é uma das coisas interessantes de ser uma cantora independente”.
A artista esclarece que os trabalhos feitos com a gravadora também saíram do jeito que quis, mas dependiam de alguns acordos e escolhas que precisavam ser alinhadas com o resto da equipe.
Estar em uma gravadora não interferiu nos meus discos. Mas dessa vez eu fiz exatamente como eu quis, da capa às pessoas que trabalharam comigo. Tive essa liberdade de escolher o estúdio, o produtor, os músicos, as canções, tudo.”
De volta à independência 17 anos depois de Para Aquelas Perguntas Tortas, Roberta traz na bagagem todas as experiências vividas nesse período.

Mudou muita coisa. Eu vejo um amadurecimento em todos os sentidos. Pessoal, principalmente, que acaba refletindo em tudo, mas também o jeito de cantar, tocar e escrever. Lembro que na terapia minha psicóloga falava assim: ‘Você tem que tomar para você o que é seu’. Eu não entendia muito, mas hoje entendo. Sei o valor da minha música, o meu lugar e o lugar onde minhas canções merecem estar. Acho que a gente se conhecer é muito importante para isso também.”
Nessa nova etapa da carreira, Roberta Campos pretende também dar continuidade à criação de músicas para trilhas de novela, séries e filmes. Enquanto isso, ela se prepara para uma agenda muito especial com passagens por diversas cidades do Brasil e apresentações internacionais em países como Portugal, Espanha e Cabo Verde. “Quero poder levar esse disco para maior parte dos lugares possíveis.”
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Fonte: rollingstone.com.br