Existem dois tipos de cineastas: aqueles que você assiste esperando ser surpreendido e aqueles que você já sabe muito bem o que vai encontrar quando os assiste. Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne (Dois Dias, Uma Noite) fazem parte do segundo grupo. Ao longo de mais de quatro décadas, eles construíram um cinema reconhecível, marcado por temas sociais urgentes, proximidade com personagens invisibilizados e pela atenção aos gestos cotidianos. Em Jovens Mães, vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes deste ano e exibido na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, os irmãos seguem fielmente essa linha, oferecendo um retrato sensível da maternidade precoce em um abrigo belga.
O foco da história recai sobre Jessica (Babette Verbeek), Perla (Lucie Laruelle), Julia (Elsa Houben), Ariane (Janaïna Halloy Fokan) e Naïma (Samia Hilmi), cinco adolescentes que buscam uma vida melhor para si e para seus bebês. Cada uma lida com desafios diferentes: amores não correspondidos, medo de repetir os erros das próprias mães, ausência do provedor da criança ou da família, rejeição materna, ou dependência de drogas. Entre decisões difíceis e afeto, essas jovens tentam aprender a cuidar de seus filhos sendo que elas mesmas nunca receberam os mesmos cuidados.
A câmera dos Dardenne permanece próxima, inquieta, respirando junto das personagens. É um cinema que prefere as pequenas expressões às grandes lições morais e redenções. O abrigo onde vivem funciona como um raro espaço de respiro, sustentado por políticas públicas que contrastam com realidades de países ainda travados em debates sobre aborto e autonomia feminina. Dentro desse microcosmo, a ternura parece ter encontrado seu último refúgio. O abrigo torna-se, ao mesmo tempo, casa e escola — o lar que muitas nunca tiveram. Cada atitude e movimento dessas jovens é uma tentativa de romper um ciclo de ausências. O olhar dos diretores é compreensivo, sem julgamentos, reconhecendo a humanidade de escolhas que surgem de uma realidade para a qual elas não estavam preparadas.
O que é curioso sobre Jovens Mães é que, apesar do cartaz trazer as cinco adolescentes lado a lado com seus bebês, em uma espécie de confraternização, essa imagem jamais se concretiza na trama. Trata-se de uma promessa de comunhão que o roteiro apenas sugere, mas nunca cumpre por completo. A interação entre as jovens é mínima, e talvez seja esse o único demérito do longa: apesar das garotas conviverem nesse abrigo, são poucas as cenas em que elas se encontram — cada uma delas está ocupada demais lidando com os seus dramas particulares.
Nos raros momentos em que uma estende a mão à outra, surgem cenas de ternura genuína — pequenas demonstrações de cuidado que cativam por revelar, em tela, uma sororidade discreta, um lampejo de família possível dentro do abrigo. São instantes que contrapõem, ainda que brevemente, o isolamento emocional que marca suas trajetórias. É como se o filme quisesse registrar não a força coletiva dessas jovens, mas a solidão que as atravessa, o esforço íntimo de quem tenta aprender, pouco a pouco, como tomar a decisão mais importante de suas vidas: ficar com a criança ou não.
Ao fim, Jovens Mães pode parecer menor na filmografia dos Dardenne, mas ao abrir mão de grandes reviravoltas e continuar fazendo o cinema social que marcou suas carreiras, eles permitem que pequenos atos nos revelem o essencial: um presente singelo que tira um sorriso honesto, um abraço com lágrimas há muito tempo guardadas, um pedido de desculpas sincero, uma nova chance. É um filme delicado, sensível e próximo do real, que reforça como os irmãos continuam encontrando humanidade em lugares invisíveis da sociedade.
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Angelo Cordeiro é repórter do núcleo de cinema da Editora Perfil, que inclui CineBuzz, Rolling Stone Brasil e Contigo. Formado em Jornalismo pela Universidade São Judas, escreve sobre filmes desde 2014. Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Pisciano, mas não acredita em astrologia. São-paulino, pai de pet e cinéfilo obcecado por listas e rankings.
Fonte: rollingstone.com.br


