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a família na era da perversidade moral


Entre todos os dilemas éticos do mundo contemporâneo, poucos revelam com tanta nitidez o conflito entre duas civilizações diferentes quanto a questão dos filhos. O modo como uma sociedade trata a vida, a família e a infância é o espelho de sua alma. Aqui se confrontam duas visões de mundo inconciliáveis: uma, enraizada na fé cristã e na ordem criada por Deus; outra, moldada por um secularismo ateísta que idolatra a autonomia e rejeita qualquer limite transcendente.

O teólogo batista Albert Mohler observa, em seu livro Desejo e engano: o verdadeiro preço da nova tolerância sexual, que vivemos não apenas uma mudança moral, mas uma revolução moral total: a inversão consciente da ordem natural e da lei divina. O que antes era considerado vício agora é celebrado como virtude; e o que antes era sinal de fidelidade tornou-se suspeito. Essa revolução, que se iniciou nos laboratórios da ideologia esquerdista, hoje se impõe nas escolas, nas leis e até nas consciências.

As contradições dos “direitos humanos”

Fala-se de “direitos humanos” com fervor quase religioso. Mas, como Mohler aponta, uma cultura que se emancipa de Deus perde o fundamento da dignidade. A palavra “dignidade” tornou-se flutuante, desligada da imagem de Deus que confere valor intrínseco a cada pessoa. Assim, a era que mais fala de justiça e compaixão é também a que mais nega o direito mais básico: o direito à vida. O que outrora era crime e tragédia agora é celebrado como ato de “liberdade”: o aborto, convertido em sacramento do individualismo.

É uma ironia sombria: a mesma sociedade que chora por florestas queimadas e animais em extinção legitima o extermínio de milhões de bebês. A cultura dos “direitos humanos”, ao se divorciar da lei moral de Deus, tornou-se cúmplice do que Mohler chama de “banalização do mal moral”. Defende-se o direito de quem grita, nunca o do inocente que chora. O homem moderno, tendo se coroado como criador e juiz, tornou-se legislador da própria ruína.

Quem não gera filhos tenta reeducar os filhos dos outros – transferindo ao Estado a autoridade espiritual que pertence aos pais

Mas o desprezo pela vida não se limita ao ventre. Ele se estende à própria estrutura da família e à formação das novas gerações. A chamada “obsessão progressista com os filhos alheios” – visível nas políticas de educação sexual precoce, nas cartilhas de ideologia de gênero e no revisionismo histórico que apaga as raízes cristãs do Ocidente – é, como Mohler adverte, uma tentativa de redefinir a natureza humana por meio da cultura. A revolução não busca apenas mudar leis, mas controlar corações.

A esterilidade dos progressistas

Um número significativo de esquerdistas vive o drama de uma esterilidade escolhida – biológica, espiritual e cultural. A civilização que idolatra o prazer e a autonomia torna-se incapaz de sustentar a vida. O progressismo, que promete libertação do passado, acaba gerando uma sociedade sem futuro. Adia o casamento, evita filhos e transforma a maternidade em fardo. É uma geração que celebra a autodeterminação, mas teme a continuidade; que fala de liberdade, mas foge da responsabilidade.

Mohler observa que essa infertilidade não é acidental, mas teológica: é o fruto inevitável de uma visão ateísta do mundo. Se não há Criador, não há propósito; se não há lei moral, não há razão para preservar a vida. A recusa da fecundidade é a confissão silenciosa de uma cultura que perdeu a fé no amanhã. Por isso, quem não gera filhos tenta reeducar os filhos dos outros – transferindo ao Estado a autoridade espiritual que pertence aos pais.

C. S. Lewis já previra esse colapso: “Ao conquistar a natureza, o homem acaba sendo conquistado por ela”. O domínio técnico sobre a reprodução e a vida, longe de libertar, transforma-se em barbárie administrada. Quando o homem se põe no lugar de Deus, ele não se torna divino – torna-se desumano.

A obsessão com os filhos dos outros

Quem rejeita o futuro que nasce do ventre precisa inventar um futuro ideológico, sustentado pelo Estado e moldado por propaganda. Por isso, a disputa central de nosso tempo é pela alma das crianças. A guerra cultural contemporânea é, na verdade, uma guerra pela imaginação moral da próxima geração.

Mohler chama isso de “catequese secular obrigatória”: a tentativa de substituir a autoridade dos pais pela doutrinação estatal. As escolas se transformaram em instrumentos de formação ideológica, e as crianças, em laboratório de experimentos morais. A desconstrução de identidades, o relativismo de valores e a politização da infância não são desvios – são o próprio método da revolução.

As políticas de “educação sexual” impostas a crianças, o revisionismo histórico e a normalização das ideologias de gênero formam uma engenharia cultural planejada para capturar a consciência infantil antes que os pais a moldem na fé. Como disse Gramsci, a revolução não se faz com armas, mas com escolas e livros. A pedagogia substitui a teologia; o Estado ocupa o lugar da família.

Essa invasão da infância é uma idolatria cultural. O secularismo ateísta copia o vocabulário cristão, falando em amor, dignidade e justiça, mas esvazia-o de transcendência. Ele quer os frutos do evangelho sem o evangelho, o Reino sem o Rei. O resultado é um moralismo sem moral, uma religião civil que canoniza o desejo e demoniza a verdade.

A guerra cultural contemporânea é, na verdade, uma guerra pela imaginação moral da próxima geração

Por isso, a defesa da vida e da família não é um tema moral secundário, mas o coração da batalha espiritual do nosso tempo. Quando a cultura renuncia à verdade, a fidelidade familiar se torna ato de resistência. Cada pai e mãe que ensina seus filhos na disciplina do Senhor está travando uma guerra silenciosa contra os falsos deuses da modernidade.

“Pais de pet” e a negação da paternidade

Entre os sintomas dessa crise civilizacional, poucos são tão reveladores quanto o fenômeno dos “pais de pet”. À primeira vista, parece algo inofensivo, um modo moderno de expressar afeto. Mas, como Mohler mostra ao analisar a “psicologização do amor”, isso revela a tentação de substituir a vocação pela emoção. Amar sem renunciar, cuidar sem gerar, relacionar-se sem responsabilidade.

Trata-se de uma caricatura da paternidade: busca-se a ternura, mas rejeita-se o sacrifício. Cuidar de um animal exige carinho, mas não requer morrer para si mesmo. E é precisamente essa morte, a entrega, a disciplina, o serviço, que define o amor cristão e a verdadeira vocação de pai e mãe.

A Escritura ensina que a família é imagem do próprio Deus. O amor paternal reflete o amor do Criador; o casamento espelha a união de Cristo e a Igreja. Quando uma sociedade abandona a fecundidade e troca filhos por afetos simbólicos, perde o espelho pelo qual compreende o amor divino.

A cultura dos “pais de pet” é, portanto, a celebração da infantilização espiritual: uma geração que quer os benefícios da afetividade sem os custos da maturidade. Ela revela o mesmo princípio da revolução sexual denunciada por Mohler: a dissolução de toda forma de autoridade moral. Negar a paternidade é negar o Pai. E negar o Pai é negar a própria humanidade.

A cultura da morte

O aborto é o ápice dessa rebelião antropológica. Ele não é apenas uma escolha política, mas uma declaração teológica. Dizer que uma mulher tem o direito de destruir a vida em seu ventre é afirmar, na prática, que o homem é o deus de si mesmo, o criador e destruidor, senhor do bem e do mal. É o eco moderno da serpente: “Sereis como Deus”.

Mohler chama o aborto de “sacramento sombrio do secularismo”. Ele revela a lógica de uma cultura que transformou a morte em instrumento de liberdade. João Paulo II, em sua encíclica Evangelium Vitae, resumiu com clareza: “Uma democracia sem valores converte-se facilmente em um totalitarismo visível ou disfarçado”; Mohler acrescenta: “Uma sociedade que perde o temor de Deus perde também o respeito pela vida”.

Quando a lei legitima o assassinato dos inocentes, o Estado se converte em cúmplice do mal moral. E toda civilização que mata seus filhos cava sua própria sepultura espiritual e demográfica

O aborto não é sinal de progresso, mas expressão de tirania – a tirania dos fortes sobre os fracos, dos nascidos sobre os não nascidos. Quando a lei legitima o assassinato dos inocentes, o Estado se converte em cúmplice do mal moral. E toda civilização que mata seus filhos cava sua própria sepultura espiritual e demográfica, como hoje se vê na Espanha, na Itália, na Grécia, em Portugal e no Canadá.

Fecundidade e fidelidade

A resposta da Igreja não pode ser meramente política; deve ser teológica e profética. A vida e a família são dons sagrados, e defendê-los é um ato de serviço ao Senhor. O testemunho cristão começa em casa. Numa era que despreza a maternidade, a mulher que acolhe a vida em seu ventre é um sinal de esperança: “[a mulher] será salva tendo filhos, se permanecer em fé, amor e santificação” (1Tm 2,15). Num tempo em que homens fogem da responsabilidade, o pai cristão que lidera e protege sua casa é um sinal de resistência e fé.

Mohler lembra que “o lar é o primeiro púlpito e a mesa é o primeiro seminário”. A fecundidade é um ato de fé: crer que Deus continua governando o mundo e que cada criança é uma promessa viva do futuro que ele prepara. Gerar e educar filhos na verdade é um sinal de resistência e fé.

A vida e a família são dons sagrados, e defendê-los é um ato de serviço ao Senhor. O testemunho cristão começa em casa

Francis Schaeffer dizia que “cada cristão deve ser um reformador de sua geração”. A reforma começa na casa, com pais que leem a Escritura aos filhos, oram por eles, os catequizam na fé e os enviam como “flechas nas mãos do guerreiro” (Sl 127,4). A igreja que valoriza a família como célula missionária forma discípulos capazes de reconstruir a civilização pela obediência cotidiana.

A guerra contra a vida e o chamado à esperança

Desde a Queda, toda nação carrega em si a semente do pecado, e Deus as julga por sua lei e por como tratam os mais frágeis da criação. O sangue dos filhos no ventre, das consciências corrompidas e das famílias desfeitas clama da terra. A cultura que chama o aborto de direito, que tenta reeducar os filhos dos outros e que transforma a paternidade em fardo é uma cultura em guerra com o Criador. Quando a infância é manipulada e a paternidade é negada, a própria imagem de Deus é profanada.

Contudo, há esperança: o evangelho continua sendo poder de restauração. Cristo perdoa o arrependido, cura o lar ferido e reconstrói o que o pecado destruiu. Escolher a vida, ou seja, gerar, ensinar, discipular, é o maior ato de fé num mundo estéril. Cada lar fiel proclama silenciosamente que o Deus da vida reina, e que nenhuma ideologia derrotará Seu poder criador.



Fonte: Gazeta do Povo

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