Ryan Murphy adora pegar o que o público acha que sabe e virar de cabeça para baixo. Ele fez isso com a história de O. J. Simpson, nos fazendo questionar se a promotora Marcia Clark havia sido injustamente difamada. Fez o mesmo com o caso Clinton-Lewinsky, apresentando a história de uma forma que reconhecia tanto o interesse sexual de Monica quanto a responsabilidade final de Bill. E, em 2024, fez isso com os irmãos Menendez, reexaminando o caso com tanta força e ressonância que os tribunais da Califórnia chegaram a reverter suas sentenças, abrindo a possibilidade de liberdade condicional.
Por isso, foi um pouco surpreendente saber que o novo capítulo da antologia Monstro, da Netflix — produzida por Murphy e, neste caso, escrita inteiramente por seu colaborador de longa data Ian Brennan —, teria como foco o assassino e ladrão de túmulos Ed Gein. Parecia não haver muito o que reavaliar sobre o “Monstro de Plainfield”, como ficou conhecido — um assassino infame por vestir a pele de cadáveres e manter uma casa cheia de objetos grotescos feitos de partes humanas em sua cidade natal, em Wisconsin, entre meados dos anos 1940 e 1950. Afinal, ele foi a inspiração notória de clássicos do terror como Psicose e O Silêncio dos Inocentes. (E, assim como quando Murphy escalou Harry Styles para interpretar o assassino e canibal Jeffrey Dahmer, muita gente estranhou a escolha de colocar o extremamente atraente Charlie Hunnam no papel principal.)
Mas, claro, a Ryan Murphy Productions encontrou um jeito. E mais: para o terceiro capítulo de Monstro, a equipe acrescentou uma nova virada. Monstro: A História de Ed Gein vai além de apenas lançar luz sobre os crimes do protagonista; ao incorporar as histórias que o inspiraram, bem como as histórias que ele acabou inspirando, a série coloca um espelho diante daqueles que consomem e se fascinam com o gênero do true crime. “Toda essa série vira a câmera diretamente para nós”, disse Brennan ao site oficial da Netflix, Tudum. “É muito importante o que você escolhe assistir e as imagens e histórias que consome. Elas ficam com você — e têm impacto.”
Ainda assim, para quem não está familiarizado, pode ser difícil distinguir o quanto da história de Gein é ficcionalizada, o quanto é exagerado e o quanto é, de fato, chocantemente verdadeiro. A seguir, um resumo para separar fato de ficção, segundo Rolling Stone.
A mãe de Gein era cruel e autoritária
O relacionamento mais importante da vida de Ed Gein foi com sua mãe, Augusta Gein (interpretada na série por Laurie Metcalf). Augusta era, de fato, controladora e fanaticamente religiosa, e proibia seus dois filhos de terem qualquer relação com mulheres, que ela via como pecadoras devassas. E embora não haja evidências de que ela repetisse a frase tantas vezes quanto na série, relatos indicam que ela realmente dizia ao filho: “só uma mãe poderia te amar”, segundo o livro fundamental sobre o caso, Deviant: The Shocking True Story of the Original ‘Psycho’, de Harold Schechter. Assim como mostrado em Monstro, Augusta sofreu um derrame fatal após se enfurecer com uma mulher local que acreditava estar vivendo em pecado — e, após sua morte, em 1945, Gein tentou (sem sucesso) exumar o corpo da mãe de um cemitério local, como retratado na produção.
Gein nunca foi oficialmente ligado à morte do irmão
O irmão mais velho de Gein, Henry (interpretado por Hudson Oz), aparece brevemente no primeiro episódio — apenas para ser morto por Ed. Na série, depois que Henry ameaça se mudar para morar com uma mulher duas vezes divorciada, Gein o atinge na cabeça com um tronco, arrasta o corpo até a fazenda da família e encena um incêndio no mato para queimar o cadáver. Na vida real, Ed afirmou que ele e o irmão estavam tentando controlar um incêndio quando Henry morreu (embora Henry já tivesse mencionado que talvez se mudasse para viver com uma namorada). A polícia descartou a hipótese de homicídio e determinou que a causa oficial da morte foi asfixia, levando à falência cardíaca. Depois que os crimes de Ed foram descobertos, surgiram suspeitas persistentes, mas ele nunca confessou ter matado o irmão.
Adeline Watkins negou ter namorado Gein
A representação de uma mulher chamada Adeline Watkins (Suzanna Son) como namorada de Gein é bastante livre. Embora uma mulher com esse nome realmente vivesse em Plainfield na época dos crimes, o grau de contato ou relação entre ela e Gein é incerto. Em uma entrevista de novembro de 1957 ao Minneapolis Tribune, Watkins afirmou ter tido um relacionamento de 20 anos com Gein e que ele chegou a pedi-la em casamento em seu último encontro, em fevereiro de 1955 — proposta que ela recusou. Ela também o descreveu como “bom, gentil e doce”. No entanto, poucos dias depois, Watkins entrou em contato com o editor do jornal local Plainfield Sun, negando ter tido um romance de duas décadas com Gein, dizendo que eram apenas amigos e que só o conhecia melhor desde 1954.
A casa da fazenda dos Gein era um casarão decadente e assustador
Além da família Gein, Monstro também mostra o interior da casa da fazenda — tanto antes quanto depois dos crimes. Assim como na vida real, a casa estava em péssimas condições nas décadas de 1940 e 1950, já que a família não conseguia pagar por reformas desde que se mudou para lá, em 1914. Por exemplo, a casa não tinha eletricidade nem encanamento interno. Monstro também retrata com precisão o interior da residência após Gein desenterrar nove corpos de mulheres: um cenário caótico de acúmulo de lixo, com partes de corpos guardadas em caixas e sacos, e máscaras feitas de rostos humanos penduradas nas paredes.
Gein era obcecado por uma nazista conhecida como a “Cadela de Buchenwald”
De acordo com Harold Schechter, Gein realmente tinha uma fascinação por Ilse Koch, que foi acusada de cometer algumas das piores atrocidades do Holocausto — incluindo usar pele humana para fabricar abajures e encadernações de livros. “Com sua imaginação doentia alimentada por relatos sobre Ilse Koch e seus artefatos de pele humana, Gein se ocupava produzindo objetos igualmente abomináveis”, escreve Schechter. Embora não haja provas da existência de uma revista em quadrinhos detalhando os crimes dela, como mostrado na série, havia de fato publicações sensacionalistas do pós-guerra que narravam as acusações contra Koch em detalhes brutais — muitas vezes alegando que ela era uma ninfomaníaca que sentia prazer na tortura e no sofrimento dos outros.
Essa versão caricata de Koch é a que aparece em Monstro, e foi, na verdade, parte do que convenceu a atriz alemã Vicky Krieps — cujo avô morreu no Holocausto — a aceitar o papel na adaptação de Ryan Murphy. “O que me ajudou foi saber que ela é baseada em um personagem de quadrinhos e, portanto, a fantasia de Ed Gein sobre ela vem dessa imagem”, contou à Variety. “Isso me libertou, e foi por isso que senti que poderia fazer o papel — porque era mais claro, interpretar alguém maior do que a vida.”
Koch nunca foi condenada por mutilar os corpos das vítimas assassinadas em Buchenwald; embora itens macabros tenham sido encontrados lá, não houve provas de que estivessem ligados a ela. Ela foi, no entanto, condenada por crimes de guerra e crimes contra a humanidade por seu envolvimento com o campo de concentração. É improvável que estivesse presente quando os americanos libertaram o campo — como retratado em Monstro — já que seu marido, o diretor do campo, havia sido destituído do cargo em 1941 por suspeita de corrupção e desvio de verbas, e executado pelos alemães em 1945. (Ela realmente, como mostrado na série, morreu por suicídio em 1967, em sua cela na Alemanha Ocidental sob ocupação americana.)
Nos últimos anos, há um movimento para reavaliar o papel de Koch na guerra. O livro Ilse Koch on Trial: Making the Bitch of Buchenwald (2023) argumenta que, embora ela tenha sido uma criminosa, sua persona sexualizada e monstruosa foi inflada para transformá-la em bode expiatório do povo alemão — uma forma de concentrar as atrocidades do Holocausto em uma única figura.
Koch não foi a única nazista sobre quem Gein leu. Segundo Schechter, ele também se interessava por Irma Grese, conhecida como a “Hiena de Auschwitz”. Gein também lia vorazmente sobre “canibais e caçadores de cabeças”, demonstrando especial fascínio pelo processo de encolhimento de crânios.
Gein realmente roubava túmulos e coletava “troféus” dos corpos
A maneira como Monstro retrata o tratamento dado por Gein aos corpos das mulheres que ele exumava mistura fato e ficção. Gein confessou ter desenterrado nove corpos femininos de cemitérios locais, como mostrado na série. De forma perturbadora, as cenas que exibem os “troféus” retirados e guardados por ele também têm base real. A polícia encontrou, em sua casa, uma caixa contendo nove vulvas, um “traje feminino” (um colete feito do tronco de uma mulher e calças feitas de suas pernas), várias máscaras feitas de rostos humanos, quatro cadeiras revestidas com pele humana e tigelas feitas de metades de crânios.
Gein provavelmente não era necrófilo
Não há indícios de que a obsessão de Gein por corpos femininos mortos incluísse práticas sexuais. Embora Monstro o mostre praticando necrofilia com pelo menos um dos cadáveres, na vida real ele negou essa acusação, afirmando que o cheiro dos corpos o repelia. Também não há evidências de que ele fosse canibal ou tenha distribuído carne humana a vizinhos dizendo que era carne de veado, como mostrado na série. Como explicou Chloë Manon, co-proprietária e curadora do Graveface Museum, em Savannah, Geórgia, à Rolling Stone, das nove mulheres exumadas por Gein, a maioria já havia sido embalsamada — o que torna altamente improvável que ele as tenha consumido.
Apenas dois assassinatos foram definitivamente atribuídos a Gein
Embora Monstro mostre Gein cometendo vários assassinatos, apenas duas vítimas são conhecidas: a bartender Mary Hogan, amiga de Gein, e Bernice Worden, dona da loja de ferragens local. Ele foi julgado apenas pelo assassinato de Hogan e, embora inicialmente considerado culpado, uma nova audiência o declarou inimputável por insanidade — o que resultou em sua internação perpétua em um hospital psiquiátrico criminal.
Gein confessou o assassinato de Hogan. Vale notar que ambas as vítimas tinham semelhanças físicas com sua falecida mãe: eram mulheres de meia-idade e de constituição robusta. (Na série, isso não fica tão evidente, já que Laurie Metcalf é pequena ao lado de Charlie Hunnam, que tem porte maior.)
Embora seja possível que Gein tenha matado o irmão, todos os outros assassinatos mostrados em Monstro são invenções — dramatizações criadas para ilustrar o impacto de sua história na cultura do terror americana. Em diversos momentos da série, o “verdadeiro” Ed é inserido em cenas inspiradas diretamente nos filmes que ele viria a inspirar, como Psicose e O Massacre da Serra Elétrica. Ele é mostrado assumindo as personas desses personagens — esfaqueando Adeline como em Psicose (embora a cena original nem mostrasse violência explícita) e perseguindo caçadores com uma motosserra.
As autoridades nunca atribuíram o desaparecimento de Evelyn Hartley a Gein
Evelyn Hartley, interpretada por Addison Rae na série, foi de fato uma jovem que desapareceu enquanto trabalhava como babá em Wisconsin. No entanto, o desaparecimento aconteceu a cerca de duas horas de onde Gein morava, e ele foi inocentado de qualquer envolvimento ainda em 1957. Portanto, o sequestro e a tortura de Hartley mostrados em Monstro são totalmente ficcionais. Muitos espectadores podem ter presumido que o detalhe de que ele também cuidava de crianças era invenção da série, mas, segundo Schechter, Gein realmente chegou a fazer bicos de babá para crianças locais — e até pode ter feito alguns truques de mágica; mas isso ocorreu antes da morte de sua mãe e muito antes de ele começar a desenterrar corpos.
Gein foi diagnosticado com esquizofrenia
Em Monstro, o diagnóstico de esquizofrenia de Gein serve como uma explicação para seus crimes. Ele recebeu o mesmo diagnóstico na vida real, em dezembro de 1957, um mês após ser preso. Essa foi a conclusão de um painel de seis médicos que o avaliaram após extensos interrogatórios sobre seu passado. Os médicos e psiquiatras chegaram à conclusão com base no fato de que Gein continuava a ouvir a voz da mãe muito tempo depois de sua morte, via rostos em pilhas de folhas, tinha delírios e não conseguia distinguir o certo do errado. Como resultado, o painel determinou que ele era “legalmente insano” e “inapto para ser julgado”. (Uma década depois, Gein seria levado a julgamento, e um juiz concluiria que ele era inocente por motivo de insanidade.)
Gein era obcecado por uma mulher trans chamada Christine Jorgensen
Monstro inclui a história de Christine Jorgensen — uma mulher trans que serviu no exército dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial, depois viajou para a Dinamarca em 1950 para realizar tratamentos de afirmação de gênero e se tornou uma celebridade ao retornar aos Estados Unidos. Na série, Adeline mostra a Gein uma matéria de jornal sobre Jorgensen, o que desperta imediatamente o interesse dele por sua vida e transição.
Mais tarde na série, Gein alucina uma conversa com Jorgensen, na qual eles discutem identidade sexual. Ele afirma acreditar ser “transexual” — termo então usado para o que hoje chamamos de transgênero — e ela lhe diz que ele é “ginefílico”, uma palavra que descreve alguém que, independentemente do próprio gênero, sente tanta atração pelo corpo feminino que deseja estar dentro dele. Embora não se saiba se esse foi um diagnóstico real de Gein, os criadores da série fizeram questão de incluir esse diálogo para diferenciá-lo das discussões contemporâneas sobre a comunidade trans. “Era muito importante para nós deixar clara essa distinção, dizer: ‘Olha, são duas coisas muito diferentes’”, explicou Brennan à Tudum. “E foi legal poder colocar isso na boca da Christine Jorgensen.”
De acordo com o livro de Schechter, Gein realmente sabia e era fascinado por Jorgensen, graças à ampla cobertura da mídia sobre sua transição. “Desde a infância, ele frequentemente fantasiava sobre se tornar uma garota e imaginava como seria ter partes sexuais femininas em vez de um pênis”, escreve Schechter.
Gein não tinha relações com outros assassinos famosos
Nos episódios finais — inteligentes, mas potencialmente confusos —, a série faz uma conexão com outra grande produção de true crime da Netflix: Mindhunter. Essa série, exibida entre 2017 e 2019, retratava os primeiros anos da Unidade de Ciência do Comportamento do FBI, durante os quais dois agentes — nas telas, os personagens ficcionais Holden Ford e Bill Tench — viajavam pelos Estados Unidos entrevistando assassinos notórios, como Ed Kemper e Richard Speck, para construir um perfil psicológico de serial killers.
Ford e Tench foram inspirados nos agentes reais Robert Ressler e John Douglas, e em Monstro, a dupla aparece entrevistando alguns dos mesmos criminosos. Quando conversam com Jerry Brudos, o “Assassino da Luxúria” (interpretado nas duas séries pelo ator Happy Anderson), ele menciona ter se inspirado em Gein. Logo depois, o espectador encontra Richard Speck (Tobias Jelinek), famoso por assassinar oito estudantes de enfermagem em uma casa nos arredores de Chicago no final dos anos 1960. (Talvez você se lembre dele da primeira temporada de American Horror Story.) Vemos Speck praticando atos sexuais em troca de drogas na prisão, enquanto conversa com um parceiro sobre como também admirava Gein — chegando até a enviar-lhe cartas de fã. No entanto, não há motivo para acreditar que o verdadeiro Speck tenha tido qualquer correspondência com Gein, nem que o admirasse. “Não sou como ninguém”, disse Speck a um jornalista em 1978. “Sou um aberração.”
Em Monstro, os agentes Ressler e Douglas entrevistam Gein, e ele os ajuda a capturar um serial killer foragido: Ted Bundy (interpretado por John T. O’Brien). Na realidade, Bundy foi preso após uma abordagem de trânsito rotineira; e embora Douglas tenha entrevistado Gein, o encontro não rendeu muita coisa. “Tive a oportunidade de conhecê-lo brevemente, mas Gein era tão psicótico que não foi exatamente uma entrevista”, contou ele em 2017. “Nada como as que fiz depois com outros assassinos em série. Foi realmente estranho: ele estava trabalhando na oficina de couro da prisão, o Instituto Mental Estadual de Mendota.”
Esse ponto da trama parece ser apenas uma forma dos criadores de Monstro inverterem a lógica de O Silêncio dos Inocentes, no qual o assassino Hannibal Lecter ajuda o FBI a encontrar outro assassino, Buffalo Bill — que, por sinal, foi inspirado no próprio Ed Gein.
No fim, como em boa parte da obra de Ryan Murphy, trata-se de um exame da relação americana com o crime, a obsessão e a fama — com uma relação frouxa com a verdade.
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Fonte: rollingstone.com.br