Quando se pensa em punk, quais as principais ideias que vêm à sua mente? De cara, para muitos, vêm sujeira, grosseria, cabelos espetados, espinhos de metal e outros pensamentos mais caricatos. Criado na década de 1970 como um movimento de contracultura, ele foi uma reação à filosofia de não violência dos hippies e ao elitismo cultural e, por conta de tudo isso, rapidamente consolidou-se este estereótipo. E assim ficou por muito tempo, mas hoje em dia a realidade é outra, pelo menos para Karen Dió, punk de 34 anos.
A cantora natural de Santos de aproximadamente 1,60m ainda mantém as correntes e tatuagens, mas com seu jeito simpático e carismático — dificilmente você diria que ela é uma das promessas do punk no Brasil. Ela é a prova de que o gênero mudou e transcendeu a música. Karen é uma das poucas que fez seu nome no movimento punk e virou destaque. No Brasil, ainda não — talvez pela pouca visibilidade que o gênero tenha —, mas, na Europa, seu rosto já é conhecido e por isso foi escolhida para fazer a abertura do show do Avenged Sevenfold, que aconteceria em outubro deste ano, mas foi adiado para 2026 devido a hematoma nas pregas vocais do vocalista M. Shadows.
Ela voltou ao seu país natal mesmo assim, tem apresentação solo marcada para a próxima terça, 7 de outubro de 2025, na Casa Rockambole, e a Rolling Stone Brasil conversou com a artista. Logo de cara me veio à mente: como você se interessou pelo gênero?
“O que mais me chamou a atenção [no punk] foi o fato de você poder ser quem você é. Ter a liberdade e a atitude f*da-se, sabe? Musicalmente falando, o fato de ser rápido, bem enérgico e para cima me chamou atenção. Foi aí que deu um match total”.
Embora Karen já orbitasse em torno do som de bandas como Offspring, foi a imagem e a atitude de Avril Lavigne que acendeu a faísca definitiva. Foi com a cantora canadense que ela decidiu ser uma “garota de banda” e, ainda em Santos, passou anos compondo, escrevendo música e pulando de banda em banda. Como ela mesma resume: “Vivendo com as brigas e egos dos grupos”. Após algumas frustrações, decidiu que não faria parte de uma banda e focaria na carreira solo.
Ela estava errada…
Para ter mais visibilidade, mudou-se para a capital paulista e, durante uma troca de mensagens, pintou a oportunidade de montar, mais uma vez, uma banda.
“Caraca, eu passei a minha vida inteira fazendo banda, quando eu começo a fazer a carreira solo, eu recebo a sugestão de fazer banda. ‘Eu tô cheia de coisa, ah, não sei, vou pensar’. Aí parei um tempo e perguntei para meu amigo cartomante”.
Mal sabia ela que as cartas já tinham seu futuro preparado…
“Eu preciso de um sinal divino ou alguma coisa assim. Vamos, o que essas estrelas estão falando?” As estrelas indicaram que seria uma boa dar um ultimato para a ideia de banda e então foi criada a Violet Soda. Foi ali que as coisas começaram e onde ela aprendeu muita coisa:
“O que aprendi muito foi o DIY [Do It Yourself, ou Faça Você Mesmo em tradução livre]. Eu fazia as capas, organizava shows e fazia o rolê acontecer”.
O projeto durou. O grupo lançou vários singles, hits com mais de 500 mil reproduções nas plataformas de streaming, EPs e um álbum autointitulado em 2019, até que os mesmos problemas de sempre reapareceram e a banda decidiu se separar. Mal sabia ela que as cartas não apontavam para a formação de uma banda, mas uma nova pessoa na sua vida.
“Eu sou muito grata à Violet, porque se não fosse ela, eu não ia estar onde estou, nem ter conhecido Matt [Matthew Bigland], meu marido”.
Foi durante um dos shows que eles se conheceram e logo começaram um relacionamento. Passaram por poucas e boas na pandemia, que mostrou “que o relacionamento era de verdade”. Por conta de uma condição médica de Matt, Karen decidiu se mudar para a Inglaterra e viver com ele.
Do fundo do poço para o palco
“Na verdade, pensei até em desistir de fazer música. Era muito difícil começar de novo, eu já tive várias bandas, nenhuma explodiu e começar do zero num país novo, que eu não conheço ninguém… é complicado”.
Realmente era, mas se ela tinha o aval das estrelas, era para dar certo. Foi seu marido que trouxe o ânimo de volta. Juntos, voltaram a compor e logo de cara fizeram “Sick Ride” em 2023, sua música mais ouvida nos streamings.
As coisas foram acontecendo, mais um single, um EP em 2024 e vários outros projetos ainda em 2025. E aí chegamos aos dias de hoje. No meio tempo, Karen assinou com a Hopeless Records, mesmo selo do Avenged Sevenfold, e tocou no Download Festival, um dos principais festivais de rock do Reino Unido. Como é saber que você está no caminho certo, Karen?
“Ao mesmo tempo que eu tô indo no caminho certo, dá para ver que tem chão, essa é a única parte frustrante”.
Apesar da resposta não tão otimista, ela reconhece que já fez a parte mais difícil: ser uma brasileira que conseguiu ter um sucesso relativo no exterior. E me surge a dúvida: você já sofreu algum preconceito por ser uma brasileira cantando em inglês?
“Não, não sofri. Eu fiquei muito receosa quando eu me mudei para a Inglaterra para fazer música, porque aí eu sabia que eu ia estar competindo com pessoas que realmente falam inglês e eu não falo. Mas, escrevendo música, eu vi que, na verdade, eu sendo brasileira, eu sou diferente de todo mundo ali. A gente pensa diferente, sabe? Teve uma vez que traduzi alguma frase do Charlie Brown Jr. que o Matt gostou muito e isso eu acho que é um diferencial”.
Falando em outras bandas, quais projetos, tanto de música quanto fora, te inspiram?
Ruptura, que é muito f*da e estou pirada. De música, tem uma banda canadense que eu gosto muito chamada NOBRO. E aí são só minas e tipo feministaças muito fodas, pop punk com rock and roll e tipo assim tô louca nelas. Eu vou tentar fazer uma collab com elas.
Legal que você falou sobre colabs, qual é o seu feat dos sonhos?
“Green Day! Mas aceito também um Offspring, se não for pedir muito [risos]”.
Qual o seu maior sonho na música hoje?
Eu acho que agora mesmo eu só quero fazer a música que eu gosto, estar feliz, continuar tendo saúde suficiente para continuar fazendo show e viver financeiramente bem com a música.
Ainda conversamos sobre o futuro, o que você mudaria na cena punk atualmente?
Eu gostaria, na verdade, de ter espaço na mídia, assim, mainstream para bandas de punk. Então, seria massa, assim, de ter mais visibilidade no mainstream pra gente conhecer todas as bandas de rock, como tinha uma MTV no passado, que apresentava novos conteúdos pra gente. Hoje em dia é tudo pop, pop, pop. O que não é ruim, que aliás amo, mas seria massa de ter a mesma oportunidade, todo mundo tem a mesma oportunidade, né?.
Como é fazer parte de um grande selo e como isso influencia o seu processo criativo?
Por enquanto assim não mudou muito, mas eu consigo ter uma noção melhor de como é que funciona lá fora, sabe? Tipo, é um processo mais ‘marketeiro‘ assim de tipo, cadê a música? Vamos lançar a música, as coisas assim, sabe? Eu não tive assim um contrato maravilhoso, mas foi uma oportunidade muito massa, porque eles têm o nome, então, foi super bom para mim ter essa validação. Saber que estou no mesmo nível que todas essas outras bandas aqui de fora, que é muito f*da.
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Kadu Soares é formando em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero, passa o dia consumindo música, esportes, filmes e séries. Possui um perfil no TikTok (@soareskaa) e um blog no Substack, onde faz reviews de projetos musicais.
Fonte: rollingstone.com.br