Durante a 80ª Assembleia Geral da ONU, dez países, entre eles, França, Reino Unido, Canadá, Austrália e Portugal, reconheceram nesta semana o Estado palestino, o que elevou para 157 dos 193 Estados integrantes das Nações Unidas o número de nações que manifestam essa posição.
Os países que recém aderiram a esse entendimento argumentam que um Estado palestino só será aceitável se não houver qualquer participação do Hamas, responsável pelos atentados de 7 de outubro de 2023, que desencadearam a atual guerra na Faixa de Gaza, mas Israel e seu principal aliado, os Estados Unidos, alegam que tal reconhecimento recompensa o grupo terrorista e dificulta a libertação dos 48 reféns que seguem retidos no enclave palestino.
Igor Sabino, cientista político e gerente de conteúdo da StandWithUs Brasil, instituição educacional sobre Israel sem fins lucrativos, afirmou em entrevista à Gazeta do Povo que o povo israelense, ao menos neste momento, concorda com a postura do seu governo e do americano sobre o Estado palestino, em grande parte devido ao trauma do 7 de outubro.
Entretanto, o especialista argumentou que, se houver passos concretos além de declarações de impacto de grandes potências, essa posição poderá ser revista – ou seja, a solução de dois Estados ainda não se tornou inviável.
Em todo caso, destacou, a questão tem que ser negociada entre israelenses e palestinos, não pode ser decidida por terceiros. Confira a entrevista:
Reino Unido, França, Canadá e outros países reconheceram o Estado palestino esta semana. Por que essa onda está acontecendo agora?
Eu acho que ela está acontecendo agora principalmente como uma forma de pressionar Israel devido à duração da guerra contra o Hamas na Faixa de Gaza, que já dura quase dois anos.
Mas, ao mesmo tempo, acho que isso é bastante contraproducente, porque, embora Israel tenha sempre defendido a solução de dois Estados em vários momentos e se mostrado muito disposto a negociar, houve uma mudança na opinião pública israelense depois do 7 de outubro.
[O sentimento agora é] que reconhecer um Estado palestino seria uma espécie de recompensa ao Hamas, no sentido de que o grupo terrorista iria de certa maneira ver que os horrores que ele cometeu no 7 de outubro teriam tido frutos positivos e teriam culminado na criação de um Estado palestino. Vale ressaltar que o Hamas sempre foi contra um Estado palestino coexistindo ao lado de Israel, por não reconhecer Israel.
Embora o [presidente francês, Emmanuel] Macron, os líderes europeus digam que é o contrário, que reconhecer o Estado palestino agora seria enfraquecer o Hamas, o que a gente vê na prática é o contrário: o Hamas tem comemorado isso, tem falado que é fruto do 7 de outubro, e também endureceu a sua posição nas negociações com Israel para um cessar-fogo, libertação dos reféns e fim da guerra na Faixa de Gaza.
Esses países podem mudar suas políticas em relação a Israel depois do reconhecimento? Eles já vinham fazendo pressão, como sanções contra ministros de Israel. Podem aumentá-la?
Eu acredito que sim, que a gente caminha para esse aumento das pressões, da deterioração das relações entre Israel e vários dos seus aliados ocidentais, embora esses países também precisem de Israel, principalmente no âmbito da segurança. Mas, ao mesmo tempo, como eu falei, eu acredito que essa pressão é bastante contraproducente.
A gente teve, depois do 7 de outubro, uma grande onda de países, principalmente europeus, oferecendo solidariedade a Israel, mas não houve um esforço conjunto para combater o Hamas, para enfraquecer o Hamas e tirá-lo da Faixa de Gaza.
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Se a gente observa o que houve, por exemplo, no combate ao Estado Islâmico, embora, claro, sejam grupos terroristas diferentes – o Hamas tinha um governo, era visto como um partido político também dentro da sociedade palestina, mas o que ele fez no 7 de outubro realmente se equipara às ações do Estado Islâmico –, houve um consenso internacional e a formação de uma coalizão para combater o Estado Islâmico, para criar campos para abrigar os deslocados internamente, os civis do Iraque, e não houve essa mobilização em relação ao Hamas.
Pelo contrário, houve várias resoluções do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que algumas sequer pediam a libertação dos reféns israelenses e outras não condenavam o Hamas.
A gente não tem hoje um consenso, uma disposição por parte da comunidade internacional de reconhecer o Hamas como um grupo terrorista e agir para enfraquecê-lo. Isso desde aliados que [Israel] tem no Oriente Médio, do Ocidente, até o Catar, a Rússia, a China, [ambas] são países que têm poder de veto no Conselho de Segurança [da ONU], todos eles apoiam o Hamas.
Então, o Hamas só está há dois anos com reféns na Faixa de Gaza, 48 agora, por conta dessa falta de pressão internacional. Então, eu acho que é uma pressão que é dirigida aos atores errados.
O próprio ex-secretário de Estado dos Estados Unidos [Antony Blinken], o secretário do [ex-presidente democrata Joe] Biden, ele até falava isso, ele falava que se surpreendeu, que no dia 8 de outubro [de 2023], a gente não teve uma pressão direcionada ao Hamas para libertar os reféns, era pressão sempre contra Israel.
E eu até entendo o argumento de que Israel é um Estado, é um país, mas você tem outros países, outros atores da comunidade internacional financiando, dando legitimidade a esse grupo terrorista. Isso faz com que ele não tenha incentivos para cooperar.
A StandWithUs Brasil já se posicionou a favor da solução de dois Estados, mas criticou o reconhecimento agora. Que condições precisam ser cumpridas para que o reconhecimento seja feito em melhores termos? O premiê Benjamin Netanyahu disse que não haverá um Estado palestino “a oeste do rio Jordão”. Como a sociedade israelense está encarando a solução de dois Estados? Existe apoio ou é uma possibilidade que não é mais viável?
Bom, eu acho que o primeiro ponto é que institucionalmente, a StandWithUs Brasil e a StandWithUs como um todo, nossa postura é a de defender uma solução pacífica para o conflito. Então, seja a solução de dois Estados, o que seja, enfim, os israelenses e os palestinos, eles que devem chegar a um acordo entre si. Então, a nossa posição é que é algo que tem que ser negociado entre ambos os povos.
Em relação a ser viável ou não a criação de um Estado palestino, apesar dessas negativas que a gente tem visto, essas posturas do governo de Israel, até o [Benny] Gantz, que é da oposição, escreveu um artigo esta semana para o The New York Times falando que é um consenso [no Parlamento de Israel, o Knesset, que no ano passado, com 99 dos 120 votos na casa, aprovou uma declaração se opondo ao reconhecimento unilateral de um Estado Palestino] hoje não ter esse Estado palestino.
Eu acredito que seja uma reação, primeiro, a esse trauma do 7 de outubro, que foi o maior massacre antissemita desde o Holocausto, mas eu acredito que isso não é algo definitivo. Eu acredito que essa é uma questão que é passível de mudança.
A gente já observou isso em outros momentos da história, e até conversando com jornalistas israelenses, a percepção é de que, se houver sinalizações, se houver mudança do outro lado, uma disposição de coexistir, de dois Estados, seria mais fácil que a opinião pública israelense também mudasse e as coisas fossem por esse caminho.
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Eu acredito que, se a gente tivesse um esforço realmente para tirar o Hamas da Faixa de Gaza, digamos que se os reféns fossem libertados, se a gente tivesse uma coalizão internacional de países árabes, muçulmanos, como o [presidente americano, Donald] Trump está tentando fazer, para assumir o controle da Faixa de Gaza… E o Trump já afirmou que não vai permitir que Israel anexe a Cisjordânia. [Se houvesse essas condições,] eu acho que seria muito mais fácil se voltar a pensar nisso, até porque é importante também mencionar que ano que vem vai ter eleição em Israel.
As vozes que são mais contrárias a esse Estado palestino são as vozes mais extremistas do governo, apesar de ser também a postura do Netanyahu, mas nas pesquisas de opinião, o que a gente tem visto é que elas não têm tanta popularidade assim. Elas chegaram ao poder somente por conta do sistema parlamentarista, mas a gente já vê que algumas vozes não conseguiriam passar nem pela cláusula de barreira, até por isso talvez possam estar radicalizando o discurso, para tentar votos.
Então, [pode haver uma mudança] pelo fato de Israel ser um governo democrático e de haver essa mudança muito grande na opinião pública, e não só dos israelenses, mas até mesmo a opinião pública dos palestinos, se você for ver o que eles pensavam sobre a solução dos dois Estados, sobre Israel, sobre o Hamas, no dia 7 de outubro e o que eles pensam hoje, já mudou bastante.
A opinião pública tanto de palestinos quanto de israelenses oscila muito em relação ao que acontece, aos eventos, e no caso de Israel, a gente tem um país que é democrático, diferente da sociedade palestina. Então, eu acredito que, havendo mais esforços, não só por parte dos palestinos, mas também da comunidade internacional, e medidas concretas, a gente pode voltar a falar de dois Estados.
A gente tem, por exemplo, hoje o Mahmoud Abbas, que é o presidente da Autoridade Palestina, falando que a Autoridade Palestina condena o 7 de outubro, que o Hamas não representa os palestinos. Mas quanto tempo levou para que ele viesse a condenar o Hamas? Isso sem falar no histórico de falas dele: falas antissemitas, falas contrárias a Israel.
Existe também uma questão que é chamada pay for slay [“pagamento por matar”], que é uma verdadeira aposentadoria, as famílias de terroristas que cometem atos de terrorismo contra Israel recebem salários, eram pagos pela Autoridade Palestina [esses pagamentos teriam sido cancelados em fevereiro, segundo um decreto assinado por Abbas].
Então, existe hoje uma percepção em Israel de que não somente o Hamas é uma ameaça, como também que a Autoridade Palestina não é um parceiro confiável, está enfraquecida, é corrupta. Então, acho que havendo mudanças nesse sentido, principalmente com o apoio da comunidade internacional, isso mudaria a opinião pública israelense e a gente poderia voltar a falar de dois Estados.
Fonte: Revista Oeste