Na semana passada, Olivia Rodrigo fez um anúncio surpresa sobre a sequência de Guts (2023). Mas, em vez de outro disco com material inédito, Live at Glastonbury (A BBC Recording), que será lançado em dezembro de 2025, vai registrar todo o seu show no festival deste verão, com direito a participação especial de Robert Smith em duas versões de músicas do The Cure.
Aqui está o detalhe ainda mais surpreendente do anúncio: ela vai lançar… um álbum ao vivo? Em 2025? Quem faz isso hoje em dia? No cenário dos grandes nomes do pop e do rock, quase ninguém. Mas talvez seja hora de um retorno para os discos que ofereciam uma experiência de “estar lá” e revelavam aspectos do trabalho de uma banda ou músico que não apareciam no estúdio.
Você se lembra dos álbuns ao vivo, certo? Dependendo da sua geração, talvez não, já que nem Taylor Swift, sempre atenta às fontes de receita, lançou um álbum completo da turnê Eras. O Live at Third Man Records, de Billie Eilish, em versão acústica, lançado em 2019, foi uma edição limitada em vinil, o que imediatamente o tornou um item underground. Mas, por décadas, o LP de concerto foi presença obrigatória em incontáveis lares viciados em música. Não importava o gênero que você seguisse, um deles certamente estava na sua coleção.
Os fãs de rock clássico tinham cópias de Get Yer Ya-Ya’s Out!, dos Rolling Stones, ou Live at Leeds, do The Who. Os amantes do soul provavelmente tinham Live at the Apollo, de James Brown, In Person at the Whisky a Go Go, de Otis Redding, ou a incursão gospel Amazing Grace, de Aretha Franklin. Os fãs de metal juravam por Made in Japan, do Deep Purple, ou Live Shit: Binge & Purge, do Metallica. Para o southern rock, Live at Fillmore East, do Allman Brothers Band, ou One More from the Road, do Lynyrd Skynyrd, eram indispensáveis. E já mencionamos Woodstock? Ou o MTV Unplugged do Nirvana?
Em sua era de ouro, que durou algumas décadas, o álbum ao vivo cumpria vários propósitos igualmente válidos. Em alguns casos — At Budokan, do Cheap Trick; Alive!, do Kiss; Frampton Comes Alive!, de Peter Frampton; e Live Bullet, de Bob Seger — ele se tornou o momento de virada para artistas que estavam na estrada havia alguns anos, mas ainda não tinham estourado. Por que não reunir as melhores músicas até então, gravá-las diante de uma plateia empolgada e dar outra chance? Os discos ao vivo também podiam ser uma forma de cumprir obrigações contratuais (há exemplos demais para citar) ou uma maneira de acalmar os fãs que teriam de esperar por outro álbum de estúdio (como o disco de concerto do Fleetwood Mac em 1980, que fez a ponte entre Tusk e Mirage).
Neste século, o álbum ao vivo não desapareceu totalmente, mas o mercado tem sido dominado por material de arquivo: a enxurrada contínua de gravações raras do Grateful Dead, as caixas de Bob Dylan de várias turnês e assim por diante. Radiohead finalmente está lançando cortes de shows — mas de 20 anos atrás. Alguns nomes modernos — Dua Lipa, The Weeknd, Florence and the Machine — lançaram discos de concerto nos últimos anos. Mas, apesar do peso de seus nomes, nenhum deles teve o mesmo impacto dos álbuns clássicos do passado. Hoje, esses lançamentos são vistos como notas de rodapé e efemérides, não eventos.
As razões para o colapso do álbum ao vivo não soam bem para ninguém. Graças ao YouTube (onde é possível assistir ou ouvir shows inteiros de graça) ou a sites que permitem transmitir ou baixar apresentações, talvez os fãs não sintam necessidade de gastar com um lançamento oficial. Se quisermos ser cínicos, talvez alguns suspeitem que certo uso de vocais ou instrumentos pré-gravados já seja parte normal da experiência de um show e, portanto, um álbum “ao vivo” não seria tão autêntico assim.
Afinal, parte do apelo dos álbuns de concerto de antigamente era ouvir como cantores e bandas soavam fora dos limites controlados de um estúdio de gravação. Você sabia que não ouviria reproduções nota por nota das versões em vinil ou CD, e isso era parte da emoção — e às vezes da decepção. O Led Zeppelin, tão vulcânico em estúdio, soava decepcionantemente desleixado em The Song Remains the Same. Dylan & The Dead pareciam trazer o pior de ambos (procure as fitas de ensaio, são melhores). Mas quem imaginaria que o The Roots levaria a música de Jay-Z a outro nível em seu MTV Unplugged ou que a orquestração daria uma nova sensação de opulência ao Live from the Royal Albert Hall, de Dua Lipa, em 2024?
Para Dua Lipa e agora Rodrigo, os discos ao vivo são uma extensão lógica de sua posição no firmamento pop. Afinal, são artistas como elas que hoje ocupam os lugares de destaque em arenas e festivais, do mesmo jeito que as bandas de rock faziam em seus auges. Como muitos viram no ano passado, na turnê Guts, os shows de Olivia Rodrigo eram vibrantes e, com a ajuda de sua banda de estrada, algumas músicas (como “All-American Bitch”) ganhavam uma energia mais crua e solta do que nas versões de estúdio. Será que isso vai se traduzir em sua performance em Glastonbury, ouvida apenas em áudio? É cedo para dizer, mas ela merece créditos por mergulhar no terreno dos álbuns de concerto. Após tanto tempo de declínio, alguém precisa reviver a arte histórica — e necessária — do álbum ao vivo.
+++LEIA MAIS: A jovem banda de hardcore adorada por Olivia Rodrigo
Fonte: rollingstone.com.br