Você assistiria a um filme sobre o avô de alguém? Alguém aparentemente comum, com uma vida tranquila, sem grandes feitos públicos? É exatamente essa a proposta de Leonardo Lacca em Seu Cavalcanti, seu segundo longa-metragem, que transforma o próprio avô no centro de uma narrativa híbrida entre documentário, ficção, encenação e efeitos visuais. O resultado é surpreendente: simples na ideia, mas profundamente apaixonante e transformador.
Lacca se deixa fascinar pelo avô, acompanhando-o de perto, registrando cada gesto, cada instante com uma dedicação quase obsessiva. Qualquer momento — um cochilo, uma caminhada ou um pequeno desvio de rotina — é digno de ser filmado. Mas o filme não se constrói apenas no ato de filmar: é na sala de montagem, conduzida com sensibilidade por Luiz e Ricardo Pretti, que anos de imagens se transformam em um filme coeso e sensível. Nesse equilíbrio entre observação contínua e criação artística, surge o encanto de Seu Cavalcanti — uma história que respira autenticidade, afeto e cuidado.
O diretor nos recebe como quem convida para um café e apresenta Seu Cavalcanti, não apenas em fragmentos do presente, mas percorrendo mais de uma década de sua vida. Conhecemos suas rotinas, pequenas aventuras e tentativas de liberdade. Cada cena aproxima o espectador da intimidade da família, tornando-o cúmplice desse olhar atento e afetuoso que transforma o cotidiano em cinema vivo.
Cada enquadramento é uma janela para a personalidade do avô: seu humor discreto, pequenas excentricidades, a naturalidade das rotinas, seus namoricos e travessuras. O resultado é uma intimidade que ultrapassa os quase 80 minutos de duração; sentimos que já conhecemos Seu Cavalcanti há muito mais tempo, como se estivéssemos compartilhando anos de convivência e assistindo a uma homenagem feita com amor e delicadeza.
A sensibilidade do diretor em capturar o cotidiano com inteligência cinematográfica transforma o filme em uma experiência humana e memorável. Cada gesto, cada detalhe banal, é elevado à dimensão do cinema, mostrando que a vida comum pode ser extraordinária quando observada com afeto. Seu Cavalcanti funciona como um álbum de memórias em movimento, uma travessia pelo tempo e pelo amor entre neto e avô.
No fim, Seu Cavalcanti não é apenas um filme sobre um homem ou sobre uma família. É sobre a força universal da arte feita com afeto, liberdade e paixão. Qualquer história, mesmo a mais simples, pode tocar, inspirar, emocionar e transformar. O cinema, acima de tudo, se revela aqui como uma forma de amor — capaz de tornar o cotidiano extraordinário e lembrar o poder do afeto em cada cena.
LEIA TAMBÉM: ‘Seu Cavalcanti’, docuficção de Leonardo Lacca, estreia nos cinemas
Angelo Cordeiro é repórter do núcleo de cinema da Editora Perfil, que inclui CineBuzz, Rolling Stone Brasil e Contigo. Formado em Jornalismo pela Universidade São Judas, escreve sobre filmes desde 2014. Paulistano do bairro de Interlagos e fanático por Fórmula 1. Pisciano, mas não acredita em astrologia. São-paulino, pai de pet e cinéfilo obcecado por listas e rankings.
Fonte: rollingstone.com.br