A segunda parte do primeiro dia do julgamento da suposta tentativa de golpe de Estado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) foi marcada pela apresentação das defesas dos réus. Além do advogado de Mauro Cid, delator na ação penal, se pronunciaram nesta terça-feira (2) os representantes do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), do almirante Almir Garnier e de Anderson Torres, que comandou o Ministério da Justiça durante o governo de Jair Bolsonaro.
A sessão foi interrompida e será retomada às 09h desta quarta-feira (3) com as manifestações das demais defesas, incluindo as do ex-presidente Bolsonaro e do general Braga Netto. Nesta primeira parte, à exceção do advogado de Mauro Cid, todos os demais fizeram críticas diretas às denúncias oferecidas pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Além disso, as defesas criticaram a delação premiada do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. Ao falar sobre Alexandre Ramagem, o advogado Paulo Cintra alegou que a denúncia contra o parlamentar contém “erros graves”. A defesa alegou ainda que a acusação pelo suposto crime de organização criminosa deveria ter sido suspensa por conta das prerrogativas de Ramagem como parlamentar.
Ramagem comandou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo de Jair Bolsonaro e é um dos oito réus em julgamento pela Primeira Turma da Corte. O advogado diz que o Ministério Público teria atribuído a Ramagem acesso ao sistema First Mile, usado pela Abin, com base em um registro de 15 de maio de 2019. O problema, disse a defesa, é que esse registro não se referia ao sistema, mas sim à entrada física do então diretor nas dependências da agência.
“O Ministério Público Federal afirmou que Alexandre Ramagem não apenas teria ciência da utilização irregular dessa ferramenta pelo Serviço de Inteligência Brasileiro, como também tinha acesso ao sistema, citando esse log e a data desse log, 15 de maio de 2019. (…) Na verdade, esse registro era de acesso às dependências físicas da Abin”, argumentou o advogado Paulo Cintra.
O advogado alegou ainda que os textos encontrados pela Polícia Federal com Ramagem nos quais ele “questionava a lisura do processo eleitoral e das urnas eletrônicas” eram apenas “anotações”. O deputado e os demais réus, incluindo Jair Bolsonaro, são acusados de organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
“Os documentos [citados na denúncia da PGR sobre Ramagem] basicamente tratam de falas, pensamentos e discursos publicizados durante longo tempo pelo presidente da República, sobre supostamente ter vencido as eleições de 2018 no primeiro turno”, completou a defesa.
Durante a tramitação do processo, a maioria da Câmara chegou a aprovar a suspensão de toda a ação contra Ramagem. A Primeira Turma do STF, no entanto, entendeu que, por ser deputado federal, a tramitação com relação às duas últimas imputações, já que os crimes foram supostamente cometidos após a diplomação de Ramagem como parlamentar, prerrogativa que a Constituição dá ao Congresso.
Com isso, o colegiado manteve o julgamento sobre as acusações relativas aos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado, pois são fatos anteriores à diplomação. Durante a defesa, apresentada nesse primeiro dia do julgamento, o advogado Paulo Cintra pediu que o entendimento seja expandido também para o crime de organização criminosa.
“A denúncia imputou-lhe o crime de organização criminosa. O entendimento da defesa é de que a resolução nº 18 da Câmara alcançaria o crime de organização criminosa, que continuava em vigência após a diplomação de Ramagem como deputado federal”, disse Cintra.
Defesa de Ganier diz que não se pode criminalizar críticas a sistema eleitoral
Já o segundo advogado a se manifestar no julgamento foi Demóstenes Torres, representante do almirante Almir Garnier. Segundo ele, a PGR incluiu fatos novos nas alegações finais, que não constavam na denúncia inicial do Ministério Público.
Entre eles, destacou a interpretação de um desfile da Marinha na Praça dos Três Poderes, realizado em agosto de 2021, como eventual apoio a ações golpistas. Além disso, a ausência de Garnier em uma cerimônia de passagem de comando em 2022 foi mencionada como um dos pontos introduzidos sem fundamentação no processo.
No entendimento da defesa, esses elementos não estavam originalmente no centro da acusação, o que, segundo Torres, compromete o direito ao contraditório e à ampla defesa. O advogado enfatizou que esses exemplos ilustram o que classificou como uma “narrativa globalizante”, indicando que a denúncia carece de detalhamento sobre condutas individuais de Garnier.
De acordo com a argumentação, não há nexo causal estabelecido entre as ações atribuídas ao ex-comandante da Marinha e a suposta tentativa de golpe de Estado. “Segundo ponto é a colaboração premiada de Mauro Cid. A proposta do procurador-geral da República é injurídica, ela não existe. E carreará inúmeros problemas ao STF. Nós não estamos pedindo aqui a nulidade da delação. Nós estamos pedindo a rescisão da delação”, disse o advogado.
Ainda em sua manifestação, o advogado do almirante afirmou que não se pode criminalizar críticas ao sistema eleitoral. “Temos que tolerar essas bobagens, essa criminalização do discurso, acabamos perdendo o direito de dizer alguma das coisas que gostaríamos. Esse tipo de situação, que de vez enquanto a gente enfrenta, não podemos fazer a criminalização do disenso”, completou.
Advogado de Anderson Torres pede “isenção” em julgamento
A defesa do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres cobrou “isenção” da Primeira Corte do STF durante o julgamento. Segundo Eumar Novacki, “não há provas que vinculem seu cliente à acusação de tentativa de golpe”.
“A isenção é o que se espera dessa Corte, que eu sempre defenderei. Não há democracia sem instituições fortes e independentes. Esse julgamento não se confunde com vingança, trata-se de justiça, não se pede benevolência mas aplicação firme da lei e do direito”, disse Novacki.
O advogado disse também que Torres viajou de férias para os Estados Unidos dias antes dos atos de 8 de janeiro de 2023 e que a viagem havia sido programada “com muita antecedência”. “Em relação a Anderson Torres, toda a tese acusatória é um ponto fora da curva. Nem a PF nem o Ministério Público estavam interessados naquele momento na verdade. Toda a narrativa do MP em relação a Torres parte da premissa de que ele teria conspirado, participado de uma macabra trama golpista, deliberadamente se ausentado do DF. Mas isso não caminha com a verdade”, declarou.
O defensor contesta ainda a sugestão da PGR de que a viagem aos Estados Unidos não estava marcada com antecedência. A acusação, no entanto, diz que a GOL, companhia aérea, não confirmou a validade de documento de reserva.
“A mais grave alegação trata-se da viagem de Torres para os Estados Unidos. Estranhamente o MP, nas suas alegações finais, traz na página 368 que Anderson Torres forjou provas no processo, o bilhete da passagem aérea da viagem para os EUA com sua família. É uma acusação gravíssima”, disse.
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Fonte: Revista Oeste