Gabriel Mascaro, de Boi Neon(2015) e Divino Amor(2019), sempre foi um diretor interessado em corpos, desejos e em como a política atravessa nossas experiências mais íntimas. Em O Último Azul, vencedor do Urso de Prata no Festival de Berlim deste ano, ele leva essa inquietação para um território inusitado: uma distopia amazônica em que idosos são obrigados a viver isolados pelo Estado. É nesse cenário que acompanhamos Tereza (Denise Weinberg, Greta), 77 anos, em fuga para realizar um último sonho: voar de avião. A premissa pode parecer fútil, mas Mascaro transforma esse ponto de partida em uma narrativa pulsante, cheia de fantasia, resistência e descoberta.
O filme se estrutura como um coming of age tardio. Em vez da adolescência, é a velhice que ganha contornos de aprendizado, desejo e transformação. Tereza, com sua força silenciosa, enfrenta desafios que a obrigam a rever sua relação com o mundo e com o próprio corpo. Nesse sentido, Mascaro devolve à terceira idade um protagonismo raramente visto no cinema: a possibilidade de ainda viver a experiência da mudança, de se reinventar e sonhar.
A Amazônia, em O Último Azul, não é mero cenário: é personagem e metáfora. Os rios sinuosos que cortam a região refletem a própria trajetória de Tereza, cheia de curvas, desvios e obstáculos. Cada encontro, cada desafio, funciona como um convite à transformação. Assim, a viagem da protagonista se torna não apenas física, mas também espiritual: ela assume o espírito da paisagem, navegando entre incertezas e possibilidades, aprendendo a viver de novo.
Visualmente, o filme alterna dureza e lirismo. Mascaro investe em cores, sons e símbolos que alimentam uma atmosfera de fábula — inclusive o caracol da baba azul, inventado para a trama, que permite ver o futuro. A Amazônia se apresenta ao mesmo tempo como lugar de perigo e refúgio, um território de resistência onde a beleza e a ameaça coexistem. Cada plano reforça a densidade, o mistério e a vitalidade de uma floresta que sustenta a jornada da protagonista tanto quanto qualquer diálogo.
Denise Weinberg entrega uma atuação memorável. Sua Tereza não é caricatura de fragilidade, mas um corpo desejante, inquieto e curioso, capaz de confrontar o autoritarismo e se lançar em aventuras improváveis. Rodrigo Santoro (Bicho de Sete Cabeças) e Miriam Socarrás (Violeta) expandem a jornada: ele como barqueiro que abre frestas para a transgressão, ela como cúmplice numa fuga que remete ao espírito transgressor e rebelde de Thelma & Louise. Cada personagem encontrado por Tereza é um espelho de possibilidades, reforçando o tom de descoberta e reinvenção da narrativa.
Em última instância, O Último Azul é um gesto político e poético. Raramente o cinema brasileiro dá protagonismo a corpos idosos de forma generosa e vital. Mascaro recusa o lugar da velhice como decadência ou memória, oferecendo à terceira idade a chance de transformação e liberdade. O filme confronta preconceitos etários e propõe uma reparação simbólica: envelhecer não é se conformar, é seguir curioso, aberto à aventura e ao desejo.
Ao final, o voo de Tereza não é apenas literal: é metáfora de emancipação. A distopia amazônica se revela menos sobre um futuro distante e mais sobre a urgência de repensar o presente. O Último Azul celebra a velhice, a resistência e a capacidade de sonhar, mostrando que, assim como os rios sinuosos que guiam a protagonista, a vida pode se reinventar a qualquer idade.
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Fonte: rollingstone.com.br