Depois de passarem quatro meses encarcerados no notoriamente brutal sistema prisional de El Salvador (para onde foram enviados erroneamente pelo governo do ex-presidente Donald Trump) migrantes venezuelanos recém-libertados estão agora denunciando os abusos e torturas que sofreram nesse gulag estrangeiro.
Mais de 250 migrantes venezuelanos deportados pela administração Trump ao Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT) em março foram libertados e enviados de volta à Venezuela no início deste mês, como parte de uma troca de prisioneiros entre os EUA e o governo de Nicolás Maduro. Homens libertos que falaram a diversos veículos de imprensa relataram abusos psicológicos, físicos e sexuais durante o período em que estiveram detidos no CECOT, tempo em que também foram privados de direitos legais básicos e do contato com advogados e familiares.
Andry Omar Blanco Bonilla, um homem sem antecedentes criminais que foi detido após ser convocado para uma entrevista de imigração, contou ao site ProPublica, em uma reportagem publicada nesta quarta-feira, que presos que se recusavam a raspar a cabeça ao chegar em El Salvador eram espancados pelos guardas, com os gritos servindo de aviso para os demais. Blanco também relatou que as algemas e correntes usadas nele eram tão apertadas que o impediam de caminhar corretamente, e que ele foi espancado até desmaiar pelos guardas, que o arrastaram até uma cela.
“Eu preferia morrer ou me matar do que continuar vivendo essa experiência. Ser acordado todo dia às 4 da manhã para ser insultado e espancado. Por querer tomar banho, por pedir algo tão básico… Ouvir seus irmãos sendo espancados, chorando por socorro”, contou Juan José Ramos Ramos, outro homem preso no CECOT apesar de não ter antecedentes criminais, ao ProPublica.
José Manuel Ramos Bastidas disse ao The Guardian que ele e outros detentos eram frequentemente atingidos com balas de borracha pelos guardas do CECOT, que diziam que eles deveriam esperar permanecer na prisão por 30 a 90 anos, caso Trump decidisse mantê-los lá.
Em uma cena horrível que remete às imagens brutais de tortura de prisioneiros em Abu Ghraib, o ex-detento Tito Martínez descreveu à revista The Atlantic seis dias consecutivos de espancamentos intensos. No último dia, os guardas do CECOT teriam levado um grupo de guardas mulheres, que passaram a espancá-los enquanto os colegas homens gravavam vídeos. Martínez contou que uma enfermeira da prisão gritava “acerta a pinhata” para incentivá-las, enquanto assistia.
Presos salvadorenhos e grupos de direitos humanos descreveram o CECOT como a vitrine de propaganda do sistema prisional brutal do presidente Nayib Bukele, que opera, em grande parte, fora do devido processo legal. Organizações de direitos humanos documentaram a morte de centenas, senão milhares de detentos no CECOT e em outras prisões de El Salvador. Tortura, espancamentos, negligência médica e desnutrição são comuns, e as condições brutais promovidas pelo governo salvadorenho já eram amplamente conhecidas antes da administração Trump escolher o CECOT como palco de sua própria exibição de brutalidade contra migrantes. Trump manteve uma relação amigável com Bukele, chegando a convidá-lo à Casa Branca em abril e até cogitando enviar cidadãos americanos para prisões estrangeiras, incluindo o próprio CECOT.
Enquanto os homens que foram torturados como resultado da atuação conjunta dos governos americano e salvadorenho tentam reconstruir suas vidas, um dos nomes da administração Trump que ajudou a enviá-los ao CECOT foi promovido a um cargo vitalício como juiz federal.
Na terça-feira, o Senado confirmou Emil Bove como juiz da Corte de Apelações do Terceiro Circuito dos Estados Unidos. A nomeação foi aprovada apesar de duas denúncias feitas por delatores contra Bove, alegando que ele e outros membros do Departamento de Justiça conspiraram para enganar os tribunais sobre a real intenção da administração de deportar os migrantes ao CECOT sob a Lei de Inimigos Estrangeiros.
De acordo com uma denúncia apresentada em junho por um delator, o ex-advogado do Departamento de Justiça (DOJ) Erez Reuveni, Emil Bove disse, durante uma reunião em março, pouco antes das deportações para El Salvador, que o DOJ talvez precisasse simplesmente dizer aos tribunais “foda-se” caso tentassem interferir nos planos. Dias depois, um advogado presente na reunião disse ao juiz James Boasberg, do Distrito de Columbia, que não fazia ideia se o governo pretendia deportar os migrantes em breve. Na realidade, os aviões que transportariam os homens para El Salvador já estavam sendo carregados e mobilizados.
Na semana passada, NeiyerverAdrián Leon Rengel, outro migrante mantido no CECOT, entrou com uma ação contra a administração Trump. “Quero limpar meu nome”, disse Leon Rengel ao New York Times, ele, como muitos dos deportados, foi acusado de ser membro de uma gangue terrorista apesar de não ter nenhum antecedente criminal. “Não sou uma má pessoa”.
É provável que outros sigam o mesmo caminho.
Este artigo foi originalmente publicado pela Rolling Stone EUA, por Nikki McCann Ramirez, no dia 30 de julho de 2025 e pode ser conferido aqui.
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Fonte: rollingstone.com.br