Death Stranding 2: On the Beach é como uma sinfonia — um lindo concerto clássico onde, ocasionalmente, uma guitarra elétrica entra rasgando com um riff desconcertante, mas surpreendentemente bom. No todo, é estranho e irregular, mas há algo inegavelmente fascinante em como essas partes díspares se encaixam.
Se há algo que Death Stranding 2 não tem, é falta de ambição. Este é um dos jogos mais grandiosos e ousados de Hideo Kojima (Metal Gear Solid) — um mergulho ainda mais profundo na visão e estilo do jogo original. O novo capítulo trata de muitos temas: como percebemos a morte e o luto, como a rotina molda nossas vidas, uma crítica ao imperialismo estadunidense, uma reflexão pós-Covid sobre o isolamento e um alerta sobre os perigos da dependência tecnológica e da inteligência artificial. É muito para processar, mas Kojima consegue de alguma forma entrelaçar cada nota dissonante em algo único — não só nos games, mas em qualquer meio.
Death Stranding 2 é belo e caótico ao mesmo tempo; uma história tão confusa quanto envolvente, com uma jogabilidade que varia entre inventiva e exaustivamente repetitiva. Quem não gostou do primeiro Death Stranding (2019) será dificilmente convencido agora, mas todos os outros têm diante de si uma jornada inesquecível. É um jogo de contrastes, que nunca se contenta em ser apenas uma coisa — e é um dos melhores do ano, senão da geração.
Um futuro familiar
Death Stranding 2 se passa cerca de 11 meses após o primeiro jogo. Embora haja um longo vídeo introdutório para recapitular a história, é altamente recomendado que se tenha jogado boa parte do título anterior.
A trama se desenrola em um futuro distante, após um evento cataclísmico conhecido como Death Stranding ter dizimado grande parte da humanidade, deixando os sobreviventes isolados. Criaturas paranormais chamadas Beached Things (BTs) infestam o mundo, e sempre que consomem um humano morto, causam um Voidout — uma explosão de proporções atômicas. Isso tornou os entregadores pós-apocalípticos (Porters), como o protagonista Sam Bridges (interpretado por Norman Reedus), essenciais para transportar suprimentos e conectar comunidades.
Depois dos eventos do primeiro jogo, Sam e sua filha Lou fugiram para o México, buscando uma vida isolada, longe do controle da UCA (United Colonies of America). No jogo anterior, Sam reconectou os EUA por meio de uma espécie de internet metafísica chamada Chiral Network. Agora, vivendo no México, ele é atingido por uma nova tragédia, e a UCA quer novamente sua ajuda para expandir a rede até o México e a Austrália — reunificando mais partes do mundo.
Mas reunir os EUA acabou tornando o restante do planeta ainda mais instável — e a crítica à ideia de “tornar Estados Unidos grande novamente” e suas consequências globais é bastante clara.
Atualizações de jogabilidade (e frustrações)
Antes de entrar nos detalhes da história e dos temas, vale destacar como a estrutura de jogabilidade de Death Stranding 2 impacta a experiência narrativa. Alternar entre mudanças bruscas de tom reflete fielmente o que é jogar o game.
Na essência, ainda é um simulador de entregas. À medida que Sam reconecta México e Austrália, ele deve realizar entregas a diferentes instalações e conectá-las à rede. O jogador começa a pé — inspirado nos carregadores tradicionais japoneses (bokka) — mas aos poucos desbloqueia meios de transporte: veículos, tirolesas, catapultas, monotrilhos, teletransportes e mais. O México funciona como área tutorial, antes da transição para a Austrália, onde o jogo realmente se expande.
O sistema Strand — que permite ver e usar construções de outros jogadores no mundo — retorna como uma parte central da mecânica.
A parte mais impressionante é como o jogo se mantém fiel à visão original, aprimorando o que já havia sido feito. A entrega lenta e metódica do primeiro jogo continua sendo o núcleo da experiência. Isso pode afastar alguns, mas para outros é parte do charme.
Embora haja mais ação e combate, o jogo ainda valoriza a caminhada reflexiva. E isso é admirável. Há mais opções para completar as entregas: extrair minérios, construir monotrilhos, viajar de moto, ou usar transponders para teletransporte. A nave DHV Magellan funciona como base móvel.
Novos perigos ambientais surgem, como os Plate Gates, portais que causam terremotos e ondas de choque, ou avalanches nas montanhas nevadas. O mundo parece mais vivo: novos tipos de BTs, mercenários, bandidos e os Ghost Mechs surgem e exigem criatividade e preparo no combate.
O combate está mais dinâmico e polido, com armas melhoradas e até elementos cômicos, como granadas que capturam BTs grandes (em estilo Pokémon) e os fazem lutar ao som de uma trilha sonora ao estilo Godzilla dos anos 1970.
Há também um novo sistema de habilidades, o APAS Enhancements, com melhorias específicas — como encher o cantil mais facilmente ou aumentar a cadência de tiro de armas.
Contudo, ainda há aspectos irritantes: trocar armas exige navegar menus e armas descarregadas precisam ser descartadas manualmente. O novo sistema de esquiva só funciona ao mirar com uma arma. Pequenos incômodos persistem, fruto da insistência em priorizar o “simulador de caminhada”.
Por outro lado, os chefes representam um salto gigantesco de qualidade. São batalhas épicas contra criaturas fantásticas ou em cenários que desafiam as leis da física. Em uma luta, Sam está em um mundo subaquático com gravidade lunar. Em outra, enfrenta soldados em um monotrilho estilo A Origem. As últimas horas do jogo entregam um verdadeiro delírio visual — no melhor sentido.
E é esse contraste que torna Death Stranding 2 tão fascinante: momentos cinematográficos épicos equilibrados com longos trechos de rotina meditativa. Essa justaposição reforça os temas de hábito e como os seres humanos se acostumam até com as situações mais opressoras.
Temas pesados e narrativa angustiante
A história de Death Stranding 2 é corajosa, atual e, às vezes, dolorosamente autorreferencial. Kojima faz diversas alusões à sua própria carreira — o que pode ser cativante ou pretensioso, dependendo do ponto de vista.
Sem spoilers, basta dizer que há reviravoltas surpreendentes logo no início que redefinem toda a jornada de Sam. É, disparado, a história mais sombria que Kojima já contou — abordando suicídio, depressão, luto e mais.
A pandemia de Covid-19 influenciou diretamente a narrativa, como o próprio Kojima afirmou. Há uma mensagem poderosa sobre a importância do contato humano e da conexão real. A violência também é tema central: como as pessoas comuns a entendem e como os governos a usam como ferramenta de poder — refletido tanto na narrativa quanto na jogabilidade.
A maioria dos personagens do jogo anterior retorna, incluindo o vilão Higgs (Troy Baker), agora muito mais bem desenvolvido. Novos personagens também brilham: Rainy (Shioli Kutsuna), uma garota que faz chover Timefall ao sair de casa e vive isolada pela sociedade, e Dollman (Fatih Akin, voz de Jonathan Roumie), um personagem tragicômico cuja alma habita um boneco ventríloquo.
O mais impressionante é que nenhum personagem é descartável — todos têm importância real na trama. Suas histórias refletem como a busca pelo poder molda vidas e como a morte está sempre presente nas escolhas.
O arco de Sam é comovente — uma jornada de família, amor e sacrifício, que leva o jogador a lugares emocionalmente inesperados.
Apesar dos saltos tonais e do ritmo errático, a história funciona devido à força de seus temas e personagens. Momentos épicos convivem com longos períodos de silêncio. Emoções humanas são expressas por meio de imagens surreais. É esse contraste que dá personalidade ao jogo.

Um salto raro e ousado
Mais ainda que o primeiro jogo, Death Stranding 2 é algo que será debatido por anos. Suas mensagens e ideias serão analisadas e reinterpretadas por muito tempo — para o bem ou para o mal. E é isso que torna esse jogo tão importante agora: em um mercado dominado por fórmulas seguras, ele é uma anomalia corajosa.
Não é uma sequência que busca agradar. É uma aposta que vai ainda mais fundo no estranho. Em uma indústria obcecada por franquias previsíveis, é revigorante ver algo tão ousado em escala e conceito.
Claro, só alguém como Hideo Kojima teria carta-branca para criar algo assim — Death Stranding 2 é quase um “monstro de Frankenstein” feito como tributo ao culto dos “autores” dos videogames. Um jogo movido por ambição sem freios. Em alguns momentos, é incômodo, exaustivo, indecifrável — mas isso faz parte de seu poder. A experiência pode significar algo completamente diferente para cada jogador.
Num momento em que a indústria sofre com demissões, cancelamentos e estagnação criativa, jogos como Death Stranding 2 são raros. Algo grandioso, lindo, ambicioso, caótico e imperfeito — tudo ao mesmo tempo. Não é para todos, mas para quem se arriscar, é uma experiência que define uma geração.
Death Stranding 2: On the Beach será lançado em 26 de junho para PlayStation 5.
Fonte: rollingstone.com.br