Com mais uma onda de reviravoltas chocantes, a 2ª temporada de The Last of Us, da HBO, chegou ao fim. Ao longo de sete episódios, a adaptação do jogo para PlayStation traçou um caminho sangrento em sua abordagem apocalíptica de Seattle, matando personagens a torto e a direito — alguns com maior impacto do que outros.
E embora a 1ª temporada da série não tenha deixado de lado a redução regular do elenco de apoio, a trama deste ano teve um impacto ainda maior nos espectadores, com o fim abrupto e brutal daquele que era considerado o astro da série, Joel Miller, interpretado por Pedro Pascal. Assim como aqueles que leram a série As Crônicas de Gelo e Fogo antes de Game of Thrones, os fãs do jogo de videogame têm se mantido em silêncio sobre a morte de um dos protagonistas desde que a adaptação para a TV foi anunciada, em 2020.
Considerando tudo isso, o público da TV aceitou a reviravolta com naturalidade — ou pelo menos melhor do que muitos jogadores inicialmente. Após o lançamento de The Last of Us Parte II, em 2020, a morte de Joel contribuiu para desencadear uma campanha de ódio contra os criadores e o elenco do jogo, incluindo a atriz Laura Bailey, que dublou Abby.
No entanto, apesar de haver uma resposta mais sensata à grande reviravolta desta vez, muitos espectadores temem que a série tenha perdido seu apelo principal ao perder a relação entre Joel e Ellie (Bella Ramsey). Após a partida de Joel, houve uma mudança perceptível na atmosfera online; uma situação ainda mais exacerbada pelos dois momentos de suspense no final que deixam o destino de Ellie em dúvida para aqueles que ainda não jogaram o game.
Mas, como muitos fãs já sabem, há motivos para ter esperança sobre a história que está por vir. Apesar de algumas mudanças significativas em certos pontos da trama e personagens, a visão da HBO sobre The Last of Us permaneceu surpreendentemente próxima à complexa (e controversa) estrutura do jogo que a inspirou. Se a trama original é algum indicativo, o que está por vir pode ser algumas das melhores histórias da série.
Qual é o problema?
Desde que a série foi anunciada pela primeira vez, os jogadores se perguntavam como os criadores Craig Mazin e Neil Druckmann (que também participou da criação dos jogos) abordariam a ambiciosa história de The Last of Us Parte II. Para a primeira temporada, era meio óbvio; The Last of Us de 2013 é um jogo que utiliza linguagem cinematográfica e performances de captura de movimento dignas do Oscar para contar uma história relativamente simples, facilmente adaptável para um filme ou série. Seguindo Joel e Ellie em uma odisséia pelo país, a história é dividida em quatro capítulos baseados nas estações do ano, com subcapítulos servindo como pequenas paradas e espaços narrativos onde novos personagens entram e saem (geralmente morrendo).
O segundo jogo, no entanto, é uma narrativa muito mais ampla que utiliza diferentes perspectivas e métodos de contação de histórias para chacoalhar as coisas, atingindo os jogadores com mudanças e desvios inesperados. O jogo começa com um prólogo, que também serve como um tutorial estendido e termina com a morte de Joel, dando início à busca por vingança de Ellie. Na série, esses eventos ocupam três episódios completos (quase metade da temporada), antes que a trama acelere exponencialmente.
Como mencionado, esta temporada termina com dois cliffhangers. Primeiro, Abby (Kaitlyn Dever) chega para um confronto com Ellie. Devastada pelo assassinato dos amigos, Abby aponta sua pistola para Ellie e puxa o gatilho antes de a tela ficar toda preta, deixando o destino de Ellie um mistério. A próxima cena mostra Abby em um local misterioso que é revelado como o estádio de futebol que o WLF (Frente de Libertação de Washington) vem usando como sua sede. Com uma batida rítmica de tambores, aparece na tela “Seattle, Dia Um” — indicando que a história está retrocedendo três dias.
A primeira parte é um clássico gancho de suspense. Os espectadores agora terão que se perguntar se Ellie realmente morre (uma possibilidade plausível, considerando a contagem atual dos mortos), e a espera pode durar até dois anos, dado o intervalo anterior entre as temporadas. É a segunda reviravolta que é mais interessante — e bem familiar para os fãs do game.
Em The Last of Us Parte II, os jogadores controlam Ellie a partir de uma perspectiva limitada, sem saber quem é Abby ou por que ela matou Joel. De fato, quase não há informações sobre os Lobos ou qualquer coisa acontecendo fora da sua visão. Jogando o videogame pela primeira vez, o confronto entre Ellie e Abby pode ocorrer cerca de 10-12 horas dentro do jogo (ou seja, toda a duração da primeira parte), e parece que você está se aproximando do fim. Então, o gatilho é puxado e a tela fica preta. O que vem a seguir é uma surpresa ainda maior do que a morte de Joel; o jogo não acabou; ele pode ter acabado de começar.
Sem grandes spoilers, a trama de The Last of Us Parte II é estruturada como uma épica abrangente que se desenrola em três atos (fora o prólogo) e a jornada de três dias de Ellie por Seattle compõe apenas um terço inicial. O próximo ato revisita o mesmo período sob a perspectiva de Abby. A partir daí, a história continua após seu conflito entre elas no teatro.
Por anos, os fãs se perguntaram como diabos o show da HBO contaria essa história. Será que ele alternaria entre suas perspectivas ou cortaria grandes partes do quadro maior? A 3ª temporada foi anunciada antes da segunda ir ao ar, mas mesmo assim não havia indicação sobre uma 4ª temporada. A estrutura da história original poderia ter sido totalmente alterada; parecia improvável que os produtores fizessem a mesma manobra surpresa do jogo, mas foi exatamente isso que eles fizeram.
Em uma entrevista recente ao Collider, Mazin deixou claro que imagina a série durando quatro temporadas. Ele disse: “Não há como completar essa narrativa em uma terceira temporada.” Com base na dica no final, até mesmo quem não joga pode esperar que o próximo episódio seja mais focado em Abby – e isso certamente parece ser o caso. Conversando com a Variety, Catherine O’Hara (que interpreta Gail), confirmou a teoria ao discutir se ela retornaria ao show: “[Definitivamente] não nesta próxima temporada. É a história da Abby.” Mas sem Joel ou Ellie, alguém vai continuar assistindo?
A ascensão de Abby
Desde o começo, mudar a história para a perspectiva de Abby seria controverso, independentemente de se tratar do jogo ou da série. Depois de passar por uma jornada emocional com Joel e Ellie, os fãs se apegaram à dupla. Matar Joel foi um golpe duro, mas forçar os jogadores a assumir a identidade da assassina dele? Muitos acharam isso um insulto.
Nos anos seguintes ao lançamento da sequência, aqueles que se sentiram descontentes foram aos fóruns online para lamentar as escolhas do jogo. A maior comunidade de críticos está em um sub-Reddit dedicado aos questionamentos contra a história e mais especificamente ao papel de Abby nela, o que deu origem a comentários de ódio contra as pessoas envolvidas com The Last of Us Parte II.
Um dos temas centrais da Parte II é o fato de que todos estão vendo as coisas apenas pela sua própria perspectiva; todos esses personagens que estão lidando com perdas e passando esse sofrimento adiante fazem isso na ignorância. Ellie não sabe que Joel matou o pai de Abby até já ter derramado sangue suficiente em retaliação. A própria Abby não tem consciência das atrocidades cometidas por ela e sua coalizão WLF até ser forçada em situações onde começa a conhecer mais sobre os Serafitas.
Mudar para Abby para reviver as 72 horas em Seattle permite aos jogadores que anteriormente só conheciam ela como um bicho-papão começarem a ver por que ela matou Joel e pelo que ela está passando. Depois de perder tudo no início da história, ela encontra uma nova família com os Lobos e outros personagens ainda não apresentados na série. Após algumas horas na pele de Abby – enquanto Ellie persegue Seattle matando seus amigos – os papéis são invertidos. Nesse contexto, a própria Abby é a protagonista – ou pelo menos tão importante quanto um protagonista pode ser.
Infelizmente, decisões já tomadas pelos escritores do programa diminuíram parte desse impacto. Revelar as motivações de Abby no segundo episódio tira um pouco do ar da revelação posterior na temporada quando ela extrai informações à força de Nora. Também há várias sequências na série que estabelecem o conflito maior entre os Lobos e os Serafitas, central à história de Abby mas sem conexão direta com Ellie.
Mas aqui está o ponto: A história da Abby é fantástica. Ela tem todos os componentes das histórias de Ellie – família encontrada, múltiplos triângulos amorosos, crescimento em um mundo sombrio – todos levados ao próximo nível. Ela é uma personagem profundamente simpática apesar de seu exterior duro, e os eventos que se desenrolam eventualmente fazem o arco narrativo da outra personagem parecer pequeno em comparação. É uma expansão de todas as coisas que fizeram as duas partes de The Last of Us funcionarem tão bem antes, e uma visão mais complexa desse mundo e seus habitantes.
Mais importante ainda, a mudança na perspectiva pode acabar sendo a solução para o atual buraco deixado pelo Joel na série. Se todo mundo está se perguntando por que gostaria de assistir Ellie sem o companheiro, pode ser melhor seguir adiante com um novo conjunto de personagens para conhecer e conviver totalmente. Voltando ao Game of Thrones, um dos maiores pontos fortes daquela série (pelo menos no início) era sua constante mudança entre personagens e facções. Os bons faziam coisas ruins; os maus faziam coisas ruins mas nós amávamos eles mesmo assim.
Grande parte do prazer daquela série provinha do fato dos espectadores serem forçados a serem críticos em relação aos personagens os quais se identificavam anteriormente, mudando suas próprias perspectivas conforme o tempo passava. É isso que The Last of Us exigirá daqui para frente. Pode ter sido fácil com Joel (o charme de Pascal é contagiante), mas os fãs do jogo sabem que o mesmo é possível com Abby.
Se a 3ª temporada puder se aprofundar ainda mais no jogo para contar um tipo diferente de história, há esperança de que todos — espectadores e personagens — encontrem consolo no desconhecido. Para quem tem a mente aberta, o melhor ainda pode estar por vir.
Artigo publicado em 27 de maio de 2025 na Rolling Stone. Para ler o original em inglês, clique aqui.
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Fonte: rollingstone.com.br