Se você pesquisar por “divórcio” no Google, não vão faltar artigos e reportagens explicando o passo-a-passo para oficializar o fim de um casamento ou mostrando que a separação é sinônimo de liberdade e felicidade, como se o término de um relacionamento fosse uma conquista.
Ou seja, na maioria das vezes são conteúdos que incentivam pessoas que estão com dúvidas e problemas conjugais a tomar uma decisão, e uma decisão pelo divórcio. Já conteúdos que tratem das consequências da separação são muito raros. Mas como elas existem, é preciso falar sobre esses impactos – que são ainda mais acentuados em crianças.
Um recente estudo norte-americano, publicado neste mês pelo National Bureau of Economic Research (NBER), mostrou as consequências de longo prazo mais esperadas em filhos de pais separados. “Após o divórcio, a renda familiar cai, os pais trabalham mais horas, as famílias se mudam com mais frequência – e se mudam para bairros mais pobres, com menos oportunidades econômicas. Esse conjunto de mudanças sugere múltiplos canais pelos quais o divórcio pode afetar o desenvolvimento e os resultados das crianças”, dizem os pesquisadores.
Mas o que esse estudo tem de diferente dos demais? A maioria das pesquisas que tentam comparar resultados entre crianças de lares intactos e divorciados encontra dificuldades em estabelecer a causalidade, isto é, a relação de causa e efeito. O motivo é que para chegar nisso é preciso uma amostra suficientemente grande ao longo de um período significativo de tempo e com amplo controle sobre as diferenças entre as famílias.
E é aí que a nova pesquisa ganha relevância: os três autores conseguiram atingir esse objetivo utilizando registros fiscais e do Censo de mais de 5 milhões de famílias com crianças nascidas entre 1988 e 1993. Com uma base tão ampla de dados, também conseguiram analisar centenas de milhares de grupos de irmãos cujos pais se divorciaram. Comparando irmãos, foi possível entender como o divórcio afeta, por exemplo, uma criança mais nova em comparação com um adolescente dentro de uma mesma família.
Veja quais foram as quatro principais descobertas do estudo:
1. Queda de renda
A diminuição da renda é uma das consequências que costuma gerar mais preocupação em adultos recém-divorciados, mas para as crianças o problema é ainda pior: antes do divórcio, a renda familiar anual média das famílias americanas analisadas era de US$ 95.000. Após a separação, a renda caiu para US$ 42.000, menos da metade.
A lógica é simples: enquanto um casal precisa de apenas uma casa com os móveis e eletrodomésticos necessários, um casal divorciado precisa de duas. E isso inevitavelmente exerce pressão financeira sobre as crianças, que terão menos recursos disponíveis.
O estudo também apontou que embora a renda familiar normalmente se recupere nos anos seguintes, ela permanece cerca de 30% abaixo do nível anterior à separação, mesmo uma década depois.
2. Aumento das jornadas de trabalho e menos tempo com os filhos
Como consequência da queda de renda, pais divorciados costumam aumentar a jornada de trabalho, reduzindo o tempo disponível para os filhos. A pesquisa mostra que após a separação, os pais trabalham em média 16% a mais, e as mães, 8%. Além disso, a jornada de trabalho continua a aumentar ao longo da década após o divórcio.
Na minha coluna aqui na Gazeta do Povo, costumo falar muito sobre a preciosidade que é o tempo que os pais investem passando com os filhos. Poucas coisas são tão relevantes para o desenvolvimento socioemocional de uma criança quanto o tempo com pai e mãe, e a separação pode ser um obstáculo para isso.
3. Maior distância entre os pais, menor proximidade com os filhos
A distância média entre os filhos e os pais que não moram mais na mesma casa (na grande maioria dos casos, o pai) é de 6,4 quilômetros no ano do divórcio, segundo a pesquisa, mas em muitos casos ultrapassou os 160 quilômetros. Ou seja, a longa distância entre os filhos e um dos pais é a regra, e a proximidade é exceção.
Mas a situação piora com o passar do tempo: pais separados têm maior taxa de mudança de residência, que persiste ao longo da década seguinte ao término. E o que isso significa? A distância média entre os pais, nos anos seguintes, cresce para 16 quilômetros, com casos frequentes que ultrapassam os 320 quilômetros – um tempo de deslocamento aproximado de quatro horas de carro.
Traduzindo: a proximidade e o tempo de convivência entre filhos e ao menos um dos pais tende a diminuir consideravelmente.
4. Aumento das taxas de mortalidade e de gravidez na adolescência
Os três pesquisadores concluíram que, entre meninas com pais casados, a taxa de gravidez na adolescência gira em torno de 7 para cada 1.000 ao ano. Já entre filhas de pais divorciados, esse número sobe para 13 a cada 1.000.
A mortalidade infantil também apresenta crescimento: os autores observaram que, após a separação, há um aumento “acentuado e persistente” de 10 a 15 mortes adicionais por 100.000 crianças por ano.
Mas e quando as coisas vão mal?
Dito tudo isso sobre os efeitos do divórcio em crianças, vale uma ponderação: cada um tem sua realidade e sabe “onde o calo aperta”, e muitas vezes não temos o controle dos acontecimentos. O que era estável e seguro pode desmoronar e por aí vai. Com isso também quero dizer que pais separados não devem conviver com uma culpa crônica, mas lidar com a paternidade da melhor forma possível.
Mas a verdade é que nem todo relacionamento é tóxico, abusivo ou fadado ao fracasso, como muitos dizem por aí. Normalmente são as pequenas situações não resolvidas que vão desgastando dia após dia uma relação que tinha tudo para dar certo. E na maioria das vezes há solução.
Esta coluna trata de paternidade e criação de filhos, e é nítido que para eles o divórcio é um golpe duro. Então não digo para insistir em um relacionamento que seja abusivo ou mesmo perigoso para uma das partes. Mas digo, sim, que se ainda há alguma chance, não jogue a toalha. Seus filhos podem não dizer, mas eles estão torcendo por vocês. Faça sua parte!
Fonte: Revista Oeste