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‘Não negocio meu corpo, eu exponho’, reflete Jonathan Guilherme sobre atuação em O Riso e a Faca


O cinema brasileiro marcou presença na 78ª edição do Festival de Cannes com O Riso e a Faca (I Only Rest In The Storm), longa-metragem dirigido pelo português Pedro Pinho (Djon África) exibido na prestigiada mostra Un Certain Regard.

A coprodução internacional entre Portugal, Brasil, Romênia e França conta com a participação de 31 profissionais brasileiros, entre eles a produtora Tatiana Leite, o diretor de fotografia Ivo Lopes Araújo, o antropólogo Renato Sztutman, a montadora Karen Akerman, o editor de som Pablo Lamar e o ator Jonathan Guilherme.

Qual é a história de O Riso e a Faca?

Inspirado na canção homônima de Tom Zé, o filme teve sua estreia mundial em Cannes e narra a trajetória de Sérgio, um engenheiro ambiental português que, ao trabalhar em um projeto rodoviário entre a selva e o deserto, se envolve afetivamente com dois habitantes locais: Diára e Gui.

O papel de Gui é interpretado pelo brasileiro Jonathan Guilherme, ex-atleta de vôlei que hoje atua como poeta e ator em Barcelona, ao lado do português Sérgio Coragem e da cabo-verdiana Cleo Diára. A produção brasileira é assinada pela Bubbles Project, com distribuição nacional da Vitrine Filmes.

Rolling Stone Brasil conversou com o ator Jonathan Guilherme sobre sua estreia no cinema, como sua trajetória pessoal influenciou a construção de Gui, além de refletir sobre as experiências vividas durante as filmagens na África. Confira a seguir:

Trajetória até o cinema

Jonathan Guilherme narra sua trajetória como uma travessia intensa e corajosa: “Esse salto foi um salto árduo, duro, mas alto, bem alto“. Natural de Araçatuba, interior de São Paulo, ele relembra o desafio de deixar sua cidade natal, sua família e amigos, e até o Vôlei Futuro, equipe onde jogou profissionalmente, mas que já não existe. “Para ser e chegar aonde estou agora, eu tive que sair de lá“, conta.

A poesia foi essencial nesse processo de transformação. “Foi o que me manteve vivo nos dias em que tive fome de comida, de sentimento e de alguma esperança, de uma Deusa que me salvasse.
Sua entrada no cinema aconteceu quase como um acaso poético: ele foi descoberto pelo diretor Pedro Pinho através do Instagram, participou do casting com a ajuda de uma amiga fotógrafa italiana e, pouco tempo depois, estava embarcando para Lisboa para um laboratório com os outros protagonistas, Sérgio Coragem e Cleo Diára. “Lembro desses dias como dias de verão“, relembra, antes de seguir para a Guiné-Bissau, onde viveu e gravou o filme por cerca de cinco meses.

O atleta e o poeta em Gui

Para compor Gui, seu personagem em O Riso e a Faca, Jonathan confessa que reuniu elementos essenciais de suas duas identidades mais marcantes: a de atleta e a de poeta. Do vôlei, trouxe “a disciplina, o psicológico, o nunca desistir“, uma resistência fundamental para sobreviver às camadas do caos e do neocolonialismo que o filme aborda: “Meu eu atleta em algum momento foi o meu eu mais forte“.

Já da poesia, ele carregou para o personagem o domínio das palavras e da expressão: “Eu gosto muito da voz do meu eu-poeta. Consigo identificar quando estou vendo o filme, quando o ‘eu poeta’ está em ação, atuando e fazendo o trabalho dele. E foi o que mais eu trouxe pro Gui“.

A experiência no set

Jonathan descreve a vivência de filmar na Guiné-Bissau e Portugal, ao lado de uma equipe diversa, como uma experiência “linda, reveladora, interessante, intrigante e muito amorosa“. A emoção é tanta que, mesmo em Cannes, ao dar a entrevista, ele confessa:

Facilmente eu posso me emocionar, eu posso chorar se eu for pensar na equipe, nas pessoas que eu conheci naquele país, nas amizades que eu fiz, nos lugares que eu passei, na festa de 1º de maio lá em Varela. Meu Deus, o que foi aquilo, inenarrável”.

Momento “Tom Zé”

Questionado sobre o momento mais “Tom Zé” das filmagens, aquele em que o caos se transforma em poesia, Jonathan relembra uma cena marcante com o colega Sérgio Coragem: “Foi uma conversa nossa sobre as várias possibilidades de amar… nós dois usamos nossas próprias vidas, visceralmente, para compor aquela cena“. Para ele, naquele ambiente caótico, conseguiram trazer à tona “a poesia de amar“, tornando a experiência inesquecível.

O Baobá

Entre as experiências mais hilárias, Jonathan destaca os dias em que dividiu a casa com a atriz Cleo Diára, em Bissau: “Dias ensolarados, bonitos, de riso, de abraços e muitos momentos hilários, muita conexão também“.

Mas o momento mais surreal foi o abraço coletivo em um Baobá: “Baobá, árvore da vida. Aquela árvore que eu li na Bíblia… Me faz até dar risada isso… Porque é lindo. É louco. É lindo.” Ele considera esse encontro como um ciclo que se abre e outro que se fecha:

Esse nosso encontro ancestral foi algo que eu acredito que possa ser explicado de maneira surreal, porque a gente se ama, a gente se entende… Ela é minha irmã de vida, ela é minha mãe no cinema”.

A exposição do corpo negro

Sobre a complexa questão da erotização e silenciamento dos corpos negros no audiovisual, Jonathan é direto: “Eu não negociei, eu não negocio o meu corpo, ele nunca esteve em negociação. Eu exponho“. Ele vê sua participação no filme como um ato de exposição e voz: “Eu sinto que eu não fui silenciado, eu sinto que eu tive voz, não pela primeira vez, mas eu sinto que eu tive voz em um lugar que eu nunca tive“.

Ele reconhece as ambiguidades dessa experiência: “Fui erotizado, sim, mas eu também sinto que eu erotizei, sabe? Então aí já é uma pergunta que tem duas mãos que se encontram“. E completa: “Desde o primeiro momento em que eu decidi participar desse filme, eu tomei também a decisão de que eu iria me doar. 200%.

Jonathan acredita que O Riso e a Faca rompe com o olhar europeu exótico e distanciado sobre a África e seus corpos: “Eu nunca senti esse olhar do Pedro para mim… e é muito importante para que eu esteja naquele espaço, que eu não me sinta visto dessa maneira, porque eu não sou exótico“. Segundo ele, essa sensibilidade está presente tanto no filme quanto na postura do diretor.

Memórias e aprendizado

Entre as muitas memórias, Jonathan destaca um sabor que nunca esquecerá: “As frutas que eu nunca tinha visto na minha vida. Uma delas é o veludo. Meu Deus, que fruta, que suco, que sabor“. Para ele, provar aquela fruta foi como experimentar “um tecido de veludo que tivesse gosto“.

Mas o maior aprendizado foi de ordem pessoal: “Aprendi que o Jonathan e o Guilherme… ele vai ser muito grande. O Pedro e o filme me deram a possibilidade de eu me sentir grande, de eu me sentir importante.” Não apenas pela sua altura de 1,97m, mas no sentido de se perceber “grande de espírito, grande de poesia, grande de amor, grande de gentileza, grande de disciplina“.

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Fonte: rollingstone.com.br

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