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Por que Trump está ameaçando investigar Bruce Springsteen


Na madrugada de segunda-feira, enquanto grande parte da imprensa da Casa Branca ainda dormia, o presidente Donald Trump exigiu que o governo federal conduzisse uma “grande investigação” sobre o cantor e compositor Bruce Springsteen — um crítico de Trump — e seu apoio presidencial no ano passado.

Na sexta-feira, o presidente americano já havia advertido Springsteen de que ele “deveria FICAR DE BOCA FECHADA” e que “vamos ver como vai ser para ele” quando o astro do rock voltasse para casa, nos Estados Unidos. Springsteen não cedeu e voltou a criticar o presidente “inapto” durante um show em Manchester, na Inglaterra, no sábado. “Coisas estão acontecendo agora que estão alterando a própria natureza da democracia do nosso país, e elas são importantes demais para serem ignoradas”, disse ele.

Esses comentários desencadearam uma nova onda de ameaças infundadas de Trump contra Springsteen e outras duas celebridades de destaque que apoiaram Kamala Harris em 2024: Beyoncé e Oprah Winfrey.

Há inúmeros escândalos, tentativas autoritárias de concentração de poder e aberrações morais sendo realizadas pela segunda administração Trump, muitas vezes de forma pública. O presidente, que foi duas vezes impeachado e diversas vezes indiciado, alimenta-se de atenção, então pode parecer fácil descartar seu último ataque obcecado por celebridades como uma mera birra ou distração.

Mas isso seria um erro. A cruzada de Trump contra a Primeira Emenda e a liberdade de expressão remonta pelo menos ao seu primeiro mandato na Casa Branca e à campanha presidencial de 2016. E a ameaça recorrente contra “The Boss” é apenas mais um front da campanha de terra arrasada de sua segunda administração contra a liberdade de expressão e os valores democráticos do país.

“A responsabilização de uma classe de pessoas que agem como se estivessem acima da lei pode ser desconfortável para a Rolling Stone, mas é revigorante para o povo americano”, diz o porta-voz da Casa Branca de Trump, Harrison Fields. Ele acrescenta que o Departamento de Justiça (DOJ) e a Comissão Federal de Eleições (FEC) têm jurisdição sobre essas supostas questões, e que “cada entidade agirá de forma independente em suas decisões”. (FEC se recusou a comentar a matéria; DOJ não respondeu de imediato.)

De acordo com três fontes familiarizadas com o assunto, Trump tem desabafado repetidamente com aliados próximos — antes e depois de sua vitória eleitoral em 2024 — sobre usar o Departamento de Justiça, a Comissão Federal de Comunicações, a FEC e outros órgãos governamentais para reprimir o que ele erroneamente caracteriza como “ilegais” violações de financiamento de campanha cometidas por celebridades alinhadas aos democratas, incluindo apresentadores de talk shows noturnos e outros liberais.

“QUANTO KAMALA HARRIS PAGOU AO BRUCE SPRINGSTEEN PELA SUA FRACA PERFORMANCE DURANTE SUA CAMPANHA PRESIDENCIAL? POR QUE ELE ACEITOU ESSE DINHEIRO SE É TÃO FÃ DELA? ISSO NÃO É UMA CONTRIBUIÇÃO DE CAMPANHA ILEGAL? E A BEYONCÉ? …E QUANTO FOI PARA A OPRAH, E BONO??? Vou exigir uma grande investigação sobre esse assunto”, postou o presidente em sua rede social na segunda-feira. “Candidatos não podem pagar por APOIOS, e foi isso que Kamala fez, disfarçado de pagamento por entretenimento… ISSO NÃO É LEGAL! Para esses ‘artistas’ antipatrióticos, isso foi só uma maneira CORRUPTA E ILEGAL de lucrar com um sistema falido. Obrigado pela atenção ao assunto!!!”

A teoria legal de Trump está errada — ele inverte basicamente a situação.

Harris não pagou Beyoncé, Winfrey ou Springsteen pelos apoios. Na verdade, a candidata fez pagamentos às empresas de produção deles por serviços prestados, como exige a lei.

A campanha de Harris relatou ter pago US$ 1 milhão à Harpo Productions, empresa de Winfrey, para organizar e operar um town hall transmitido ao vivo em Detroit. Pagou US$ 165 mil à empresa de Beyoncé, Parkwood Production Media, após ela se apresentar em um comício em Houston. Também pagou US$ 76 mil à Thrill Hill Productions, empresa de Springsteen, após ele se apresentar em um comício na Geórgia em outubro.

A legislação exige que campanhas paguem valor de mercado por serviços. Se Harris não tivesse pago essas empresas pelos serviços prestados, isso constituiria uma contribuição ilegal à campanha em dois sentidos: ultrapassaria o limite de doações e empresas não podem doar diretamente a candidatos.

Mesmo assim, há advogados e conselheiros políticos de direita que têm incentivado esses impulsos de Trump nos últimos meses. Algumas dessas pessoas, dizem fontes, agora fazem parte do governo Trump.

O presidente aparentemente também acredita que um comediante noturno que faz piadas ofensivas sobre ele pode estar cometendo uma contribuição política ilegal aos seus oponentes.

Durante seu primeiro mandato, ele tentou fazer com que o Departamento de Justiça punisse o programa Saturday Night Live e outros programas de TV. Separadamente, instruiu sua equipe da Casa Branca a pressionar a Disney para censurar o apresentador Jimmy Kimmel da ABC.

Naquela época, alguns de seus principais assessores reviravam os olhos e ignoravam essas ordens, esperando que ele esquecesse o assunto. Hoje, Trump está cercado de pessoal sênior cuja principal qualificação é estar disposto a executar fielmente suas ordens mais autoritárias, corruptas e absurdas.

Um dos motivos pelos quais Trump continua obcecado em usar leis de financiamento de campanha contra seus inimigos políticos e culturais — como o autor de “Thunder Road” — é simples: vingança.

Segundo pessoas que conversaram com Trump nos últimos meses, ele ainda não superou o fato de ter sido implicado — primeiro por promotores federais em 2018 e depois pelo promotor distrital de Manhattan, Alvin Bragg, em 2023 — como o líder de uma conspiração para violar leis de financiamento de campanha e pagar subornos a mulheres, incluindo a atriz pornô Stormy Daniels. Bragg o indiciou, e o julgamento no ano passado resultou na sua condenação — tornando-o o primeiro presidente condenado por crime nos EUA.

Nos últimos meses, o presidente reclamou em privado que, se os promotores puderam usar contra ele uma acusação de financiamento de campanha que ele chama de “bobagem”, não há razão para não aplicar a mesma lógica a certas celebridades, jornalistas, figuras democratas e outros alvos, segundo duas fontes.

“Os democratas fingiram se importar com violações de financiamento de campanha quando perseguiram o presidente Trump com sua guerra jurídica”, disse Mike Davis, advogado conservador próximo a Trump e figura-chave do círculo jurídico MAGA, à Rolling Stone. “Talvez eles não devessem jogar pedras quando vivem em casas de vidro. Ninguém está acima da lei.”

Seria muito mais fácil ignorar a intimidação de Springsteen por parte de Trump se a nova administração já não tivesse demonstrado uma disposição em prender pessoas simplesmente por expressarem uma opinião ou escreverem um artigo. E foi no mês passado que este presidente reuniu a mídia para vê-lo assinar uma ordem executiva exigindo que o Departamento de Justiça investigasse criminalmente Chris Krebs — ex-oficial de cibersegurança do governo Trump — cujo “erro” foi dizer a verdade de que a eleição de 2020 não foi fraudada contra Trump.

A equipe de Trump sabe muito bem que quase não importa se a administração realmente abrirá uma investigação formal sobre Springsteen ou seu apoio absolutamente legal à então vice-presidente Harris. A ameaça de usar o poder do governo contra “The Boss” por exercer seu direito à liberdade de expressão já é, por si só, uma ação repressiva — algo que não seria ignorado se fosse feito por qualquer outro líder dos EUA em tempos recentes.

De certo modo, tudo isso já era esperado — ainda que objetivamente escandaloso e abusivo. Durante sua campanha de reeleição em 2024, Trump prometeu aos eleitores que se vingaria desde o Salão Oval, e que seus inimigos, reais ou imaginários, sofreriam — seja por responsabilizá-lo por crimes ou simplesmente por irritá-lo.

Às vezes, Trump tentou suavizar suas promessas explícitas, dizendo que seu “sucesso” econômico e político seria sua vingança. Essa tentativa de relações públicas pode ter dado esperança a alguns aliados.

Em janeiro, pouco antes da segunda posse de Trump, o advogado celebridade Alan Dershowitz discursou em uma exibição em Mar-a-Lago de um documentário sobre John Eastman, advogado que ajudou Trump na tentativa de reverter os resultados da eleição de 2020. (Dershowitz aparece no filme.)

Ele, que se descreve como democrata liberal e defendeu Trump no primeiro impeachment, disse à Rolling Stone que, ao discursar no evento, percebeu o então presidente eleito na plateia. Na hora, decidiu se dirigir diretamente a ele, com um apelo modesto:

“Eu disse que era contra qualquer tipo de uso político do sistema legal… e esperava que a nova administração encerrasse esse tipo de guerra jurídica”, lembra Dershowitz. “Disse que a resposta adequada ao que fizeram com você não é fazer o mesmo com os democratas — é não fazer com ninguém… Ambos os partidos deveriam evitar essa instrumentalização.”

Nesse momento, segundo ele, Trump “pareceu assentir com a cabeça”. Mas é seguro dizer que o 45º — e agora 47º — presidente dos Estados Unidos não concordou, de fato.

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Fonte: rollingstone.com.br

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