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Lula quer pedir à China que regulamente as redes sociais?


Janja causou constrangimento internacional. Isso não é uma opinião, é um fato relatado por vários diplomatas e jornalistas que cobriram a reunião entre o presidente Lula e o presidente chinês, Xi Jinping. Em plena visita oficial, na presença do chefe de Estado chinês, a primeira-dama brasileira pediu a palavra para se queixar do TikTok, aplicativo chinês, acusando-o de favorecer a extrema-direita no Brasil. O presidente chinês e a primeira-dama não gostaram. A diplomacia brasileira ficou constrangida. E Lula surtou porque a informação veio a público.

O que Janja fez foi ainda mais grave do que parece à primeira vista. Ela não apenas falou sem autorização formal. Ela pediu ao governo chinês que interferisse em uma empresa de seu próprio país para favorecer a posição ideológica do grupo político ao qual pertence. E fez isso diante da comitiva brasileira, da diplomacia chinesa, do presidente Xi Jinping e da primeira-dama.

Na cultura chinesa, existe um conceito milenar chamado miànzi (面子), que pode ser traduzido como “manter a face”. É o oposto de “queimar a cara” de alguém e representa um dos pilares das relações humanas na China, tanto em ambientes familiares quanto institucionais e comerciais. Trata-se da valorização da reputação pública, da preservação do prestígio e da imagem de uma pessoa, especialmente diante de terceiros. Em situações formais, como aquela em que Lula se encontrava, falar publicamente algo que desmereça ou exponha negativamente um aliado é considerado uma grave violação desse princípio. Janja quebrou o miànzi de Xi Jinping.

Lula, ao reagir com raiva ao vazamento de informações, apenas confirmou o que todos já sabiam: a visita não era sobre democracia. Era sobre controle. Não se trata de vazamento. Lula e Janja estavam representando o Brasil em um compromisso oficial com outra nação soberana. Era, portanto, de interesse público tudo o que se tratasse ali. O chilique presidencial por causa da cobertura jornalística dá pistas do verdadeiro teor da visita. E nos leva a uma pergunta urgente: o que Lula foi fazer na China?

A resposta mais razoável parece simples. Lula foi até lá pedir apoio político para a regulação das redes sociais. Foi isso que Janja mencionou ao intervir. E é isso que tem norteado o discurso do presidente e de seus aliados em relação ao tema. A estratégia de Lula é apelar para o argumento internacional: se outros países fazem, o Brasil também deve fazer.

O problema é escolher a China como referência.

A China é um Estado autoritário. O Partido Comunista controla a internet com uma combinação de censura, vigilância e propaganda, além de um sistema de crédito social que pune até mesmo opiniões desfavoráveis à ditadura. Google, Facebook, Instagram, WhatsApp, Twitter e LinkedIn foram todos banidos do país. Plataformas locais são monitoradas, e a repressão à liberdade de expressão é documentada por organizações internacionais de direitos humanos. Só em 2023, mais de um milhão de postagens foram excluídas sob ordens do governo chinês, segundo relatório da Administração Estatal de Ciberespaço.

A exclusão é só o começo da punição. Todas as suas oportunidades de vida, da escola dos seus filhos ao seu emprego, passam por este controle social. Se você falar mal do governo, seu sobrinho pode perder a vaga numa escola boa, por exemplo. Milhões de passagens de trem e avião deixam de ser emitidas todos os anos porque o emissor tem crédito social insuficiente. Isso pode ser por ação dele ou de familiares dele. É um pesadelo.

Controlar plataformas, controlar informação, controlar discurso. O mesmo presidente que fala em regular a “mentira” é o que mais mente impunemente desde que assumiu. O mesmo grupo que se diz defensor da democracia é o que se irrita quando a imprensa noticia fatos que considera desfavoráveis.

Se Lula e Janja foram mesmo à China pedir ajuda para regulamentar redes sociais, cometeram um erro diplomático, político e moral. Mas, sobretudo, cometeram um erro de leitura: acreditam que podem controlar a narrativa como se estivessem na China. Mas estão no Brasil. Ainda.

A imprensa livre é incômoda, mas é insubstituível. E o povo, ainda que silenciosamente, está vendo tudo pelas redes sociais.



Fonte: Revista Oeste

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