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Quando a Fé entra na mesa do diálogo global


Entre os dias 14 e 17 de maio, Jean Regina e eu estivemos participando do Summit Of Nations 2025, em Assunção, no Paraguai, para tratar da paz e da reconciliação no mundo. Participamos como palestrantes e debatedores nos fóruns sobre a África, Ásia, América e Europa, bem como na Plenária sobre a liberdade religiosa de todas as confissões religiosas. Entre os temas que tratamos, respondemos três questionamentos importantes, os quais compartilhamos com os nossos leitores de nossa coluna aqui na Gazeta do Povo:

Como defender a liberdade religiosa em contextos hostis?

Primeiramente, precisamos fortalecer os marcos legais que garantem a liberdade religiosa. No Brasil, por exemplo, a Constituição assegura esse direito nos artigos 5.º e 19.º. Além disso, o Código Civil Brasileiro garante que as organizações religiosas possuem liberdades de criação, funcionamento e organização interna, art. 44, § 1.º. A criação de órgãos governamentais específicos, encarregados de políticas públicas de promoção da liberdade religiosa e do fenômeno religioso em si, como uma secretaria especializada no governo, também é fundamental para implementar políticas públicas eficazes, inclusive campanhas de conscientização, para informar o público sobre a realidade da perseguição religiosa no mundo e, inclusive, no Brasil.

Outra ação importante é o fortalecimento das igrejas e demais templos religiosos, especialmente em um Estado laico, para que eles desempenhem o papel que o Estado não pode fazer: o de suporte espiritual e humanitário aos religiosos perseguidos, inclusive os cristãos, que muitas vezes são esquecidos.

Ações práticas e engajamento comunitário

Ainda, ações práticas e o engajamento das comunidades são medidas importantes, pois cada um pode contribuir de diversas formas, como:

Doações: apoiar financeiramente projetos que auxiliam comunidades perseguidas.
Voluntariado: engajar-se em atividades das organizações, oferecendo tempo e habilidades.
Oração: participar de redes de oração em favor dos perseguidos.
Educação: promover eventos e discussões sobre liberdade religiosa em escolas, igrejas e comunidades.

Por fim, não podemos esquecer a necessidade da cooperação internacional. A colaboração entre organizações internacionais, governos e entidades civis é crucial. A Portas Abertas e a ACN, por exemplo, frequentemente trabalham em parceria com outras instituições para maximizar o impacto de suas ações e pressionar por mudanças políticas em países onde a perseguição é mais intensa.

Combater a perseguição religiosa requer um esforço conjunto, envolvendo desde ações individuais até políticas governamentais e cooperação internacional. Ao nos informarmos, engajarmos e apoiarmos essas causas, contribuímos para um mundo mais justo e respeitoso à liberdade de crença e à liberdade religiosa.

O que o cristianismo pode oferecer ao debate sobre a paz, a justiça e a verdade?

O cristianismo oferece ao debate sobre paz, justiça e verdade algo que nenhuma ideologia ou construção sociológica consegue sustentar de forma plena: a existência de verdades morais absolutas, universais e acessíveis à razão humana. Esses princípios, expressos no que chamamos de direito natural, são reconhecíveis por todas as culturas ao longo da história — e encontram expressão objetiva no Decálogo, os Dez Mandamentos, que estruturam não apenas a fé judaico-cristã, mas também a própria civilização ocidental.

Foi o cristianismo também que reconheceu, primeiramente, que a dignidade é atributo indissociável da vida humana, ou seja, todo ser humano tem que ter uma vida digna pelo simples fato de ser. E a origem do metavetor de todos os direitos, a dignidade da pessoa humana, é o cristianismo. Importante lembrar que a fé cristã propõe uma visão integral do ser humano: corpo, alma e espírito — e que essa concepção integral é condição intrínseca do ato de sermos humanos, que, aliás, de fato, por enquanto, é a única coisa que somos em ato, isto porque fomos criados por Deus e d’Ele recebemos o Imago Dei. Em tempos de relativismo moral e confusão antropológica, o cristianismo resgata o fundamento da justiça não como simples retribuição legal, mas como reordenação do mundo a partir do amor sacrificial e da verdade objetiva. Não há justiça sem ordem, e a ordem faz parte da revelação geral de Deus ao homem.

O cristianismo entende que paz, justiça e verdade não são apenas categorias políticas ou consensos temporários. Elas têm raiz ontológica: derivam do próprio Deus, Criador e Legislador supremo. A paz verdadeira exige reconciliação com Deus e com o próximo por meio de seu Filho, Jesus de Nazaré; a justiça verdadeira requer o respeito à ordem moral objetiva; e a verdade, por sua vez, é o reconhecimento da realidade tal como ela é — e não como gostaríamos que fosse.

O direito natural afirma, por exemplo, que tirar a vida de um inocente é sempre injusto; que honrar pai e mãe é sempre virtuoso; que as liberdades de consciência e crença são inalienáveis. Esses princípios não são valores negociáveis, porque não foram inventados por culturas ou legisladores — foram descobertos pela razão e confirmados pela fé. Eles antecedem o Estado e resistem às modas ideológicas.

Quando organizações como a Portas Abertas, a ACN, o IBDR e o Parlamento y Fé denunciam perseguições religiosas, o fazem não apenas por solidariedade, mas por reconhecimento de que o direito de crer e de viver coerentemente com a própria fé é um absoluto moral — violá-lo é uma injustiça em qualquer lugar, contra qualquer pessoa.

Portanto, o cristianismo oferece à humanidade um eixo moral fixo num mundo em turbulência. Ele recorda que não pode haver paz sem justiça, nem justiça sem verdade, nem verdade sem referência ao bem objetivo e transcendente. E que a paz verdadeira não é fruto da imposição do mais forte, mas da conversão dos corações à verdade do amor, na Pessoa do Filho do Homem, Jesus Cristo.

Como dialogar com outras crenças sem diluir a sua própria identidade religiosa?

A liberdade religiosa é o eixo de qualquer democracia, e não existe democracia sem diálogo. Nesse contexto, o diálogo inter-religioso é importante, pois, afinal de contas, todos são atores e protagonistas em uma comunidade política democrática. E esse diálogo só é possível quando cada parte conhece e assume profundamente sua própria identidade. Dialogar não é negociar a fé, mas testemunhá-la com caridade e firmeza. O cristão não dialoga para esconder a verdade, mas para revelá-la em amor — com respeito à liberdade do outro, sem renunciar às suas convicções mais profundas, sobretudo à de que só existe um caminho para a vida eterna, e ele se chama Jesus.

Nesse sentido, o IBDR tem defendido que a liberdade religiosa não se resume ao direito de culto, mas é muito mais do que isso: envolve também o direito de expressão, de organização religiosa, de ensino religioso e de presença no espaço público. É esse entendimento que permite, por exemplo, que escolas confessionais existam, que igrejas atuem em temas sociais e que o cristão se posicione eticamente na política, na mídia e na cultura. A fé não é um apêndice da vida privada, mas o eixo da vida integral de um crente — e essencial para a comunidade política e para o próprio Estado, na atuação conjunta em busca do bem comum.

A laicidade colaborativa, conforme defendida em nossa obra e consagrada na jurisprudência do STF, afirma que o Estado não pode impor religião, mas também não pode hostilizar ou silenciar as religiões. Isso abre espaço para o diálogo, para a cooperação mútua, sem imposições e sem censura ideológica.

Do ponto de vista teológico, o cristão é chamado a ser sal e luz no mundo — não um camaleão cultural. Ele se senta à mesa com o diferente, mas não para absorver, e sim para influenciar, isto é, salgar e iluminar. Ele ama, escuta, acolhe, mas também anuncia e denuncia. Foi assim com Jesus em seu diálogo com a samaritana, com Nicodemos, com o centurião romano e até com os fariseus: sempre com firmeza doutrinária, mas nunca com violência.

Portanto, é possível e necessário dialogar com outras crenças — desde que isso não implique em relativizar a própria fé. O testemunho coerente, a disposição ao aprendizado mútuo e a certeza de que a verdade não precisa ser imposta, mas anunciada, são as chaves para o diálogo honesto, frutífero e duradouro. Afinal, identidade firme é o que dá valor ao diálogo, não o contrário.

Este pode ser o resumo da nossa participação, além de denunciarmos as crescentes violações contra cristãos na África, especialmente na Nigéria, e na Ásia, especialmente no Paquistão. Além disso, demonstramos a importância de uma laicidade colaborativa para um ambiente de paz, destacando a mudança de paradigma que está em curso nesse momento nos Estados Unidos, a partir do caso Kennedy v. Bremerton School District, 597 U.S. 2022.



Fonte: Revista Oeste

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