A região da Barra Funda, em São Paulo, recebeu dois dos três shows do System of a Down na cidade: no sábado, 10, e domingo, 11. Na primeira data, outra banda de rock — com sonoridade menos pesada e mais melódica — arrebatou fãs a aproximadamente 1 km de distância: o Foreigner.
O grupo veio ao Brasil para apresentação única, no Espaço Unimed, para um público menos numeroso que o natural da casa de eventos, mas não menos dedicado. Para quem não conhece, o Foreigner foi criado em 1976 e cresceu bastante em popularidade nas décadas de 70 e 80, tornando-se um forte representante do chamado AOR — versão ainda mais radiofônica do que se convencionou a chamar de hard rock. Hits como “I Want to Know What Love Is”, “Cold as Ice”, “Hot Blooded” e “Waiting for a Girl Like You” fazem parte de seu repertório, ostensivamente tocado em eventos e programas de rádio com temática “flashback”.
Nos últimos anos, o guitarrista e único membro fundador remanescente, Mick Jones, se afastou das atividades devido a um diagnóstico de Parkinson. O Foreigner anunciou uma turnê de despedida, mas no meio do caminho percebeu que daria para continuar sem seu líder.
Virou banda-empresa? Não sabemos, mas foi assim que chegamos à confusão que é o Foreigner em 2025, quando vários shows foram anunciados, mas o vocalista desde 2004, Kelly Hansen, não poderá fazer nenhum deles fora dos Estados Unidos. A turnê canadense terá Geordie Brown, que estrelou o musical “Juke Box Hero” em 2019. Na América Latina, confirmaram que Lou Gramm, cantor original, estaria presente, mas sem especificar por quantas músicas — ele já havia participado de apresentações em 2017 e 2018, mas seus 75 anos não lhe permitiriam uma performance completa. Então, o guitarrista Luis Maldonado assumiu o microfone principal.
Como foi o show do Foreigner
O show em São Paulo começou sem Lou Gramm, que apareceria apenas nas quatro últimas canções. Luis Maldonado (voz), Jeff Pilson (baixo, teclado), Michael Bluestein (teclado), Bruce Watson (guitarra), Damon Fox (guitarra, baixo) e Chris Frazier (bateria) encontraram um público que ainda precisava ser convencido. Era nítida a surpresa de muitos com a presença de Luis, anunciado no site da produtora local como guitarrista, na posição de frontman. Seu físico nada imponente e a tenra idade aparente não ajudaram a atrair muita atenção.
O artista de origem mexicana, porém, conseguiu convencer com o mais importante: qualidade vocal. Conforme o set inicial se desenrolou na incrível abertura “Double Vision” — canção de construção pouco óbvia e muito atraente —, o hino hard rock “Head Games” e a Queen-esca “Cold as Ice”, Luis arrebatava cada vez mais fãs com uma interpretação extremamente similar à de Lou Gramm. Numa audição às cegas, qualquer um diria que era uma performance pré-gravada de Gramm em seu auge. Não era. À altura da baladaça “Waiting for a Girl Like You”, quarta do set, aquele jovem cantor de visual pouco alinhado já tinha boa parte do público nas mãos e, em presença de palco, começou a se soltar ainda mais. De forma justa, ao fim desta faixa, Jeff Pilson — quase um co-frontman — puxou o colega e pediu aplausos para ele.
Maldonado e Pilson são os destaques de uma bandaça impecável que se preocupa em executar o repertório de modo mais fiel possível às gravações originais. Há momentos onde as músicas se estendem para incluir algum solo ou interação, mas a sensação na maior parte do tempo é de estar ouvindo o disco, tamanha a perfeição. E sem truques. Nada é pré-gravado, nem mesmo os backing vocals: todo mundo exceto Frazier canta de verdade e deu para perceber quando um ou outro integrante esquecia de ir ao microfone ou chegava atrasado para contribuir neste quesito.
Uma pena que o set executado no Brasil tenha sido a versão mais curta, com 12 músicas e 1h25min de duração — deu para ver pelo relógio na lateral do palco que eles encerraram tendo 5 minutos de sobra. Em alguns outros países, houve a execução de um set de 14 faixas, incluindo a intrincada “Blue Morning, Blue Day” e a afável “Fool for You Anyway”. Não foi desta vez que o Brasil ouviu este par de canções, mas teve espaço para a dramática balada “That Was Yesterday” — citada por Luis como sua predileta do set —, a roqueira “Dirty White Boy” — com letra sobre Elvis Presley — e o primeiro hit do grupo, “Feels Like the First Time”, aparentemente com execução mais lenta e meio tom abaixo.
A envolvente “Urgent”, com direito a keytar substituindo saxofone e disparo de máquina de fumaça, antecedeu o único momento desnecessário do set: um solo de dez minutos, distribuído em duas metades para teclado e bateria. A partir daí, porém, ocorre o momento mais aguardado, que é a entrada de Lou Gramm.
A presença de Lou Gramm
Aclamado desde o primeiro passo no palco e da primeira palavra entoada, o frontman original participou da segunda parte de “Juke Box Hero” e cantou inteiras a hard rocker “Long, Long Way from Home”, a superbalada e superhit “I Want to Know What Love Is” e o encerramento “Hot Blooded” — nesta, Luis Maldonado pega uma guitarra e faz um solo tão incrível quanto sua performance vocal ao longo da noite. Lou, por incrível que pareça, não ficou atrás. Cantou tão bem, até mesmo nos tons mais agudos, a ponto de gerar o questionamento: como seria se ele comandasse o set inteiro?
Talvez a gente até consiga descobrir algum dia num futuro próximo, pois tudo pode acontecer nesta empresa chamada Foreigner. Gramm encerrou o show dizendo “iremos nos ver em breve”, mas em entrevista à Rolling Stone Brasil, disse que a turnê atual era a “penúltima da banda como a conhecemos”. Não dá para saber o que vai acontecer. Dois anos atrás, este reencontro era impossível, pois Lou criticava abertamente Kelly Hansen por supostamente imitá-lo — algo que Luis faz e, agora, recebe apoio do frontman original.
Surpreendendo ou não, o Foreigner fez um show impecável em São Paulo, ainda que diante de uma plateia menor que o merecido. Execução perfeita de um repertório tão forte que faz muita gente nem se importar com quem o executa, desde que com qualidade. Se esta banda virou empresa, digo com orgulho que virei cliente. [Resenha publicada originalmente no site Igor Miranda.]
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Fonte: rollingstone.com.br