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Entenda como Elon Musk está corroendo os EUA, segundo a Rolling Stone


Ben Vizzachero tinha o emprego dos sonhos, trabalhando como biólogo da vida selvagem na Floresta Nacional Los Padres, na Califórnia. Ele estava subindo na hierarquia, havia recebido recentemente uma avaliação de desempenho positiva e estava “tornando o mundo um lugar melhor”, diz ele. 

No entanto, no fim de semana do Dia dos Presidentes em fevereiro, o governo de Donald Trump disse a Vizzachero que ele seria demitido por seu “desempenho”. O biólogo foi um dos milhares de funcionários federais “em estágio probatório” que foram demitidos sem fundamento por Elon Musk e seu chamado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) como parte do esforço de Trump para expurgar a força de trabalho federal e torná-la mais MAGA [Make America Great Again, ou Faça a América Grande Novamente, mote do governo do republicano.

Foi devastador. “Meu trabalho é minha identidade”, diz Vizzachero. “Desde os cinco anos de idade, me defino como um apaixonado por pássaros e pela observação de aves.” Em entrevista à Rolling Stone em março, após sua demissão, ele se perguntou o que aconteceria com seu plano de saúde e se precisaria morar com os pais.

Quando um parlamentar democrata convidou Vizzachero para o discurso conjunto de Trump ao Congresso em março, ele se viu sentado perto de Musk e aproveitou a oportunidade para confrontar o homem mais rico do mundo. Segundo o biólogo, ele descreveu seu trabalho para o bilionário do DOGE e perguntou: “Sou um desperdício?” 

Musk, com “com um sorriso muito debochado”, respondeu com uma frase do filme Como Enlouquecer Seu Chefe (Office Space, 1999): “O que você diria que faz aqui?”

Foi uma referência duvidosa à cena em que dois consultores de gestão empresarial entrevistam um empresário pouco eficiente e o forçam a explicar seu trabalho antes de ser demitido. Assim como inúmeros negociadores de Wall Street que aprenderam a lição errada do discurso de Gordon Gekko de que “a ganância é boa”, Musk não entendeu o objetivo de Office Space: satirizar a cultura corporativa desumana e os chefes que são cretinos odiosos como ele.

Logo após a vitória de Trump e dos republicanos em 2024 — que Musk apoiou com US$ 290 milhões em gastos políticos — o CEO da Tesla publicamente refletiu sobre usar essa fala de Como Enlouquecer Seu Chefe com funcionários federais. Ele a publicou em novembro no X, a plataforma de mídia social da qual é dono, com um emoji de choro de rir, compartilhando novamente sua postagem anterior de uma imagem gerada por IA na qual ele está sentado em uma mesa de conferência atrás de um cartaz que diz “DOGE”. Duas semanas depois, Musk anunciou: “Assisti novamente ao Office Space hoje à noite pela 5ª vez para me preparar para o DOGE!” O bilionário teria mandado fazer uma camiseta do departamento estampada com sua fala favorita. E em um fim de semana de fevereiro, Musk ameaçou demitir todos os funcionários federais que não respondessem a um e-mail perguntando: “O que você fez na semana passada?”

Elon Musk (Foto: Samuel Corum/Getty Images)

Musk e a Casa Branca não responderam ao pedido de comentário da Rolling Stone.

O povo americano está dizendo: ‘Sabe de uma coisa, Elon Musk? Acreditamos que você é um mentiroso’.” — Everett Kelley

Com o DOGE, Musk baniu alegremente milhares de funcionários federais, cancelou auxílios que salvam vidas e ameaçou repetidamente os programas de segurança social dos Estados Unidos, tudo como parte de uma suposta caça ao desperdício, fraude e abuso. Ele governa como um vilão corporativo desinformado, rindo dessa carnificina enquanto festeja, publica, entrega grandes pagamentos aos eleitores (embora os valores não signifiquem praticamente nada para ele) e lucra com novos contratos e oportunidades de negócios — às vezes parecendo estar fora de si. Até mesmo funcionários do governo e apoiadores de Trump no Capitólio brincam com os últimos ultrajes do “Primeiro Ministro Musk”. A cada passo de sua cruzada de destruição, o CEO da Tesla e da SpaceX desafia os tribunais e uma frágil oposição democrata a detê-lo. 

Mas não demorou muito para que os americanos comuns se irritassem, com protestos contra o DOGE, Musk e suas empresas acontecendo em todo o país. “O povo americano está dizendo: ‘Sabe de uma coisa, Elon Musk? Não estamos comprando o que você está vendendo. Acreditamos que você é um mentiroso'”, diz Everett Kelley, presidente da Federação Americana de Funcionários Públicos, um sindicato federal que entrou com ações judiciais contra o governo Trump em nome dos mais de 820.000 trabalhadores de agências governamentais que representa.

Os organizadores montaram uma campanha chamada “Tesla Takedown”, com milhares de pessoas em todo o mundo comparecendo às concessionárias da empresa para condenar o DOGE, segundo o grupo. Eles incentivaram os proprietários da Tesla a venderem seus carros e os acionistas a se desfazerem de suas ações, já que grande parte da riqueza de Musk vem de sua participação na fabricante de veículos elétricos.

“As pessoas perguntam: ‘O que é DOGE?’”, diz uma aposentada em um protesto anti-Tesla em Los Angeles em março, explicando que ela e o marido estão tentando “educar as pessoas” sobre os danos que o projeto de Musk está causando. Motoristas que passam buzinam em apoio às cerca de 25 pessoas reunidas em um centro da empresa, apesar da chuva. Alguns seguram cartazes denunciando Musk como nazista (ele negou qualquer associação com a ideologia), enquanto outro cartaz no protesto simplesmente diz: “Não tenho certeza sobre esse cara, Elon Musk”. 

“Há um movimento crescente para desinvestir, as ações da Tesla estão em queda vertiginosa”, diz o ator e escritor Alex Winter, que lançou o Tesla Takedown com outros ativistas em fevereiro. “As coisas estão caminhando na direção certa.”

‘Tio Elon Maluco’

Antes da posse de Trump, os observadores não tinham certeza se a ideia de criar um departamento de eficiência governamental comandado por Musk deveria ser levado a sério. Mas o bilionário e o DOGE estiveram na vanguarda da segunda administração surpreendentemente ilegal de Trump. 

Musk liderou o expurgo presidencial da força de trabalho federal e seus esforços para consolidar informações e poder sobre fundos federais — apesar de nunca ter sido eleito, nomeado ou confirmado para exercer um papel tão crucial. O bilionário é tecnicamente um “funcionário especial do governo”, uma designação que lhe permitiu contornar um processo de confirmação do Senado e evitar divulgar publicamente suas participações financeiras.

O DOGE foi criado com a renomeação do Serviço Digital dos EUA e sua transferência para o cargo executivo, em uma aparente tentativa de contornar as leis de registros públicos. O órgão de fiscalização ética American Oversight entrou com uma ação judicial para obrigar o grupo a cumprir essas leis e preservar materiais sujeitos às exigências da Lei de Liberdade de Informação. “O público merece saber a extensão total dos danos”, disse a diretora-executiva interina Chioma Chukwu em um comunicado sobre uma ordem judicial de abril. 

Trump e Musk tentaram conceder ao novo escritório poderes expansivos nunca previstos pelo Congresso, incluindo a capacidade de “apreender” ou congelar fundos apropriados pelos legisladores. Especialistas dizem que o acordo é inconstitucional em vários níveis — assim como as demissões em massa do DOGE e suas tentativas de fechar ou interromper o trabalho de agências governamentais inteiras.

Uma ação judicial movida por funcionários da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) expôs muitos desses argumentos, alegando que “Musk agiu como um oficial dos Estados Unidos sem ter sido devidamente nomeado para tal função” e que o DOGE “agiu para eliminar a USAID, uma agência federal criada por estatuto e que somente o Congresso pode fazê-lo”. Um juiz federal em Maryland concordou, concluindo que o empresário e o DOGE provavelmente violaram a Constituição ao desmantelar o escritório. Outro juiz ordenou que o governo Trump recontratasse milhares de funcionários em estágio probatório demitidos pelo departamento.

Vizzachero, o biólogo especializado em vida selvagem, estava entre os recontratados. O governo continua avançando com demissões em massa ainda maiores. 

Eu me tornei um meme. É viver o sonho e viver o meme, e é isso que está acontecendo.” — Elon Musk

Musk e seus assessores — muitos deles retirados das próprias empresas do bilionário, outros jovens universitários que abandonaram a faculdade de tecnologia e não têm experiência governamental — exigiram acesso sem precedentes a informações pessoais confidenciais e sistemas de pagamento do governo, o que levou a ainda mais desafios legais. Juízes federais concluíram que o governo Trump provavelmente violou as leis de privacidade e administrativas ao conceder ao DOGE amplo acesso a dados pessoais e privados mantidos pela Administração da Previdência Social, pelo Departamento do Tesouro e pelo Departamento de Educação. Apesar disso, o DOGE continuou a operar com o mesmo manual de conduta que Musk usou após adquirir o Twitter, demonstrando zelo por demissões rápidas e pouca consideração pelo funcionamento dos departamentos.

Durante o caos e a confusão do retorno de Trump ao poder, Musk também se esforçou para cultivar a imagem que manteve por muito tempo como um trabalhador braçal, um showman e um especialista em diversas áreas. Ele teria dito a amigos que estava dormindo nos escritórios do DOGE , repetindo alegações que fizera anteriormente sobre dormir no chão de uma fábrica da Tesla. Ele publica continuamente estimativas grandiosas e muitas vezes imprecisas de quanto dinheiro o departamento economizou. 

E ele parece saborear seu papel de agitador todo-poderoso. Musk começou a difamar regularmente seus inimigos como “retardados ” nas redes sociais e a atacar juízes que decidiam contra o governo ou bloqueavam as incursões do DOGE. Ele se tornou ousado o suficiente para descrever a Previdência Social, por muito tempo considerada intocável, como “o maior esquema Ponzi de todos os tempos” [uma operação fraudulenta que envolve a promessa de pagamentos]. 

No palco do evento pós-posse de Trump, Musk saudou a multidão com os braços esticados e, em seguida, respondeu à reação negativa com uma série de trocadilhos com nomes de nazistas de alto escalão do círculo íntimo de Adolf Hitler. Em entrevista virtual ao partido político alemão de extrema direita Alternative für Deutschland (AfD), ele argumentou que a Alemanha havia dado “destaque exagerado à culpa do passado”.

Elon Musk faz gesto nazista durante discurso (Foto: Elon Musk (Fotos: Christopher Furlong/Getty Images)
Elon Musk faz gesto nazista durante discurso (Foto: Elon Musk (Fotos: Christopher Furlong/Getty Images)

Na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) de 2025, em fevereiro, Musk agitou uma serra elétrica que, segundo ele, cortaria a “burocracia” — isso no mesmo dia em que sua ex-companheira Grimesimplorou publicamente no X para que ele respondesse a ela sobre uma crise médica vivenciada por um dos três filhos do casal. 

“Eu me tornei um meme”, disse ele no palco. “Estou vivendo o meme. Sabe, é como viver o sonho e viver o meme, e é basicamente isso que está acontecendo.”

A aparição bizarra na CPAC gerou especulações sobre o estado de espírito de Musk e seu uso recreativo de drogas, já que ele usava óculos escuros e tinha dificuldade para articular frases. Pessoas próximas ao bilionário disseram ao The Wall Street Journal que o conheciam por uso de drogas ilícitas, incluindo LSD, cocaína, ecstasy e cogumelos — uma fonte de preocupação para alguns dos membros do conselho que supervisionam suas empresas. Ele negou o uso de drogas ilícitas, embora tenha falado sobre o consumo de cetamina, um anestésico dissociativo, prescrito por um médico.

Alguns altos funcionários do governo Trump e membros do gabinete se mostraram profundamente irritados com Musk. O Secretário de Estado, Marco Rubio, segundo três fontes familiarizadas com o assunto, não esconde seu desdém pelo magnata, com alguns funcionários do Departamento de Estado apelidando o bilionário da Tesla de “Tio Elon Maluco”, disseram duas dessas fontes à Rolling Stone.

“Já estive na mesma sala com o Elon, e ele sempre tenta ser engraçado. Mas não é engraçado. Tipo, nem um pouco”, diz um alto funcionário do governo Trump. “Ele faz piadas, faz comentários e sorri, e depois parece quase magoado se você não absorver o humor dele. Eu continuo usando a palavra ‘irritante’; muita gente que tem que lidar com ele faz isso. Mas a palavra não faz justiça à situação. O Elon simplesmente se acha mais inteligente do que todos os outros na sala e age como tal, mesmo quando fica claro que ele não sabe do que está falando.”

Musk tem consumido a paciência de uma série de altos funcionários do governo, a tal ponto que — segundo este e outros dois funcionários — assessores de Trump saíram de reuniões e perguntaram seriamente uns aos outros se o bilionário estava sob efeito de drogas. Funcionários do governo brincaram uns com os outros sobre submetê-lo a testes obrigatórios de drogas, o que o próprio Musk disse que seria uma “ótima ideia” para ser feita em funcionários federais.

Elon Musk em reunião na Casa Branca (Foto: Jabin Botsford/The Washington Post via Getty Images)
Elon Musk em reunião na Casa Branca (Foto: Jabin Botsford/The Washington Post via Getty Images)

“Conversar com o cara às vezes é como ouvir pregos enferrujados riscando um quadro-negro”, diz o alto funcionário do governo Trump, acrescentando que Musk também não é um grande colega de equipe. “Ele é simplesmente a pessoa mais irritante com quem já tive que lidar, e isso já diz muito.”

‘Por que essas crianças sabem disso?’

Com a benção de Trump, Musk criou um clima de medo que contagiou quase todos os cantos do poder executivo dos EUA. Quando o “exército nerd” do DOGE se mobilizou para assumir o controle de agências federais caso suas demandas não fossem atendidas imediatamente, os seguidores de Musk gritavam com altos funcionários do governo: “Preciso ligar para o Elon?”

Os e-mails que ele enviou a funcionários federais foram tão intencionalmente escr*tos que vários deles geraram uma avalanche daquilo que um funcionário do governo chamou de “pegadinhas e respostas muito rudes”. Algumas dessas respostas grosseiras incluem — segundo mensagens analisadas pela Rolling Stone — imagens sexuais explícitas, incluindo conteúdo envolvendo urina e fezes.

“Sei que Elon provavelmente não verá, mas espero aconteça”, diz um ex-funcionário federal, que afirma ter respondido a um desses e-mails com a imagem de um ânus humano. 

Musk aparentemente se diverte com a agitação. Além de seus memes públicos, quando troca mensagens privadas com associados e confidentes sobre relatos de funcionários federais sobre como suas vidas foram destruídas, o CEO da Tesla costuma reagir com emojis de rir e chorar, de acordo com uma fonte com conhecimento direto do assunto.

Na Administração da Previdência Social, Musk e o DOGE parecem estar criando uma bomba-relógio — fazendo grandes cortes e mudanças que podem impedir que algumas pessoas recebam os benefícios que lhes são devidos. 

O oligarca da tecnologia alertou repetidamente que milhões de americanos com mais de 100 anos estão recebendo benefícios — uma deturpação flagrante dos dados da agência. Trump também tem propagado essa falsidade , mesmo com seu comissário interino da Previdência Social reconhecendo que essas pessoas “não estão necessariamente recebendo benefícios”.

Musk alegou que há “níveis extremos de fraude” na Previdência Social — embora ele e o DOGE não tenham apresentado nenhuma evidência. Ele argumentou, sem fundamento, que centenas de bilhões em fraudes por ano vão para imigrantes sem documentos, provenientes de programas de assistência social como Previdência Social, Medicare e Medicaid. As reclamações constantes sobre direitos estão causando impacto: quando as pessoas perdem seus benefícios da Previdência Social, elas estão culpando Musk e o DOGE. 

Dois funcionários do governo e outro conselheiro de Trump disseram à Rolling Stone que quando Musk criticou publicamente a Previdência Social como um “esquema Ponzi”, alguns próximos a Trump tentaram lembrar o bilionário que essa afirmação pode ser politicamente prejudicial.

Ele é a pessoa mais irritante com quem já tive que lidar, e isso quer dizer alguma coisa.” —Alto funcionário da administração Trump

“Gostamos de vencer eleições, e vocês devem ter notado que muitos dos nossos eleitores são idosos”, observa o assessor de Trump. A reclamação dos altos escalões da Trumplândia sobre a incapacidade de Musk de absorver ou considerar novas informações é comum.

De acordo com o assessor do presidente e um funcionário do governo, o capitão do DOGE respondeu teimosamente com comentários como: “Mas é um esquema Ponzi”. (Não é.)

Enquanto Musk e seu batalhão alegam estar caçando gastos supérfluos, o magnata da tecnologia disputa novos contratos com agências que regulam diversos interesses comerciais — uma situação que gera conflitos de interesse evidentes. A Casa Branca de Trump afirmou que Musk pode policiar seus próprios conflitos e se isentar do trabalho do DOGE de supervisionar determinados contratos, se julgar necessário.

Como parte do expurgo, o bilionário e o DOGE demitiram centenas de funcionários em estágio probatório da Administração Federal de Aviação (FAA), que no ano passado propôs multar a SpaceX de Musk por violações regulatórias e de segurança. Ele também pressionou o último administrador da FAA a renunciar, deixando a administração sem liderança quando um helicóptero do Exército e um jato comercial colidiram, em janeiro, matando 67 pessoas. 

A agência começou a utilizar o Starlink, o serviço de internet via satélite de Musk, para ajudar a atualizar os sistemas que utiliza para gerenciar o espaço aéreo americano. O empresário tentou disfarçar isso como caridade, publicando que “terminais Starlink estão sendo enviados SEM CUSTO ao contribuinte em caráter emergencial para restaurar a conectividade do controle de tráfego aéreo”. No entanto, como noticiou a Rolling Stone, autoridades da FAA discretamente orientaram seus funcionários a rapidamente arrecadar dezenas de milhões de dólares para financiar um acordo com a Starlink.

O New York Times noticiou separadamente em março que a Starlink agora está sendo usada na Casa Branca, apesar das preocupações com a segurança. O Departamento de Defesa de Trump acaba de conceder à SpaceX bilhões a mais em contratos para colocar satélites militares sensíveis no espaço. O DOGE estaria usando o chatbot de inteligência artificial Grok, de Musk, com liberalidade, enquanto corta o governo.

Duas fontes com conhecimento do assunto disseram à Rolling Stone que os funcionários do departamento questionaram o projeto Golden Dome, a proposta fantasiosa de Trump de construir um sistema de defesa antimísseis espacial para proteger todos os Estados Unidos — uma ideia pronta para a Starlink. Seus apontamentos eram tão específicos que autoridades do Pentágono se perguntaram se a equipe do DOGE tinha acesso a informações altamente confidenciais e protegidas. 

“Por que essas crianças sabem disso?” é como uma das fontes descreve sua perplexidade na época.

Com o DOGE, Musk se infiltrou efetivamente em agências que deveriam supervisionar seus negócios. Essa situação cria riscos, dizem especialistas — já que as autoridades podem não se sentir à vontade para escrutinar os negócios dele com muita atenção. Um exemplo: no final de fevereiro, a FAA autorizou a SpaceX a lançar outro voo de teste não tripulado de seu foguete Starship, um mês após a explosão de um deles. O Starship explodiu novamente em pleno ar, espalhando detritos sobre a Flórida e o Caribe e interrompendo quase 500 voos.

A investigação da FAA sobre a primeira explosão concluiu que a causa provável foram “vibrações mais fortes do que o previsto durante o voo”. A agência observou que a SpaceX havia “implementado ações corretivas” antes de lançar o segundo foguete, que também explodiu. 

‘Ninguém Elegeu’ Musk

O ataque sem precedentes de Musk ao governo não passou sem resposta dos americanos comuns, que mobilizaram protestos em massa focados no DOGE e na Tesla. Parlamentares republicanos que realizaram eventos públicos tiveram eleitores presentes para criticá-los por causa do empresário, que teve o nome vaiado. No início de março, o presidente da Câmara, Mike Johnson, pedia aos seus colegas republicanos que não participassem de tais eventos.

Enquanto isso, as manifestações se espalharam pelas ruas. “O DOGE é ilegítimo. O Congresso não os autorizou”, disse um funcionário federal em um protesto de março à Rolling Stone . A ação contou com apoio significativo de veteranos devido aos cortes do DOGE no Departamento de Assuntos de Veteranos. “F*da-se o Musk”, diz outra participante, cujo parente é funcionário público contratado. Ela observa que “ninguém elegeu” o bilionário.

“Pare Musk, pare Trump, salve a America”, diz cartaz em protesto contra o bilionário (Foto: David McNew/Getty Images)

Enquanto isso, uma onda de vandalismo — sem relação com a campanha pacífica Tesla Takedown — fez com que concessionárias, veículos e carregadores da Tesla fossem pichados, queimados e danificados por tiros, embora não tenha havido feridos até o momento. Musk declarou, sem fundamento, que os protestos são financiados por liberais ricos e que o vandalismo é “coordenado”, embora o FBI tenha afirmado não haver evidências disso. 

O governo e as autoridades policiais tomaram medidas para reprimir os vândalos da Tesla. Em uma demonstração que Trump realizou na entrada da Casa Branca com Musk, o presidente disse que os agressores deveriam ser considerados terroristas domésticos. A Procuradora-Geral, Pam Bondi, anunciou que três indivíduos suspeitos de realizar ataques incendiários em propriedades da Tesla enfrentariam penas de até 20 anos. O FBI lançou uma força-tarefa para investigar a violência contra a fabricante.

Trump também sugeriu que indivíduos presos por esses crimes deveriam ser enviados para a prisão em El Salvador.

O que é US$ 1 milhão?

Em meio à crescente indignação pública sobre seu papel e influência, Musk realizou uma reunião pública no final de março em Green Bay, Wisconsin. Mais de 1.000 apoiadores se juntaram a ele, enquanto centenas protestavam do lado de fora, sob a chuva congelante.

Os manifestantes estavam lá para desabafar sua indignação com as tentativas do bilionário de comprar uma cadeira na Suprema Corte estadual. O magnata da tecnologia — por meio de seu comitê para arrecadar dinheiro em campanhas políticas — vinha oferecendo US$ 100 aos eleitores para assinarem uma petição criticando os chamados juízes ativistas. Somente os signatários da petição puderam comparecer à reunião pública. Musk havia anunciado que daria cheques de US$ 1 milhão a dois participantes do evento. 

Um manifestante disse à Rolling Stone que Musk “não tinha nada que fazer em Wisconsin tentando influenciar votos”. Outro segurava uma placa dizendo “Os fãs do Green Bay Packers [time de futebol americano] não gostam de nazistas”, com uma imagem da saudação de Musk com os braços esticados.

Lá dentro, ele apareceu no palco usando um boné do time, que posteriormente ele assinou e jogou para a multidão.

Pouco depois, ele trouxe dois vencedores para receber os cheques de US$ 1 milhão. Admitiu à plateia que o objetivo era “apenas chamar a atenção”. Musk riu e afirmou que pagar os eleitores dessa forma “faz com que a mídia tradicional meio que perca a cabeça”.

Elon Musk dá dinheiro a apoiadores durante evento (Foto: Scott Olson/Getty Images)
Elon Musk dá dinheiro a apoiadores durante evento (Foto: Scott Olson/Getty Images)

Embora US$ 1 milhão seja uma quantia que mudaria a vida da maioria das pessoas, significa surpreendentemente pouco para um homem que, segundo informações, possuia US$ 316 bilhões no final de março. Um desses cheques equivale a pouco mais de 60 centavos para ele, quando se compara seu patrimônio líquido com o do americano médio. Os US$ 290 milhões que Musk gastou para eleger Trump e os republicanos equivaliam a cerca de US$ 214 para ele — menos do que a conta semanal de supermercado de uma família média. 

Eu agradeço a ele por me radicalizar. Eu nunca tinha participado de um protesto até ser demitido.” — Ben Vizzachero

Em sua reunião pública, Musk — um imigrante — iniciou um discurso inflamado sobre o recebimento de números de Seguro Social por estrangeiros, parado diante de um gráfico que supostamente mostrava um grande aumento no número de imigrantes legais sob o governo democrata. Na realidade, imigrantes legais recebem números de Seguro Social para poderem pagar impostos; esse processo foi, de fato, automatizado durante o primeiro mandato de Trump. A multidão ficou boquiaberta quando Musk deu a falsa impressão de que o DOGE havia finalmente encontrado uma fraude real no sistema. 

Quando ele foi interrompido pelos manifestantes, brincou que eles eram agentes financiados pelo megadoador democrata George Soros — sim, algo que ele mesmo fez dentro do evento cheio de pessoas, pagando US$ 100 para assinar sua petição e onde também doou US$ 2 milhões. 

Durante a noite, Musk argumentou que a eleição para a Suprema Corte de Wisconsin teria grandes implicações não apenas para o estado ou o país, mas possivelmente para o mundo — se os democratas vencessem, ele argumentou, os republicanos poderiam perder duas cadeiras no Congresso. 

Dois dias depois, os eleitores de Wisconsin rejeitaram de forma convincente o candidato de Musk, Brad Schimel, por 10 pontos. A eleição serviu como um referendo para avaliar o bilionário — e ele perdeu feio. 

A Dra. Kristin Lyerly, obstetra e ginecologista de Wisconsin que faz parte do conselho do Comitê para a Proteção da Assistência Médica e fez campanha contra Schimel, disse à Rolling Stone: “Autenticidade é incrivelmente importante para os moradores de Wisconsin, e é disso que Elon Musk não tem: qualquer senso de autenticidade.” 

Após o fracasso épico de Musk, espalhou-se a notícia de que ele poderia deixar o governo Trump em breve. Não foi uma surpresa — os funcionários públicos especiais devem servir por 130 dias ou menos por ano. O efeito de Musk sobre o governo e seus funcionários permanecerá. 

Em 5 de abril, enquanto uma onda de protestos se consolidava contra Trump e Musk em todos os estados e cidades do mundo, a Rolling Stone conversou novamente com Vizzachero. Ele se preparava para discursar em um desses comícios na Califórnia. (Agora que foi recontratado, ele diz, “as declarações que estou fazendo a vocês são minhas opiniões pessoais”.)

Ele leu o discurso planejado por telefone. Falou sobre como as leis ambientais e de conservação trouxeram de volta a águia-careca e o falcão-peregrino, e restauraram as terras públicas dos Estados Unidos. “O governo Trump quer explorar e abusar de nossas terras públicas para enriquecer bilionários como Elon Musk”, diz ele. Na ocasião, fazia um mês desde seu encontro com Musk. Ele diz estar “meio grato”.

Se visse o bilionário novamente agora, o que Vizzachero faria? “Eu o agradeceria por me radicalizar, porque eu nunca tinha participado de um protesto até uma semana depois de ser demitido. Passei muito tempo sentado à margem, pensando que havia tanta coisa ruim acontecendo. Ele me deu o empurrão que eu precisava para usar minha voz e me manifestar.”

Artigo publicado na Rolling Stone. Para ler o original em inglês, clique aqui.

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Fonte: rollingstone.com.br

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